Depois de criar oportunidades suficientes para ganhar o jogo com fôlego, o Manchester United acabou perdendo para o West Ham por causa de um pênalti bem polêmico no final. E foi a gota d’água. Será que sem a intervenção do VAR, Erik Ten Hag ainda seria o técnico do United?
Pode ser, embora a pressão já estivesse muito forte, e sua demissão parecia uma questão de tempo. Sua retrospectiva no clube, em quase duas temporadas e meia, não inspirava confiança, e uma decisão estava sempre pesando contra ele — a opção de gastar tanto com Antony, com quem ele trabalhou no Ajax, mas que até agora não rendeu com o United.
Ten Hag, então, sofreu por causa de um ponta-direita. Mas o técnico, e muito mais ainda o clube, vem sofrendo com pessoas que jogam muito mais no campo direito — um fenômeno tão emblemático de nossos tempos, a classe bilionária.
Controlando o time agora está o ricaço inglês Jim Radcliffe, um empresário muito bem-sucedido no ramo petroquímico. Cresceu na cidade, torce para o clube e agora parece encarar seu papel no clube como um projeto de ego — tipo, “os meus métodos foram suficientes para ganhar no mundo de negócios, agora vou aplicá-los ao futebol para o mundo admirar.”
Tem a questão aqui de “transferibilidade” — se as habilidades dentro de um campo de atividade podem ser transferidas para outro. Muitas vezes, os bilionários se acham infalíveis — é só tirar qualquer restrição deles e o sucesso é garantido.

Por causa disso, o Ratcliffe tem sido um adversário implacável dos sindicatos — e também foi um apoiador ardente do Brexit, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Esse assunto, em si, traz evidências suficientes para questionar sua sabedoria e julgamento.
E seu início com o United não impressiona — depois da última temporada, resolveu manter Ten Hag, deu mais dinheiro para ele gastar na janela de transferências, e agora o coloca na rua.
Já ficou evidente que o futebol não é petroquímico.
Mas a relação de Ratcliffe com o United não pode passar muito de um projeto de ego porque ele possui apenas 25% do clube. O restante fica com a família norte-americana Glazer, que deve estar rindo à toa com a chegada de Ratcliffe.
Porque agora o ricaço inglês virou o rosto público do clube e de seus problemas, enquanto os Glazers ficam nas sombras, uma posição bem mais conveniente. Os Glazers não estão querendo publicidade. Estão querendo retorno no seu investimento — que, na verdade, nem era deles.

O clube foi comprado, quase 20 anos atrás, com dinheiro emprestado — o famoso “debt leveraged buyout”. Na época, o United não tinha dívida. Só que os Glazers colocaram a grana emprestada na conta do clube, e de repente o United estava com uma dívida enorme. E os Glazers se ocupavam com o projeto de cortar os gastos para extrair mais.
Num cenário assim, alguém realmente fica surpreso que o clube está passando por dificuldades no campo? Cinco técnicos, um atrás do outro, têm fracassado. Óbvio que o problema é muito maior que Erik Ten Hag. Pode até ser que o envolvimento de Ratcliffe vá melhorar a situação — pelo menos tem alguém aí perto que quer ver resultados esportivos.
Duas conclusões. Primeiro, Ratcliffe tem que acertar com o próximo técnico. Caso contrário, seu envolvimento fica comprometido. Segundo, a situação do United deve servir como advertência para o futebol brasileiro. Agora as portas estão abertas para a classe bilionária, com os perigos de excesso de ganância e de ego.