Colunista da PL Brasil analisa visão de ingleses sobre o investimento saudita no futebol e o assédio sobre jogadores da Premier League, e aponta conflitos de opinião
“Os sauditas dominaram o golfe, as grandes lutas de boxe e agora querem dominar o futebol!”.
Palavras de Jamie Carragher, ex-jogador do Liverpool e atual comentarista. Elas representam bem o sentimento que impera hoje no Reino Unido. Depois de pelo menos duas décadas de superioridade financeira absoluta da Premier League, a principal liga do mundo se vê ameaçada.
Os sauditas já levaram Cristiano Ronaldo, N’Golo Kanté, Edouard Mendy, Kalidou Koulibaly, Hakim Ziyech e Roberto Firmino. Jogadores que, apesar da idade mais avançada, tinham mercado na Inglaterra ou em qualquer outro país europeu. Ruben Neves, de 26 anos, talvez tenha sido a venda mais impactante. Mas, apesar da qualidade indiscutível do volante português, ele não estava em um clube da elite (Wolverhampton), que disputa títulos.
O pior ainda pode estar por vir.
Bernardo Silva na Arábia Saudita seria divisor de águas
No momento em que essa coluna é escrita, a “novela Bernardo Silva” segue em andamento. Se o atacante português de 28 anos, no auge de sua carreira, resolver deixar o atual campeão da Champions League para jogar na liga saudita, será um duro golpe para os ingleses.
“Bernardo Silva está no auge e tem sido um dos melhores jogadores da Europa nos últimos cinco anos! Eu não estava preocupado com a liga saudita levando jogadores acima dos 30 anos, mas se isso acontecer, parece que muda o jogo”, escreveu Carragher.

Cresce o número de ingleses que pedem para que algo seja feito. Principalmente porque trata-se de um claríssimo caso de sportswashing – o uso do esporte para fazer a imagem de um país melhorar, mesmo este sendo governado por uma ditadura que não respeita a democracia e os valores de liberdade.
Sério?
Onde estava essa indignação quando o Chelsea foi comprado por Roman Abramovich, um dos oligarcas russos formados na esteira da ascensão de Vladimir Putin ao poder?
O mesmo Putin que pode ser tudo, menos um democrata e defensor dos direitos humanos.
Não demorou muito para Hernán Crespo ser comprado pelo Chelsea junto à Inter de Milão, na época um dos times mais fortes da Europa. Competição justa?
E quando a família real dos Emirados Árabes Unidos virou dona do Manchester City e começou a trazer um craque atrás do outro, não havia desequilíbrio financeiro? E não era sportswashing?
Como pode a Premier League ter permitido a compra do Newcastle por um consórcio liderado pelo Fundo de Investimento Público Saudita pouco mais de um ano atrás?

Claro que houve indignação de parte dos ingleses em todos esses casos. Gary Neville, por exemplo, sempre criticou esse tipo de venda. Como comentarista, o ex-jogador do Manchester United se tornou uma voz muito importante na Inglaterra.
“A Premier League deveria colocar um embargo instantâneo de transferências para a Arábia Saudita, para garantir que a integridade do jogo não seja prejudicada”, disse Neville recentemente. No caso dele, a maior preocupação é a ligação entre os atuais donos do Chelsea e do Newcastle com os clubes árabes.
Mas o futebol e todo o gigante mercado que ele movimenta está tão mergulhado no dinheiro, que nem o próprio Neville se vê livre de questionamentos. Na última Copa do Mundo, trabalhou como comentarista para a BeIN Sports, canal de televisão que tem como dono o Estado do Catar. Aquele país que sediou o Mundial, onde ser homossexual é proibido e os direitos humanos não são respeitados. “Quando o dinheiro vai pra você, não tem problema?”, perguntam os críticos.
E não, eu não estou defendendo esse dinheiro absurdo que a Arábia Saudita está derramando no futebol. É sportswashing sim, não resta dúvida.
Como amante desse esporte, torço para que seja uma onda passageira, parecida com a chinesa de anos atrás. Mas não há mocinhos e bandidos. Todos são responsáveis pelo cenário atual, e o futebol inglês tem enorme culpa no cartório.
Era preciso ter criado mecanismos lá atrás. Possíveis barreiras. Agora, é tarde demais. O dinheiro assumiu o comando, não importa se vem de uma empresa privada, de um dono bilionário, ou de um país comandado por um ditador.
Aliás, e o Manchester United, será mesmo comprado pelo Banco do Catar?