Manchester Derby: uma rivalidade além-século

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A PL Brasil conta agora história do Manchester Derby

O ano é 1881. Edison e Graham Bell criam a Oriental Telephone Company. O Kansas proíbe bebidas alcoólicas. O Principado da Romênia declara-se Reino da Romênia. Billy The Kid escapa da prisão, sendo morto meses depois. Um meteorito cai na Ucrânia. Nasce Sir Alexander Fleming.

Na cidade de Manchester, na Inglaterra, dois times ainda recém-formados disputam uma partida do popular esporte nacional, o futebol.

De um lado, Newton Heath L&YR Football Club, cujo nome começa com o distrito onde os jogadores moravam e continua com a sigla da empresa para a qual trabalham como operários, a Lancashire and Yorkshire Railway.

Do outro lado está o St. Mark’s. O time é de Gorton, uma área industrial ao leste da cidade de Manchester. O time de Newton Heath vence a partida por 3 a 0, no que foi descrito como “uma partida agradável”. Era o começo de uma rivalidade sem precedentes, que dividiria Manchester e além.

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Nos anos seguintes, Newton Heath e Manchester City (com seu novíssimo nome) dominaram a chamada Manchester Cup, e consequentemente separaram a região conforme seus adeptos.

E com o futebol tornando-se cada vez mais popular, começam as tentativas de estabelecer uma liga nacional. Esse problema termina com a fundação da Football League em 1892, com o Heath juntando-se à Primeira Divisão e o City à Segunda.

Na temporada 1894-95, ocorre o primeiro Manchester Derby no Campeonato Inglês, em que o Heath vence o City por 5 a 2 em Hyde Road, casa dos Citizens à época. Porém, a rivalidade começa a tornar-se notória em 1906, quando o City vence o (agora finalmente nomeado) Manchester United por 3 a 0.

O jogo é extremamente importante pois a arrecadação ultrapassou as mil libras, valor gigantesco em 1906. Além disso, o City ainda tentava superar o baque de um escândalo financeiro de pagamento a jogadores, onde 17 membros do plantel foram suspensos e banidos de jogarem pelo time para sempre.

Entre eles estavam inclusive membros importantes da equipe que vencera a Copa da Inglaterra de 1904. Quatro destes jogadores, ao fim da sua suspensão, transferem-se para o rival Manchester United.

Não obstante, conquistam o primeiro título do Campeonato Inglês da história do United, em 1908. Um deles, Sandy Turnbull, coincidentemente torna-se o primeiro jogador a ser expulso em um Manchester Derby.

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É importante destacar aqui o fato de que antes da Segunda Guerra Mundial, o clima entre as torcidas rivais de Manchester era de camaradagem. Mais detalhadamente, era comum que torcedores assistissem a jogos do City em uma semana e do United na outra.

Mesmo as transferências de jogadores entre os clubes eram vistas com tranquilidade, pois o sentimento geral era de que com isso se fortaleciam os clubes da cidade.

Contudo, com o fim da guerra, a rivalidade se acirrou enquanto Inglaterra e seus clubes se reconstruíam.

Os anos passavam e os jogos tonavam-se cada vez mais campos de batalha. Talvez o auge da agressividade tenha sido na década de 1970.

Um exemplo disso foi o momento protagonizado pela lenda do United George Best, que em dezembro de 1970 acertou um carrinho no Citizen Glyn Pardoe, quebrando sua perna e quase causando uma amputação.

Na temporada seguinte, Best também foi acusado de deliberadamente fingir uma falta. Seria um fato normal se o adversário Francis Lee não tivesse se jogado de forma cômica no chão para demonstrar seu ponto ao árbitro.

Os anos 70 também ficaram marcados por um Manchester Derby ímpar. Na temporada 73-74, o United estava muito mal no campeonato nacional. Para evitar o rebaixamento, precisava vencer o Manchester City na sua casa, Old Trafford.

Após 80 minutos sem gols, Denis Law, já na fase final da carreira, marcou o gol que sepultaria o United, seu antigo clube, a uma temporada na segunda divisão inglesa.

Em respeito, Law não comemorou. O escocês é considerado até hoje um membro lendário do Manchester United, constituindo a chamada The United Trinity, juntamente com George Best e Sir Bobby Charlton. Esse trio foi comandado pela também lenda do clube, Matt Busby.

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Naquele último Manchester Derby em 1974, Law encerrou sua carreira definitivamente. Não sem antes ficar paralisado em campo enquanto os torcedores dos Red Devils invadiam o gramado.

Nada adiantou, o United foi rebaixado por ano; mas logo voltou, concorrendo ao título na temporada seguinte à promoção.

Os anos 70 terminaram bem para ambos os clubes, mas a década seguinte não foi fácil para os Citizens, que viram seu clube ser rebaixado duas vezes, enquanto o Manchester United sagrava-se campeão da Copa da Inglaterra novamente.

O único Manchester Derby vencido pelo City na década de 1980 foi também o último dela. Na temporada 89-90, já com Sir Alex Ferguson no comando dos Devils, os Citizens venceram por 5 a 1 em Maine Road, sua casa. Entretanto, essa seria sua última vitória por 13 longos anos…

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A década de 1990 agrega algumas figuras curiosas ao já clássico Derby. O goleiro Peter Schmeichel é uma delas. Defendeu ambos os clubes (embora tenha jogado no City por apenas uma temporada) e nunca perdeu um Manchester Derby.

Nos anos seguintes o que se viu dentro dessa rivalidade foi o surgimento de um tal Ryan Giggs (que marcou seu primeiro gol como profissional contra o City na temporada 90-91), a criação da Premier League, a contratação do carrasco dos Citizens, Eric Cantona e títulos consecutivos para o United de Sir Alex Ferguson.

Talvez o/a nobre leitor(a) ache que o parágrafo anterior esteja recheado de clubismo. Mas a verdade é que a década de 90 foi notoriamente desigual para os rivais de Manchester.

Enquanto o United sagrava-se a maior força futebolística do país, o City foi rebaixado em 1996 e caiu para terceira divisão em 1998. Em um emocionante final de temporada, o City volta à segunda divisão e em seguida à Premier League. Contudo, em 2001 o clube é novamente rebaixado. Nessa época, ser torcedor do City exigia fibra.

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Os anos seguintes da rivalidade são marcados pela tão esperada estabilidade do City na Premier League e pela mudança de estádio do clube.

Os Citizens saíram do saudoso Maine Road e estabeleceram-se no novíssimo City of Manchester Stadium. O United, por sua vez, continuou angariando títulos ingleses de todas as competições. De fato, parecia impossível que o City alcançasse o rival.

As manchetes seguem parecidas até 2006, quando o Manchester City é comprado pelo ex-primeiro-ministro da Tailândia Thaksin Shinawatra.

Com novas contratações, o City inicia muito bem a temporada 2007-08, embora depois tenha caído de rendimento. Naquele ano, são relembrados os 50 anos do Desastre de Munique, com um Manchester Derby especial.

Ambas as torcidas respeitaram o minuto de silêncio e a partida terminou em vitória dos Citizens por 2 a 1.

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A partir da compra do time e posteriores investimentos, os resultados dos Derbys começaram a tornarem-se mais equivalentes. Na temporada 2007-08, por exemplo, o City venceu ambos os jogos.

No final de 2008 o clube é novamente vendido, desta vez para o bilionário emiradense sheick Mansour bin Zayed Al Nahyan. O primeiro título relevante após 35 anos seria uma Copa da Inglaterra, conquistada na temporada 2010-11.

Na temporada seguinte, seria a vez do City conquistar a tão sonhada Premier League, com a cereja do bolo sendo uma goleada histórica por 6 a 1 sobre o rival Manchester United em pleno Old Trafford. Para todos os fins, o último título de liga inglesa dos Citizens fora 44 anos antes.

Conforme Sir Alex Ferguson deixou os Red Devils para enfim se aposentar, uma era se encerrou no Manchester Derby. Um City agora rico e conquistando títulos se opunha a um United que, embora também muito economicamente prolífico, necessitaria de uma reestruturação técnica. Esse processo, inclusive, ainda não acabou.

Até agora, são 179 partidas do Manchester Derby, com 74 vitórias dos Red Devils, 53 dos Citizens e 52 empates. É uma rivalidade iniciada por geografia, mantida por paixão e reforjada nas glórias de ambos os clubes.

Não há técnico, diretor ou jogador que ouse subestimar a importância dessa relação. E quem ganha somos nós enquanto torcedores, que a cada ano gritamos e choramos por uma vitória mais do que especial, carregada de história e com pouquíssimos pares no globo.

Gabriel Reinehr
Gabriel Reinehr

Graduando em Jornalismo pela UFSM. Não nega que o futebol é uma das suas paixões.