Enzo Maresca será o novo treinador do Chelsea na próxima temporada. Substituindo Mauricio Pochettino depois de ser campeão da Championship com o Leicester, há bastante otimismo em relação ao nome — principalmente pela forma como os Foxes jogavam.
No entanto, a mudança pode ser mais brusca do que se imagina. É um sucessor que difere do antigo treinador em tratamento pessoal com atletas e imprensa, ideias com a bola, experiência, filosofia de jogo e clamor do público.
Com isso em mente, a PL Brasil analisa o cenário em que o casamento de Maresca e Chelsea ocorre. Afinal, o que pode mudar dentro e fora de campo com o novo treinador em Stamford Bridge?
As ideias de Enzo Maresca
O italiano, como um bom discípulo de Guardiola, empregou na equipe um futebol paciente, de posse de bola em regiões altas no campo e que, dadas as devidas proporções, se assemelha ao Manchester City no campo das ideias.
Os Foxes jogavam no clássico 4-3-3 preferido pelo Jogo de Posição, com pontas rápidos e bons dribladores responsáveis pelos lados do campo. Um centroavante de poucos toques e grande importância sem a bola para corridas em profundidade e um meio controlador.

Assim como Guardiola já fez no City e diversos outros treinadores que priorizam a posse de bola fazem, Maresca usa laterais por dentro, os inverted full-backs. No Leicester, Ricardo Pereira, o lateral-direito, se junta a Winks, o volante, enquanto o lateral-esquerdo mantém a linha com os zagueiros.

Dessa forma, os Foxes se postavam em organização ofensiva em um 3-2-5. Segundo o próprio treinador, uma das principais razões para inverter o lateral é defensiva:
— No 4-3-3, quando os laterais sobem, geralmente os times defendem (as transições adversárias) com apenas três jogadores (dois zagueiros e o volante). Ao invertermos o lateral, defendemos com cinco — explicou ao canal “Coaches' Voice”.
Ter a bola para atacar e defender
A ideia central é criar superioridade numérica em todos os setores e situações. O lateral por dentro faz com que seja mais fácil de pressionar caso a bola seja perdida no meio-campo, uma vez que haverá mais jogadores naquela região. Mas também permite o controle do jogo com a bola.
Isso porque existem diferentes cenários de domínio no 3-2-5 por conta do quadrado que é formado no meio-campo. Contra times que defendem em 4-3-3, por exemplo, há superioridade numérica no meio (4×3).

Contra times que defendem em 4-4-2, existem dois cenários: a superioridade numérica natural do quarteto do meio contra os volantes adversários (4×2); ou, caso os dois primeiros defensores adversários desçam para marcar os volantes, desmembram-se mais duas possibilidades:
- A superioridade numérica natural da linha de defesa (3×2), que empurra o adversário para trás;
- A descida do centroavante para ajudar o quarteto de meio e criar a superioridade numérica no setor (5×4).

E, caso algum zagueiro persiga o centroavante que desceu, gera uma descompensação na última linha de defesa, que apresentará buracos entre os laterais e o zagueiro restante. Isso pode ser usado para os meias ou pontas atacarem esse espaço e tirarem vantagem da marcação individual que se criou como consequência da perseguição do zagueiro.
Como o Chelsea se encaixa nesse plano?
Os Blues podem dar a Maresca diversas possibilidades, tamanha a quantidade de jogadores. O técnico pode testar jogadores em funções diferentes das que estão acostumados, dadas as suas características — assim como fez com Ricardo Pereira, antes um lateral de linha de fundo.
Usando a imaginação, podemos pensar no mesmo 3-2-5 no Chelsea, mas com grandes incógnitas. Palmer, que tem atuado na direita, não é o ponta incisivo que o italiano tinha no Leicester e pode acabar sendo um dos “camisas 8”, por mais que talvez não seja sua posição mais confortável.

Além disso, não é simples imaginar um lateral que domine tão bem as funções de um volante no elenco do Chelsea, apesar dos testes com Cucurella. E alguns dos laterais do elenco perderão espaço por serem principalmente jogadores de linha de fundo, característica predominante de Gusto, Reece James e Ben Chiwell.
Levando em consideração que nos Foxes nenhum dos laterais eram responsáveis pelo ataque pelos lados, todos os jogadores da posição dos Blues podem ser prejudicados. A não ser que Maresca reestruture o 3-5-2 para descer um meia para o lado do volante, um ponta para o meio e subir um lateral — o que parece casar mais com o elenco.

Ele ainda terá pontas incisivos, como Mudryk, Sterling e Madueke, e atacantes versáteis para atacar a profundidade e descer para ajudar o meio, como Nkunku e Jackson. Mas, mesmo com o elenco inflado, não é improvável pensar que reforços sejam necessários.
Muita diferença com o modelo de Pochettino?
A transição talvez não seja tão difícil pela maneira como o Chelsea terminou a temporada: invertendo Cucurella ao meio-campo, se sentindo mais confortável com a bola e com seu ataque vertical mais aguçado.
Pochettino também viu a temporada se encerrar com uma sequência de vitórias e bons desempenhos. Isso combinou com o crescimento de Madueke como um ponta de um contra um que Maresca gosta, e o crescimento de Caicedo como um pivô que casa bem com o estilo do italiano.

Apesar de historicamente Pochettino não ser o treinador que segue os preceitos do Jogo de Posição tão fortemente, o Chelsea foi bastante propositivo e paciente na última temporada. Ser o 5º em posse de bola diz muito.
Com 58,9% de posse na Premier League, esteve à frente do Arsenal e colado com os mais dominantes da liga, apenas 1% atrás do Brighton, 2,5% atrás do Liverpool, 3% atrás do Tottenham e 5,5% atrás do Manchester City.
Além disso, o Chelsea foi o segundo time com mais dribles por jogo (10.5) no Campeonato Inglês. Um exemplo de que o domínio com a bola e a habilidade para sair da marcação podem casar muito com o que Maresca pensa: a possibilidade de “avançar sobre o tráfego” em um jogo com espaços cada vez mais reduzidos.
Pochettino era um treinador que tinha como carro-chefe a mestria com que fazia seus times pressionarem alto e com grande intensidade. Ganhou repertório com as mudanças que teve de fazer ao longo dos anos no Tottenham e no PSG, e mesmo que não tenha perdido a essência, deixou legado de um time bastante capaz com a bola.
Os desafios fora de campo
O italiano teve basicamente um ano e meio como treinador profissional na carreira, então aceitar um gigante como o Chelsea não deve ter sido difícil. Mas árduo mesmo deve ser o cenário que ele encontrará em Stamford Bridge.
Os Blues gastaram mais de um bilhão de euros desde que Todd Boehly comprou o clube, em abril de 2022. É um elenco inchado, com muitos jogadores dividindo a posição, briga natural de egos e investimentos caríssimos que não deram certo. É muita responsabilidade para pouca experiência de quem está chegando.
Talvez a direção comece a ter um papel mais presente do que o comum no time com a chegada do treinador, dada a sua inexperiência na liga e na carreira. E também pela necessidade de administrar seus ativos — jogadores — que estão perdendo cada vez mais valor. Isso pode impactar grandemente o trabalho do italiano.
Inflexibilidade é um problema
Apesar do pouco tempo como treinador profissional, o italiano se mostrou muito inflexível. Seu primeiro trabalho, no Parma, foi exemplo disso: tentou fazer um dos times menos talentosos do campeonato ser propositivo, dominante com a bola e agressivo demais. Falhou e foi demitido poucos meses depois.
O próprio trabalho no Leicester deixa indícios. Foi um começo arrasador, mas que os times da Championship passaram a se acostumar e que não se traduziu quando enfrentou times da Premier League.

O confronto contra os Blues, inclusive, ilustra isso. O Chelsea registrou 4,28 gols esperados (xG) na vitória por 4 a 2 na FA Cup — mais xG do que nas goleadas em que fez cinco ou seis gols ao longo da temporada.
Antes do Natal, os Foxes sofreram apenas 16 gols em 23 jogos. Depois disso, foram 25 gols sofridos em 23 partidas — aumento de 56%. Isso resultou em um aumento considerável de derrotas.
A pontuação média do Leicester foi de arrasadores 2,42 pontos por jogo para 1,46 em um recorte pré e pós-32 rodadas. Nos 32 primeiros confrontos, foram apenas quatro derrotas. Os 14 últimos tiveram sete revezes.Ape
Apesar dessa situação, caso consiga se provar um recuperador ou remodelador de jogadores, Maresca pode transformar o Chelsea em uma potência. São diversos jogadores muito novos que podem ser remodelados em diferentes funções, principalmente no meio-campo.
Jogadores como Chukwuemeka, Ogochukwu, Casadei, Lavia e Diogo Moreira podem ser jovens a serem repaginados. E também vale prestar atenção no destino dos jogadores que voltaram de empréstimo, como Andrey Santos e Ângelo.