A temporada 2019/20 do futebol feminino na Inglaterra começou com vários questionamentos. Um deles era a respeito do Manchester United Women: como a equipe, que estrearia na primeira divisão, iria se portar batendo de frente com as grandes?
Apesar de ainda estarmos no começo da época, a resposta tem sido bastante positiva. As comandadas de Casey Stoney vêm fazendo um ótimo início em ambas as competições disputadas até agora: a Women’s Super League e a Women’s League Cup.
Na WSL, as Red Devils estão na quarta colocação, com nove pontos em cinco partidas – atrás apenas do poderoso trio Chelsea, Arsenal e Manchester City. Já na Copa, duas partidas e grandes resultados: vitórias por 2 a 0 sobre o Man City e 3 a 0 no Everton.
O desempenho e os resultados têm chamado a atenção de quem acompanha o futebol feminino inglês. Afinal, como o Manchester United pôde surpreender tão positivamente?
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O time
Nos sete jogos feitos até agora em 2019/2020, o Manchester United tem se alternado entre o 4-3-3 e o 4-2-3-1 (esta última foi a formação mais utilizada). O time de Casey Stoney tem trabalhado com a ofensividade como força.
O que, curiosamente, contrasta com a permanência de tempo com a bola. Nas cinco partidas disputadas na WSL, apenas em duas (Tottenham e Liverpool) o time teve maior posse. Porém, a média de finalizações é boa: pouco mais de 14 por partida. Diante disso, o time precisa de bons nomes ofensivos e que convertam as oportunidades.
E estes nomes têm aparecido. A jogadora que, sem dúvida alguma, vem realmente surpreendendo no ataque é Lauren James: com apenas 18 anos, ela tomou a titularidade no começo da temporada e já se destaca na equipe. Depois de 14 gols em 18 jogos no ano passado, com o United na segunda divisão, ela segue crescendo dentro de campo.
Bastante veloz e incisiva, James pode se deslocar por várias posições no ataque e dar muitas dores de cabeça às adversárias. Alguns erros ainda são visíveis (como na expulsão diante do Tottenham), mas que são naturais para uma atleta tão jovem.
A capitã do time, Katie Zelem, descreveu James desta forma ao Daily Mail em setembro: “Lauren James é, tecnicamente, uma das melhores jogadoras que eu já vi. Ela ainda é tão jovem e tem muito a aprender, mas quando você a vê na bola, ela é absurda. É muito difícil tirar a bola dela e esse é um dos seus principais pontos fortes. Fora do campo, ela está sempre fazendo piadas e é realmente alegre”.
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James, porém, não está sozinha. Ao lado dela, no ataque, Kirsty Hanson, Leah Galton e Jessica Sigsworth dão consistência ao setor. Por mais que ainda haja uma alternância entre algumas delas, isso mostra as boas opções que o elenco do United encontrou.
As três chegaram ao clube em 2018/19, primeira temporada do futebol feminino do United. Sigsworth, inclusive, foi a artilheira da segunda divisão, com 17 gols. Ela ainda não mostrou o mesmo ritmo da temporada passada, mas tem poder de decisão e é outro bom nome do plantel.
No meio de campo, talvez a grande contratação da temporada, e que logo mostrou a que veio. Jackie Groenen, que passou quatro anos com as alemãs do Frankfurt, decidiu apostar no projeto do Man United como a grande estrela da companhia. O resultado é imediato.
A holandesa (que inclusive marcou o gol da vitória na semifinal da Copa do Mundo contra a Suécia) perdeu os primeiros jogos por lesão, mas quando entrou no time, rapidamente tornou-se um pilar importante. Com bela visão de jogo e passes precisos, ela tem colocado companheiras em condição de marcar constantemente.
Além disso, a própria também costuma pisar na área e arriscar suas finalizações. Até agora ainda não marcou nesta temporada, mas é uma arma ofensiva importante – e sem dúvidas, a mais inteligente do elenco.
O setor central não tem apenas Groenen como grande nome: é preciso falar sobre Katie Zelem. Capitã e camisa 10, tem boa experiência apesar dos 23 anos – cinco anos de Liverpool e um de Juventus. No United desde 2018, ela mostra um grande nível na temporada.
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Dona das bolas paradas e comandando o meio-campo, tem liberdade para atacar e fazer estrago. Tem sido assim na Women’s League Cup, onde marcou nas vitórias contra Manchester City e Everton (neste último, de pênalti).
Mas Groenen e Zelem também são ajudadas pelo grande desempenho de Hayley Ladd. A meia central de 26 anos tem sido um pilar forte de sustentação defesa-ataque. Com ótimo poder de marcação e boa saída de bola, gera o equilíbrio que dá às duas meias ofensivas a liberdade de atacar e participar das ações mais perigosas. Um nome pouco comentado, mas muito importante.
Na defesa, a dupla de zaga tem se mantido praticamente intacta. Nos quatro dos cinco jogos até agora na WSL, Abbie McManus e Millie Turner formaram um bom pilar defensivo. As duas tem bastante experiência na primeira divisão.
McManus, que esteve na Copa do Mundo pela Inglaterra, chegou nesta temporada após mais de 120 jogos no Manchester City. Já Turner, de apenas 23 anos, foi ao United na temporada passada após anos no Everton e no Bristol City. As duas têm feito uma boa dupla, que apesar de não ser tão veloz, compensa na técnica e no posicionamento.
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Um ponto a ser melhorado está nas laterais. Até agora na WSL, Amy Turner, Hayley Ladd, Lotta Oqvist, Kirsty Smith e Martha Harris já se alternaram na posição. Com um grupo jovem e sentindo a saída da lateral esquerda e então capitã Alex Greenwood para o Lyon, isso pode ser um problema.
Por fim, no gol, outra ótima contratação da temporada: Mary Earps. Depois de um ano abaixo da expectativa no Wolfsburg, ela voltou ao futebol inglês e se consolidou na meta das Red Devils. Prova disso foi na derrota por 1 a 0 contra o Arsenal, onde as Gunners só não aplicaram um placar maior porque Earps teve uma excelente atuação.
Not once, but twice!
So strong from @ManUtdWomen's @1maryearps to deny @VivianneMiedema! pic.twitter.com/kTF18O9nrQ
— Barclays Women's Super League (@BarclaysWSL) September 16, 2019
A arqueira esteve no elenco da Inglaterra na Copa do Mundo e continua sendo chamada para a seleção. No último dia 5 de outubro, inclusive, foi titular na derrota inglesa por 2 a 1 para o Brasil, em Middlesbrough.
A treinadora
Casey Stoney tem muita história como jogadora. Ex-zagueira, fez mais de 100 jogos e esteve em três Copas do Mundo pela Inglaterra (inclusive foi a capitã do Team Great Britain nas Olimpíadas de 2012). Ela também teve duas passagens pelo Arsenal, e uma por Chelsea, Charlton, Lincoln City e Liverpool.
Ela já teve uma experiência de comando em 2009, quando após a saída de Steve Jones, assumiu o cargo de jogadora-treinadora no Chelsea. A dedicação exclusiva ao cargo veio apenas em 2018, quando se aposentou dos gramados aos 36 anos. O início foi na própria seleção, fazendo parte da equipe de assistentes de Phil Neville.
Em junho de 2018, começou o grande desafio: Stoney foi confirmada oficialmente como treinadora do Manchester United Women. Seria o primeiro time feminino da história do clube, e ela teria o trabalho de iniciar o projeto na FA Women’s Championship, a segunda divisão nacional.
A primeira experiência não poderia ter iniciado melhor. O Man United dominou o certame e foi campeão, garantindo a vaga na primeira divisão com 18 vitórias em 20 jogos. Com um jogo marcado pelo futebol ofensivo (as Red Devils fizeram incríveis 98 gols em 20 partidas), o trabalho da treinadora começou a ganhar destaque.
Com o acesso, a expectativa aumentou. Ao mesmo tempo, sabia-se que o nível das adversárias aumentaria. Mas o time tem respondido bem e feito uma campanha bastante louvável até agora. O estilo de jogo da FA Women’s Championship se mantém na WSL: marcação pressão e volume ofensivo são marcas.
Uma das filosofias de Stoney também é o trabalho a longo prazo. Segundo a própria contou ao Independent em setembro, o United não gastaria para trazer jogadoras de nome em sua estreia na WSL. O ideal, para ela, é fazer um trabalho sólido.
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Stoney lembrou que o futebol feminino ainda está em consolidação e que há uma grande diferença entre algumas equipes no cenário europeu – o Man United, por exemplo, ainda está buscando a afirmação.
“Se eu jogo o dinheiro, contrato uma jogadora que vem aqui por dois anos, ganha seu salário e vai embora. Há vezes onde você quer um pouco mais de estrelas no time, mas há de ser um investimento. É mais sobre um projeto de longo prazo aqui: pessoas que investem no clube e onde queremos ir”, destacou.
Em números totais, nos 35 jogos até agora, foram 28 vitórias, um empate e seis derrotas. São 122 gols marcados e apenas 16 sofridos em todo esse tempo.
O que esperar?
Obviamente, o time ainda está longe da perfeição. O objetivo do Man United Women, nesta temporada, é ter um bom desempenho e se consolidar inicialmente como um time de primeira divisão. A partir daí, maiores passos serão dados.
A princípio, um ponto a ser melhorado do time é o aproveitamento de finalizações. Das 71 dadas ao total em cinco rodadas de WSL, apenas 24 foram no alvo – um aproveitamento de 33,8%. E das 24, só sete se transformaram em gol. Para elevar o nível e querer competir com as maiores equipes, a pontaria precisa melhorar.
Outra questão é, como já citado acima, a respeito das laterais. Sem uma afirmação das duas titulares, o setor perde em entrosamento e prejudica o sistema defensivo – ainda mais quando se tem goleira e dupla de zaga já sólidas.
Por fim, a juventude do elenco pode pesar em alguns momentos. Das 16 jogadoras que entraram em campo pela WSL até agora, apenas uma está na casa dos 30 anos (Jane Ross, com 30).
Já acima dos 25, além de Ross, são apenas quatro atletas: Amy Turner com 28; e Mary Earps, Hayley Ladd e Abbie McManus com 26. Ou seja: quase 69% das atletas utilizadas até agora tem até 25 anos.
Em um campeonato duro e de alto nível técnico, a falta de experiência pode pesar em momentos importantes. Isso porque, além da idade baixa, o time é estreante na primeira divisão.
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Porém, são dificuldades naturais que seriam enfrentadas por qualquer equipe. Por mais que seja um time de muita história e camisa no futebol masculino, o Manchester United ainda constrói sua caminhada entre as mulheres. Traçar o caminho não é fácil, leva tempo e muito trabalho.
Mas o elenco tem dado resultado, o trabalho do comando técnico é interessante e os números até agora, em geral, são positivos. Não dá para saber até onde o Manchester United Women irá, mas o começo da trajetória tem sido muito bom.
Sem dúvidas, podemos estar vendo mais uma grande força surgir no futuro do futebol feminino da Inglaterra.