Ao assistir às comemorações de títulos do Manchester City é possível reparar uma figura recorrente: Noel Gallagher.
Aqueles que talvez não conheçam tanto de cultura pop britânica podem achar que se trata de um senhor que entra de gaiato nas festas para tirar proveito do sucesso dos Citizens. Não poderiam estar mais errados.
Músico extremamente bem-sucedido, Noel Gallagher é considerado uma lenda no Reino Unido. Muito antes de fazer parte de uma das maiores bandas dos últimos 30 anos, o Oasis, já era torcedor fanático do City, desde criança. Ele acompanhou muito mais derrotas do que vitórias.
Durante os anos 1990 e boa parte dos anos 2000 ele foi mundialmente mais famoso do que o time, tendo sido figura importante para sua divulgação fora da Inglaterra. Hoje é uma peça-chave para a comunicação do clube.
Conhecido por seu sarcasmo e humor afiado, Gallagher também dá ótimas entrevistas sobre futebol. Inclusive sendo convidado recorrente em programas sobre o esporte, tanto de TV quanto de rádio.
Conheça mais sobre a relação entre Manchester City com Noel Gallagher
‘Sofredor’ desde criança
Noel nasceu em 1967 e cresceu em Burnage, subúrbio pobre de Manchester, perto de Maine Road, então estádio do City. Sempre que podia ia para as arquibancadas. Quando não tinha ingresso dava um jeito de driblar a segurança e assistir aos jogos, espremido entre os outros torcedores.
Durante sua infância, nos anos 1970, Gallagher até pode acompanhar alguns bons momentos do clube, como a conquista da Supercopa da Inglaterra de 1972 e a Copa da Liga Inglesa de 1975-76, bem como algumas boas campanhas no Campeonato Inglês (principalmente o vice-campeonato em 1976-77). Mas, no geral, ele já chegara à conclusão de que ser torcedor apaixonado do Manchester City não era uma moleza.
“Teve uma fase em que toda vez que ia ao estádio o City perdia. Devo ter assistido a 10 derrotas consecutivas do time quando ia à Maine Road”, contou Gallagher em entrevista à Sky Sports.
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O desempenho fraco de seu time não diminuiu sua paixão por ele, tampouco o afastou do futebol. Este sempre foi seu assunto favorito, junto com música.
“Sempre soube que se eu fosse ter algum sucesso em Manchester seria como jogador de futebol ou músico. Ou como traficante de drogas, se tudo desse errado”, costumava contar Noel em várias entrevistas quando perguntado sobre sua adolescência.
Nos anos 1980 o City contabilizava um rebaixamento na temporada 1982-83 (tendo permanecido dois anos na segunda divisão) e várias campanhas medíocres (de meio de tabela para baixo) na primeira divisão.
Enquanto isso Noel treinava suas habilidades como guitarrista e compositor e se embrenhava na cena musical de Manchester, que, na época, vivia um apogeu de grandes bandas, como The Smiths, New Order, Happy Mondays e The Stone Roses.
Em 1988, Gallagher começou a trabalhar como roadie do grupo Inspiral Carpets, também de Manchester (eles fizeram sucesso razoável entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 no Reino Unido e Europa). Esse seria seu primeiro passo no mundo da música.
Anos 90: Auge de um, drama do outro
No início dos anos 1990, Noel juntou-se ao Oasis, banda que seu irmão mais novo, Liam, havia formado com três amigos. Ele assumiu as responsabilidades como guitarrista solo e compositor de todas as músicas.
Em 1994, o grupo lança Definitely Maybe, seu primeiro álbum, que os catapultou ao estrelato instantâneo. Na capa do disco não poderia faltar uma referência ao Manchester City. Uma fotografia de Rodney Marsh, atacante do clube nos anos 1970, aparece no canto inferior direito.
Há também, um pouco mais escondida, uma foto de George Best, ídolo do Manchester United. Foi uma exigência do guitarrista Bonehead, único torcedor dos Red Devils na banda.
Desde suas primeiras aparições na imprensa Noel deixou claro que poderia falar tanto de música quanto de futebol. Se uma entrevista estivesse complicada, bastava o repórter puxar o assunto Manchester City para que Noel se animasse a falar e analisar a situação do time, que na época não era das melhores.
Após entrar na Premier League como um dos clubes fundadores, em 1992, o City faz seguidas campanhas fracas, até ser rebaixado em 1996. Na temporada 1997-1997 o time fica apenas em 14º lugar, permanecendo na segunda divisão.
Ironicamente, 1996 seria o auge da carreira de Noel Gallagher junto do Oasis. Seu segundo álbum, What´s the Story, Morning Glory, teve mais de 20 milhões de cópias vendidas e contava com vários hits, como Wonderwall e Don’t Look Back in Anger.
A banda fez dois shows históricos em Maine Road. Os ingressos para os shows tinham neles estampada uma foto de Noel, Liam e Guigsy (baixista e também torcedor fanático do City) vestidos com a camisa do time e sentados nas cadeiras do estádio. Bonehead obviamente se recusou a aparecer nessa foto.
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Não há dúvidas de que, à época, tanto Noel quanto o Oasis eram maiores e mais conhecidos, mundialmente, do que o Manchester City. Além de ter menos torcedores e títulos do que seus principais rivais na Inglaterra, o clube ainda vivia seu calvário na segunda divisão.
O fato de Noel ser tão famoso e nunca deixar de falar sobre seu time de coração foi importante para manter o City em evidência e dar a ele uma presença internacional inédita.
Prova disso era a presença de camisas e bandeiras do clube nas plateias do Oasis em shows no Japão, por exemplo. Algo impensável para a época.
Noel chegou a ser convidado para participar de um conselho dentro do clube e foi abordado sobre a possibilidade de investir nos Citizens. Mesmo para um músico extremamente bem-sucedido o montante de dinheiro necessário para manter um time de futebol era demais e o investimento não aconteceu.
Em 1997, o Oasis preparava-se para lançar seu antecipadíssimo terceiro álbum, Be Here Now. Ao final da temporada 1997-98, o City estava rebaixado para a terceira divisão.
O fim do Oasis e o início do novo City
Após voltar à Premier League em 2001, ser rebaixado logo em seguida e voltar à elite em 2002, o City conseguiu ter estabilidade na primeira divisão no restante da década. Com algumas temporadas interessantes, mas sem muito brilho.
Para Noel e o Oasis, os anos 2000 também foi de estabilidade sem muito brilho. Seus discos não tinham o mesmo impacto que os da década anterior, mas seguiam fazendo turnês mundiais de muito sucesso.
Em setembro de 2008, o Manchester City foi comprado pelo bilionário xeque Mansour bin Zayed Nahyan, dos Emirados Árabes, tornando-se um dos clubes mais ricos do mundo. Era o início de uma nova fase para o City.
Em 2009, após uma briga com seu irmão Liam, momentos antes de um show em Paris, Noel deixa o Oasis e a banda termina.
Acompanhando as vitórias de perto
Noel tornou-se convidado frequente de programas de TV e rádio sobre futebol, principalmente o Soccer AM. Sempre que chamado a comentar sobre novas contratações, técnicos e prognósticos para o City, ele mostrou desenvoltura para debater os assuntos.
Em 2011, após 35 anos de jejum, os Ctizens conquistaram um título. Foi a Copa da Inglaterra, sobre o Stoke City. Gallagher estava em Wembley para finalmente celebrar um campeonato de seu time de infância.
Em 2012, ele não pode estar no estádio para a conquista histórica da Premier League, pois estava em turnê com seu projeto solo, Noel Gallagher’s High Flying Birds, em Santiago, no Chile.
Todo o seu sofrimento assistindo à partida decisiva contra o QPR em um pub na capital chilena está registrado do DVD daquela turnê.
Desde então Noel não apenas tem sido presença constante nos principais jogos do City como o clube passou a tê-lo como peça importante de sua comunicação. Especialmente em seu canal de YouTube e suas redes sociais.
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A primeira entrevista de Pep Guardiola na Inglaterra, como técnico do Manchester City, foi dada à Noel Gallagher e publicada no canal oficial do clube.
Dá para dizer que o músico se saiu bem no papel de entrevistador. Perguntou sobre diferença de estilos entre as ligas espanhola, alemã e inglesa, sobre adaptação ao calendário mais puxado na Inglaterra, sobre aproveitamento de jogadores da base e ainda cunhou o apelido El Señor (que, segundo ele, seria a versão em espanhol para The Man) para Guardiola.
A pedido do clube Noel já entrevistou Balotelli, Kompany e Stones, entre outros jogadores, bem como participou de várias ações da comunicação do clube.
Em 2016, momentos antes da final da Copa da Liga Inglesa contra o Liverpool, ele foi entrevistado, mais uma vez para o canal de YouTube do City, dentro do carro a caminho de Wembley.
Nessa entrevista ele mostra o quão bem ele conhece o time. Faz uma análise bastante completa sobre a temporada 2015-16, elege Fernandinho como jogador fundamental para o funcionamento da equipe, lamenta a saída do treinador Manuel Pellegrini e fala sobre a chegada de Guardiola para a temporada seguinte.
Bom de papo
Fora da Inglaterra, Noel Gallagher é conhecido por ser mal-humorado em suas entrevistas. Em seu país natal as coisas são diferentes. Se o assunto é futebol há garantia de um bom papo.
De sofredor e porta-voz não-oficial a vencedor e comunicador hábil. Noel Gallagher é hoje uma figura praticamente onipresente no Manchester City, que sabe capitalizar em cima de sua imagem, carisma e fama mundial.
Definitivamente ele não é um gaiato nas comemorações de título. Ele é, basicamente, parte do clube.