Marinakis: Os erros, acertos e bastidores do Forest cujo dono está de olho no futebol brasileiro

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Dono do Olympiakos, Nottingham Forest e Rio Ave, o empresário grego Evangelos Marinakis está interessado em comprar um clube do Brasil. A PL Brasil detalha os erros e acertos de Marinakis como dono do Forest desde que o magnata comprou o time em 2017 e conversou com jornalistas que cobrem a equipe para conhecer mais sobre seu trabalho.

Conversas iniciais do grego com o Vasco já começaram, mas Marinakis também avalia outros times, como informado pelo jornalista Lucas Pedrosa, do “SBT”.

Ligado à política grega, Marinakis é um homem poderoso, influente, supersticioso e preocupado com sua reputação. A ambição é uma das características mais marcantes do bilionário que já se mostrou por vezes controverso e até polêmico, tanto dentro como fora de campo. 

A lista de acusações a Marinakis na Grécia – todas muito graves e que não foram comprovadas – é extensa e envolve suspeitas de manipulação de resultados, apoio a organização criminosa no futebol local, tráfico internacional de heroína, dentre outros casos. Um homem importante no país, ele nega qualquer envolvimento e se diz vítima de uma grande campanha difamatória.

Início de Marinakis no Forest

O Nottingham Forest que surpreende positivamente nesta temporada da Premier League e briga pelas primeiras posições não lembra tanto o de anos anteriores. “Eu nunca faço promessas, eu cumpro”, disse um confiante Marinakis à “BBC” em sua primeira entrevista como dono do Forest, em 2017. 

Ele caminhou contrário à declaração e acabou prometendo que devolveria o clube à elite do futebol inglês em cinco anos e, com alguma turbulência, cumpriu. Marinakis substituiu um outro dono – o bilionário Fawaz Al Hasawi – que os torcedores do Forest queriam esquecer. A troca no comando trouxe uma sensação mista de alívio e alerta na torcida.

Evangelos Marinakis em jogo do Nottingham Forest. Ele passou a estar presente nos jogos do time nas últimas temporadas
Evangelos Marinakis em jogo do Nottingham Forest. Ele passou a estar presente nos jogos do time nas últimas temporadas. Foto: IMAGO

O Forest estava uma bagunça sob o comando do proprietário anterior. O clube estava em uma espiral descendente na época e os torcedores estavam cansados –, explica Sarah Clapson, jornalista que cobre o clube para o site “Nottingham Post”, à PL Brasil.

Quando Marinakis entrou, foi necessário muito trabalho – dentro e fora do campo – para colocar o Forest de volta no caminho certo. Para começar, o Forest está de volta à Premier League. Fora do campo, Marinakis supervisionou mudanças em termos de pessoal e estrutura. E ele investiu muito dinheiro na melhoria das instalações do campo de treinamento e do estádio – mesmo que o Forest ainda não tenha conseguido reconstruir o City Ground (seu estádio) como gostaria. Ele não acertou tudo, mas seu comprometimento e investimento no clube não podem ser questionados –.

Sua primeira decisão de mais impacto foi anunciar um advogado britânico de alto escalão, com currículo respeitável no mundo do futebol, para ocupar a presidência. A nomeação serviu para trazer credibilidade enquanto as graves acusações ao passado do grego fora de campo geraram preocupação na torcida.

Os primeiros anos de Marinakis no Forest não foram tão convincentes, embora ao chegar ao clube tenha cortado o preço dos ingressos, um tema muito sensível aos torcedores ingleses. A decisão agradou e trouxe uma boa primeira impressão para o magnata. 

Nas quatro primeiras temporadas completas, em duas terminou na parte de baixo da tabela e outras duas acima, mas sem vaga nos playoffs (Na segunda divisão inglesa, os dois primeiros colocados sobem automaticamente, enquanto há uma disputa pela última vaga entre o 3º  e o 6º). 

Steve Cooper, treinador do Leicester
Steve Cooper, treinador do Leicester (Foto: Icon Sports)

Quem conseguiu colocar um fim à trajetória oscilante foi o técnico Steve Cooper. Ele chegou no meio da temporada, tirou o time da lanterna e foi responsável por uma grande e improvável arrancada até o acesso em 2022. 

Na primeira no retorno à Premier League, Marinakis abriu os bolsos sem qualquer parcimônia. Foi o quarto clube que mais gastou, com quase 150 milhões de libras investidos em 21 atletas. A política de transferências se mostrou confusa, como em casos anteriores, pelos diferentes perfis de jogadores contratados, o que gerou críticas pela falta de uma estratégia clara. 

A montagem de um elenco coeso acabou desorganizada com o “pacotão” de reforços. Só nas últimas duas temporadas, o clube gastou 24 milhões de euros (R$ 146 milhões) em quatro goleiros com potencial para ser titular: o grego Vlachodimos, o americano Matt Turner, o belga Matz Sels e o brasileiro Carlos Miguel, ex-Corinthians. Desses, os dois primeiros já foram negociados.

Nikola Milenkovic Nottingham Forest
Nikola Milenkovic em ação pelo Nottingham Forest (Foto: Imago)

O Forest foi também em outros momentos um dos clubes que mais contratou, até de forma exagerada. Essa política mudou recentemente. “Existe sim (uma clara política de transferências) e penso que qualquer sugestão contrária é preguiçosa por parte de quem está de fora”, explica o editor do site Nottingham Forest News, Lee Clarke, em entrevista à PL Brasil.

Depois do acesso, contratamos 30 jogadores em duas janelas — claramente isso era desnecessário e aprendemos com isso. No entanto, nos últimos dois verões, pensamos em qualidade em vez de quantidade e conseguimos bons jogadores por preços bastante notáveis ​​– veja o zagueiro Nikola Milenkovic por 12 milhões de euros — reconhece Clarke. 

A torcida do Vasco conhece bem uma dessas contratações. O então técnico Steve Cooper só soube da chegada por empréstimo do volante Andrey Santos, em 2023, quando viu o jogador comparecer a um jogo do time, um sinal de falta de comunicação entre direção e comissão técnica. Andrey Santos faria apenas dois jogos pelo time e seu empréstimo foi encerrado precocemente.

Andrey Santos pelo Nottingham Forest (Foto: Icon Sport)

Apesar do clube contar com uma equipe scouting e uso de dados na contratação de atletas, parte da estratégia do Forest no mercado de transferências também se dá através da relação com empresários, hoje, em especial, com o famoso agente português Jorge Mendes, com bom tráfego no clube. 

Miltiadis, único filho homem do magnata e cotado a ser o herdeiro de todos os negócios, também já se aproveitou da posição privilegiada para participar ativamente do futebol. Foi, inclusive, ele quem tomou a frente e decidiu negociar com Jesse Lingard, ex-Manchester United, em 2022, através de uma ligação por Zoom e um convite para uma visita luxuosa à Grécia. Trazer jogadores “de nome” e prestígio é uma prática que o agrada.

Perda de pontos no Fair Play financeiro foi baque

Em meio a tantos investimentos, a falta de maior cuidado com as contas do clube levou a uma punição que quase custou a permanência na elite. Em março, o Forest, que lutava contra o rebaixamento, perdeu quatro pontos na tabela da Premier League por violar as regras do Fair Play Financeiro, chamado de Regras de Rentabilidade e Sustentabilidade (PSR) na Inglaterra.

A decisão foi tomada por uma comissão independente após o clube reportar perdas acima do permitido no ciclo de três anos que terminou na temporada passada (2022/23).

Ciente dos gastos, o Forest chegou a fazer uma venda para equilibrar a situação: negociou Brennan Johnson ao Tottenham, por 47,5 milhões de libras. No entanto, a transferência foi concretizada somente depois do fechamento do ano fiscal — ou seja, o valor não entrou na conta.

Brennan Johnson celebra gol pelo Tottenham contra o Manchester United em Old Trafford
Ex-Forest, Brennan Johnson celebra gol pelo Tottenham contra o Manchester United em Old Trafford. (Foto: Sportimage/Imago)

Segundo o “The Athletic”, o clube argumenta que agiu dentro das regras e a maior parte do problema gira em torno justamente do negócio de Brennan Johnson. O Forest afirma que poderia ter vendido o jogador antes, mas teriam recebido um valor consideravelmente menor. A punição foi encarada pela torcida do Forest com uma mistura de reações, opina Clapson.

Obviamente eles não ficaram satisfeitos com a dedução de pontos. Alguns criticaram o clube por ter chegado a essa posição, mas outros visaram as próprias regras. Acho que existe uma opinião generalizada, não apenas no Forest, de que essas regras deveriam ser alteradas –.

As polêmicas do grego (no futebol)

Evangelos Marinakis nottingham forest
Evangelos Marinakis, proprietário do Nottingham Forest (Foto: Icon Sport)

A relação sua e de seus pares com membros do comando de futebol gerou muitos ruídos em alguns momentos. Em 2019, o técnico Aitor Karanka ficou cansado de receber pressão do então diretor grego Ioannis Vrentzos, braço direito de Marinakis, para escalar certos jogadores, aponta reportagem do “The Athletic”. 

A interferência no trabalho do treinador era considerada nociva, e ele acabou demitido após resultados ruins. Essa mesma pressão também foi percebida por outros técnicos do clube. Vrentzos não ocupa mais essa função no Forest.

A impaciência de Marinakis com resultados ruins levou-o a mostrar sua faceta mais intimidadora. Em 2020, fez uma chamada de vídeo com o elenco inglês e mandou um recado claro após a eliminação do time na Copa da Liga Inglesa para um adversário pequeno. O tom pesado da cobrança, ainda mais no início da temporada, chocou os jogadores.

— A mensagem dele foi basicamente que alguns de nós não éramos bons o suficiente e não ficaríamos muito tempo no clube –, disse um jogador que preferiu não se identificar ao “The Athletic”.

O Nottingham Forest encerraria aquela temporada apenas na amarga 17ª posição da Championship, a segunda divisão inglesa.

Anos antes, em 2018, teve comportamento similarmente impaciente no Olympiakos. Após só três vitórias em oito partidas, avisou ao elenco que multaria os jogadores em 400 mil euros e dispensaria os atletas de pior performance para as partidas restantes da temporada. O tempo mostrou que ele cumpriria a ameaça.

— Pago milhões para que vocês (jogadores) tenham tudo. Despedi três treinadores por vocês e, no final, parece que vocês é que eram os responsáveis –, disse aos atletas. 

Seu perfil, considerado pouco convencional para o padrão do futebol inglês, levou a constantes mudanças de rota no comando. Marinakis não tem preocupação em demitir técnicos. Desde 2022, o Olympiakos teve cinco treinadores permanentes e dois interinos. 

No Forest, as trocas de comando não foram tão impactantes como na realidade grega, mas ainda assim chamam atenção para os padrões ingleses. Foram apostas em diferentes tipos de perfil no comando, em termos de estilos de jogo, experiência na carreira e conhecimento do futebol local.

Sua impaciência teve o episódio mais alarmante neste ano. Em outubro, foi banido de cinco jogos da Premier League por ter cuspido na direção de um árbitro que passava pelo túnel que levava aos vestiários. Em sua defesa, Marinakis alegou que estava com tosse seca porque fuma charuto e que o incidente não teria sido intencional.

Na delicada briga contra o rebaixamento na temporada passada, uma publicação do clube no ‘X’ (antigo Twitter) foi centro de polêmica. Em tom grave e sem precedentes, o Forest acusou a arbitragem da partida contra o Everton, outro que lutava contra a queda, de ter errado em três marcações de pênaltis

Além disso, o clube revelou que teria avisado à Comissão de Árbitros que um membro da equipe do VAR era torcedor do Luton Town, outro time envolvido na briga contra o descenso. “Nossa paciência foi testada várias vezes”, dizia a mensagem.

A publicação foi criticada por ex-jogadores e gerou multa de quase 800 mil euros (R$ 5 milhões) da Federação Inglesa ao clube.

Nova fase com Edu Gaspar?

Edu Gaspar, ex-diretor esportivo do Arsenal
Edu Gaspar teve papel elogiado como diretor esportivo do Arsenal (Foto: IMAGO)

Marinakis está prestes a iniciar uma nova era na sua trajetória no futebol. Atrair o diretor Edu Gaspar para o seu projeto é considerado um ousado e surpreendente feito — embora ainda não seja confirmado. O admirável trabalho do dirigente brasileiro à frente do Arsenal atraiu os principais holofotes, mas sua provável ida para o grupo de Marinakis chamou bastante atenção e gerou críticas de desconfiados torcedores e ex-jogadores. 

Responsável por uma revolução nos Gunners, Edu Gaspar deixa um local onde é muito bem avaliado, querido por jogadores e em sintonia com outros funcionários dentro de uma estrutura muito profissional e organizada. Agora, vai assumir um projeto com pontos de interrogação, com uma provável nova função.

Marquinhos Arsenal
Marquinhos em ação pelo Arsenal (Foto: Icon Sport)

O relacionamento próximo do dirigente com o futebol brasileiro não gerou muitos frutos em seus tempos de Arsenal. Edu Gaspar contratou vários jogadores brasileiros para os Gunners, mas direto do futebol nacional só um: o atacante Marquinhos, ex-São Paulo, hoje emprestado ao Fluminense. 

O atacante Gabriel Martinelli foi descoberto antes de sua chegada e anunciado na mesma semana em que desembarcou no Norte de Londres. Todos os outros já estavam na Europa, como Gabriel Jesus, Gabriel Magalhães, David Luiz, Willian e Neto.

Uma das poucas críticas ao trabalho de Edu Gaspar no Arsenal foi justamente não ter aproveitado bem o seu conhecimento e conexões para atrair jovens promessas do futebol brasileiro. O clube “ignorou” o mercado sul-americano na hora de garimpar talentos.

Assim, os Gunners viram rivais levarem a melhor.

Joias brasileiras contratadas por grandes europeus:

  • Barcelona – Vitor Roque
  • Real Madrid – Rodrygo e Endrick
  • Chelsea – Estêvão, Andrey Santos, Ângelo, Deivid Washington
  • Grupo City – Savinho

O que pode ajudar o trabalho de Edu Gaspar é que o Nottingham Forest conta com um profissional que representa o clube no Brasil para tratar de recrutamento, observação e até parte das negociações com jogadores do país, como a PL Brasil informou em julho. É alguém que mora aqui e visita os estádios para acompanhar jovens in loco.

A reportagem também apurou que, para 2025, a ideia é que cerca de dois outros profissionais sejam contratados para formar uma equipe no Brasil e ajudar na cobertura de toda a América Latina. Isso já havia sendo discutido antes mesmo dos rumores de uma possível compra de um clube brasileiro.

O auge

Evangelos Marinakis, dono do Nottingham Forest
Evangelos Marinakis, dono do Nottingham Forest (Foto: Imago)

O ótimo desempenho nesta temporada da Premier League surpreendeu muita gente. Com a experiência do técnico português, o Forest teve ótimo início e é o quinto colocado, com cinco vitórias, quatro empates e duas derrotas. O excelente rendimento é uma das notícias positivas de sua gestão. 

Acho que Marinakis atrai as pessoas certas para seus clubes e garante que nenhuma delas fique em segundo plano. O Forest tem alguns nomes realmente bons nos bastidores e isso se deve em grande parte a algumas nomeações inteligentes dele. Gosto dele, acho que ele é muito bom no que faz e, de alguns torcedores, ele merece mais respeito. Aumentou os padrões do clube. Ele devolveu o clube à Premier League e também não vai parar por aí–, avalia Clarke.

Recentemente, Marinakis investiu 10 milhões de libras no CT do clube e tem conversas sobre ampliação do histórico estádio City Ground, embora já tenha admitido a possibilidade de buscar uma nova casa.

Na ambição de seu dono, o Forest quer se permitir a sonhar mais. Em 2022, quando torcida e jogadores comemoravam o acesso nas ruas de Nottingham, Marinakis foi claro ao dizer que a meta era levar o clube a competições europeias.

Acho que os torcedores reconhecem que ele é uma pessoa muito ambiciosa. Ele é muito motivado — não apenas com seus clubes de futebol, mas com todos os seus interesses comerciais. Assim que o Forest subiu, ele falou em buscar troféus e certamente também gostaria que o clube competisse na Europa, — analisa Clapson.

— Até que ponto tudo isso é realista é uma outra questão. Mas a maioria dos torcedores certamente não questionaria a sua ambição ou o seu compromisso, dado o dinheiro que investiu

Pedro Ramos
Pedro Ramos

Coordenador da PL Brasil. Editor da PL Brasil entre 2012 e 2020 e subcoordenador na PL Brasil até o meio 2024. Passagens pelo jornal Estadão e o canal TNT Sports. Formado em Jornalismo e Sociologia.
E-mail: [email protected]