Por que aumentar defesa contra o Manchester City pode ser uma fria e como o Arsenal deve usar isso

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Manchester City e Arsenal protagonizam, neste domingo (31), um duelo que pode definir a luta pelo título da Premier League na atual temporada. Os Gunners lideram o campeonato, mas estão apenas um ponto à frente dos Citizens. Vejam a tabela do campeonato.

Mesmo tendo a melhor defesa da liga, com 24 gols sofridos, o time de Mikel Arteta pode se encontrar em uma situação complicada — contra Pep Guardiola, “se defender mais” não é a melhor solução.

Como Guardiola mudou o Manchester City nesta temporada

Se a temporada passada, coroada com um triplete, viu Guardiola inovar com seu uso de zagueiros, este é o ano em que o catalão tem se atentado mais aos pontas. Principalmente com a chegada de Doku e a saída de Mahrez.

A dinâmica dos lados do ataque mudou com a troca de jogadores, e isso impacta como a equipe entra no último terço. Principalmente nas ultrapassagens pela lateral.

Mahrez, na direita, era o ponta driblador e de enfrentamentos individuais. Quando cortava para o meio, quem ultrapassava às suas costas com mais frequência era Kevin De Bruyne, e poucas vezes Walker, o lateral, ia até a linha de fundo.

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Foto: Reprodução/Tactical Board

Na esquerda, depois da saída de João Cancelo, Grealish também era um jogador de um contra um, mas mais de criação e associação. Quando cortava para o meio, no entanto, Aké ou Akanji, os novos laterais, também não subiam, e Gündogan, o meia, atacava a profundidade pelo meio-espaço, não pelas laterais. A jogada seguia pelo meio-campo ou entrava na área já por Grealish.

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Foto: Reprodução/Tactical Board

Nesta temporada, existem diferentes combinações nas pontas do City. Bernardo Silva e Foden revezam na direita, enquanto Doku, Grealish e Álvarez atuam pela esquerda.

Algo que não acontecia antes e, mesmo que pouco usual, foi usado com maestria nesta temporada — excepcionalmente contra um time que tentou colocar mais defensores para pressionar os atacantes. Trata-se de um movimento dos pontas, que geralmente viviam colados na linha lateral, para dentro, ocupando os meio-espaços sem a bola.

Os meio-espaços

O Manchester City é possivelmente a equipe que melhor explora essa região do campo no futebol mundial há anos. Ao dividir o campo verticalmente em cinco faixas, os meio-espaços são as áreas entre o centro e os lados — geralmente o espaço entre os zagueiros e os laterais.

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Os meio-espaços no futebol (Foto: Reprodução/Tactical Board)

Uma das principais formas de tirar vantagem nos meio-espaços é manipulando a última linha de defesa adversária.

  1. O ponta dos Citizens geralmente vai ser marcado pelo ala ou lateral adversário;
  2. Por exemplo, enquanto o ponta-direito enfrenta em uma jogada individual, o meia-direito daquele lado corre em profundidade, em direção à área, no meio-espaço.

Nesse movimento, alguns cenários são criados:

  • O adversário responsável pela marcação do meia do City geralmente tem dificuldade de acompanhar a corrida, uma vez que está em desvantagem cinética — ou seja, está de costas ou de lado para o espaço que está sendo atacado de frente pelo jogador do City;
  • Isso deixa o zagueiro adversário dividido e ele precisa tomar uma decisão. Se ele sai para marcar o meia entrando, deixa um enorme espaço na área para o Haaland (ou o atacante em questão) explorar;
  • Preocupados com Haaland, muitos zagueiros permanecem no centro da área, permitindo que o ponta toque a bola no espaço livre para o meia que está entrando na área com tempo e espaço para tomar uma decisão — seja finalizar ou cruzar.

Um detalhe interessante sobre esse movimento é que os jogadores do City costumam fazer sua corrida muito próximos ao lateral adversário.

O objetivo é criar a maior dúvida possível para a defesa. Isso porque, se o jogador corre próximo ao zagueiro central, ele não precisa sair muito de sua posição para defender quem está entrando.

Por que o meio é tão importante, e por que mais zagueiros não é a solução

Pep Guardiola levou seu time à maestria no uso dos meio-espaços para entrar na área e, por isso, cria muita tensão nas jogadas pelas laterais. Mas esses movimentos dos meias atacando a área nem sempre são o objetivo final do time para chegar ao último terço. Há outra possibilidade, e dessa vez vamos utilizar o lado esquerdo como exemplo.

  • O meia-esquerda atrai o volante adversário para a área defensiva do marcador, abrindo espaço na intermediária do meio-campo.
  • O ponta-esquerda pode conduzir a bola para dentro, onde o espaço foi criado, e finalizar ou encontrar um passe para um jogador livre na frente da linha de defesa, para entrar na área por dentro.

O espaço foi gerado no meio-campo, não na defesa. Por isso, mas zagueiros não é a solução.

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Foto: Reprodução/Tactical Board

Um fato desanimador para times com mais zagueiros é que o Manchester City tem 84,8% de aproveitamento contra equipes que defendem com linha de 5 na atual temporada da Premier League. São 13 jogos, 11 vitórias, um empate e uma derrota.

Muitas dessas equipes têm lutado contra o rebaixamento, como Burnley, Sheffield e Nottingham Forest. No entanto, não quer dizer apenas sobre a qualidade dos jogadores, mas sim sobre as saídas que o treinador tem para se desvencilhar de um barreira maior.

Há até um exemplo próximo na seleção brasileira. Na preparação para a Copa de 2018, por exemplo, Tite clamava por amistosos contra seleções que usavam linha de cinco, justamente para achar mecanismos que o Brasil ainda não tinha desenvolvido à época.

Exemplo recente para o Arsenal

A comissão de Mikel Arteta provavelmente tirou lições valiosas da abordagem que o Newcastle utilizou contra o City, nas quartas de final da FA Cup antes da Data Fifa. Na ocasião, Eddie Howe escalou seu time com uma linha de cinco defensores pela primeira vez na temporada.

O Newcastle é uma equipe que gosta de pressionar alto e não mudou essa abordagem contra os Citizens. Inclusive, a ideia de adicionar um zagueiro muito provavelmente passou por proteger a última linha justamente para manter a pressão constante. E isso foi facilmente manipulado.

Durante a construção do Manchester City, os pontas, Doku e Foden, deixavam os lados e ocupavam os meio-espaços. Em um movimento complementar, os laterais, Gvardiol e Walker, lateralizavam ainda mais e subiam. Isso gerava um grande cenário principal de manipulação:

  • Como o Newcastle pressionava com encaixes individuais em 3-5-2 — a primeira pressão era dos dois à frente, Isak e Gordon, na dupla de zagueiros;
  • Bruno Guimarães acompanhava Rodri de perto;
  • Os meias dos Magpies espelhavam os Citizens — Longstaff em Kovacic e Willock em Bernardo Silva;
  • Os alas alvinegros avançavam para marcar os laterais do City;
  • O trio de ataque de Guardiola, por sua vez, era marcado pelos três zagueiros: Lascelles em Doku, Schar em Haaland e Botman em Foden.
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Foto: Reprodução/Tactical Board

A “troca de posição” dos pontas e laterais do City teve dois principais motivos:

  1. Fazer com que os alas adversários recuassem e abrissem mais espaço perto da bola;
  2. Criar uma dúvida crucial ao tentar arrastar os zagueiros responsáveis pelos pontas — se acompanhassem, deixariam buracos na defesa, se não, deixariam os pontas habilidosos receberem sozinhos sem marcação e de frente para a profundidade.

Prioriza a área, desprotege o meio

A ideia de colocar mais zagueiros para proteger ainda mais a defesa pode parecer óbvia no papel. Por outro lado, contra um time tão hábil em manipular a última linha e que foca tanto no meio-campo, é uma decisão arriscada — principalmente do jeito que o Newcastle fez.

O time de Eddie Howe defendeu em 5-3-2 grande parte do tempo e teve as duas últimas linhas bastante compactadas. Isso dificultou os jogadores do City a encontrarem passes entrelinhas e progredir para o meio, mas teve uma reação perigosa.

A linha de três cobria menos espaço lateralmente. Ou seja, quando a bola estava em uma ponta do ataque Citizen, o outro lado do meio-campo muito provavelmente estava desprotegida. Foi assim que saiu o primeiro gol, marcado por Bernardo Silva.

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Foto: Reprodução/ESPN

Mesmo com o meio congestionado, Rodri foi capaz de encontrar Bernardo com um passe fácil em diagonal. O português estava sem marcação no meio-espaço porque Willock, o adversário mais próximo, tinha que priorizar fechar o ângulo de passe para o entrelinhas. Por isso, o camisa 20 teve bastante tempo e espaço para concluir. O segundo gol também foi bem parecido.

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Foto: Reprodução/ESPN

Mesmo pressionando bem, o meio ainda é crucial

Outro exemplo da mudança de Guardiola no jogo dos seus pontas se deu em momentos de dificuldade na saída de bola. Ortega, menos capaz com os pés do que Ederson, parecia confiar menos no seu passe curto e médio para sair jogando no chão, e muitas vezes deu lançamentos para o ataque.

As bolas longas visavam Haaland, e o posicionamento dos pontas foi crucial para que o City conseguisse progredir mesmo com esses “chutões” do goleiro. Posicionados nos meio-espaços, os atacantes de lado estavam mais perto de Haaland para ajudá-lo em tabelas e para que o City vencesse a disputa da segunda bola.

Guardiola, inclusive, percebeu a importância de vencer a segunda bola ao longo dos seus anos na Premier League. Em 2017, comentou sobre o Manchester United de José Mourinho, que tinha o meio e o ataque repleto de jogadores altos, como Ibrahimovic, Matic e Pogba, para priorizar lançamentos e sempre manter a posse em zonas mais altas do campo a partir da segunda bola.

O Arsenal deve se preocupar?

Guardiola e Arteta já virou uma rivalidade da Premier League nos últimos anos. Mais do que isso, o comandante dos Gunners foi auxiliar do catalão no próprio City. Por isso, são dois times que se estudam muito antes de um clássico,

A preocupação com uma equipe tão capaz quanto o City é evidente, mesmo que os londrinos tenham sido campeões da Community Shield sobre o time de Pep e vencido o jogo do primeiro turno do campeonato.

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Foto: Icon Sport

No entanto, o Arsenal não foi a jogo uma linha de cinco defensores em nenhum momento na atual edição da Premier League. Arteta pode entender que essa seja a hora de testar, assim como Eddie Howe fez, mas é algo improvável de acontecer.

E além disso, nos momentos em que, por circunstância do jogo, os Gunners defenderam com uma linha de cinco, souberam proteger mais o meio do que os Magpies. Em fase defensiva, postavam-se em 5-4-1, cobriam mais espaço lateralmente e inibiam a entrada do adversário.

O duelo do time com a melhor defesa do campeonato contra uma equipe que se reinventa a cada temporada pode mudar o rumo da Premier League. E, com mudanças ou não no planejamento usual, promete ser um dos jogos mais tensos e aguardados da temporada.

Guilherme Ramos
Guilherme Ramos

Jornalista pela UNESP. Escrevi um livro sobre tática no futebol e sou repórter da PL Brasil. Já passei por Total Football Analysis, Esporte News Mundo, Jumper Brasil e TechTudo.

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