Duelo entre Luton Town e Millwall teve batalha campal em 1985

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Durante os anos 1980, a Inglaterra viveu o auge do hooliganismo. Confrontos em estádios eram comuns. Um deles ocorreu no dia 13 de março de 1985, no duelo entre Luton Town e Millwall, válido pelas quartas de final da Copa da Inglaterra. Mais de 35 anos depois, o episódio ainda é lembrado como um dos piores dias da história do futebol inglês.

Uma data que ficou marcada por expor ainda mais os problemas do hooliganismo na Inglaterra. Mas não apenas isso. Também mostrou como os policiais eram despreparados, além da péssima qualidade dos estádios, algo que o governo de Margaret Thatcher fechava os olhos.

Relembre histório embate entre Luton Town e Millwall em 1985

Contexto antes da pancadaria

No ano de 1985, o Millwall era conhecido por ter uma forte base de hooligans. Ou seja, isso por si só já alertava para um perigo em qualquer partida do clube. Além disso, outro grave fator que passou despercebido pelas autoridades locais: torcedores de rivais londrinos decidiram ir até Luton para passar o dia.

Em entrevista ao jornal The Guardian em 2013, Yvonne Fletcher, torcedora do Luton Town e que estava presente naquele 13 de março de 1985, relembra que o caos já tomava conta da cidade horas antes do jogo.

“Às 15h (horário local), uma rádio da cidade noticiou que o Arndale Centre (shopping) tinha sido fechado por causa de problemas no centro da cidade, enquanto aconteciam tantas lutas que eu disse ao meu pai: este jogo (Luton Town x Millwall) nunca vai acontecer”, disse.

Segundo relatos da época, pubs e bancas de jornais da cidade estavam com as janelas quebradas, enquanto os policiais tentavam conter o caos. Matéria publicada pelo The Guardian, inclusive, mostra que a polícia precisava de cavalos para tentar minimizar os problemas. No entanto, eles não tinham esses cavalos, segundo a reportagem.

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Caos na entrada do estádio

O estádio da partida entre Luton Town e Millwall foi o Kenilworth Stand. Para essa partida, cerca de cinco mil ingressos foram destinados para a torcida do Millwall, que era a visitante. No entanto, um velho problema aconteceu. Isso porque o portão de acesso ao setor estava com quase o dobro da capacidade permitida, resultando numa invasão dos torcedores.

Com a arquibancada visitante comportando mais do que o dobro da sua capacidade, o estrago foi grande. De acordo com relatos, os torcedores do Millwall começaram a jogar garrafas, pregos e outros objetos nos fãs do Luton que estavam no setor da arquibancada Oak Road. Além disso, invadiram outro setor dos mandantes, destruindo assentos e também atacando os fãs do Luton.

Com esse caos, os torcedores do Luton saíram correndo do estádio, na tentativa de sair daquela confusão. No placar do estádio, uma mensagem informando que o jogo não iria acontecer até que os hooligans do Millwall voltassem para a área de visitante. No entanto, isso não adiantou.

Os jogadores saíram para aquecer, mas logo voltaram ao túnel. Os torcedores só pararam depois que George Graham, então técnico do Millwall, foi até a linha lateral do campo e pediu – mais uma vez – para retornarem ao espaço destinado. Depois disso, a chegada de policiais com cães fez com que o cenário caótico ficasse um pouco mais ‘limpo'.

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Caos durante a partida

Mesmo com todo esse caos gerado, a partida começou no horário previsto. No entanto, acabou sendo paralisada. Isso porque, aos 14 minutos, os torcedores do Millwall se revoltaram e invadiram o campo. Diante dessa atitude, o árbitro David Huthinson interrompeu a partida por 25 minutos.

O jogo só retomou porque o George Graham conseguiu – mais uma vez – convencer os hooligans. No entanto, o cenário de medo e tensão estava claro. E não havia como discordar disso. A polícia buscava deslocar os inocentes para um local seguro, inclusive pedindo para que os jornalistas deixassem a cabine de imprensa.

Como consta na matéria publicada pelo The Guardian, o então gerente do Luton, David Pleat, ouviu do árbitro de que ele iria fazer de tudo para terminar o jogo. E cumpriu a promessa, com o Luton avançando à semifinal da Copa da Inglaterra após vitória por 1 a 0, com gol de pênalti marcado pelo atacante Brian Stein, aos 31 do primeiro tempo.

Howes/Daily Express/Hulton Archive/Getty Images

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Pancadaria no pós jogo

Com o fim do jogo e o Luton classificado, a pancadaria começou. Os visitantes invadiram o campo, enquanto os jogadores corriam para o vestiário. Os hooligans do Millwall foram até a arquibancada Bobbers Stand e arrancaram assentos, além de derrubarem as cercas que estavam no setor.

Depois disso, os hooligans atiraram os assentos no campo em direção aos policiais, que usaram a estratégia de recuar e, em seguida, atacar em forma de onda. David Pleat, gerente do Luton na época, relatou ao The Guardian algumas cenas que acompanhou naquele fatídico 13 de outubro de 1985.

“Havia pessoas sendo carregadas em macas, torcedores na beira do campo e jogadores constantemente olhando para suas famílias, já que bolas de bilhar estavam sendo jogadas na área dos diretores. Não posso contar muito sobre futebol, já que havia muito mais coisas acontecendo. Estava completamente fora do controle”, afirmou.

O caos na partida entre Luton e Millwall acabou não causando vítimas fatais. No total, 47 pessoas foram para o hospital com ferimentos, sendo a maioria policiais. Sobre o número de presos, cerca de 31 pessoas foram detidas, de acordo com o relato – incluindo torcedores de Chelsea e West Ham, que não tinham nada a ver com o jogo.

Robinson/Daily Express/Hulton Archive/Getty Images

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Ações pós jogo

No dia seguinte, a Inglaterra, que na época era favorita para sediar a Eurocopa de 1988, acabou perdendo para a então Alemanha Ocidental. Na época, o presidente da FA, Bert Millichip, culpou a violência por esse fato. “As cenas em Luton foram as mais vergonhosas que já vi – e eu vi muitas”, afirmou ao The Guardian.

Também no dia seguinte, o deputado John Carlisle, político de Luton, afirmou que os seus eleitores estavam muito irritados com o caos causado na partida, já que várias casas foram destruídas. A pressão era grande e a decisão que o clube acabou sendo de banir os torcedores por quatro temporadas, além de implantar um sistema de identificação nas catracas do estádio.

Esse modelo de implementação de um sistema de identificação, aliás, foi uma das medidas fracassadas adotadas pelo governo de Margaret Thatcher na busca de ‘melhorar' o futebol no país. David Pleat, inclusive, afirma que o presidente do Luton, David Evans, era um brinquedo da Dama de Ferro e por isso tomou essa decisão.

“Ele era o brinquedo da senhora Thatcher. Eu não concordei com isso (banir a torcida por quatro temporadas), mas não houve discussão, nenhum debate”, afirmou o ex-gerente do Luton ao jornal The Guardian.

Lucas Holanda
Lucas Holanda

Jornalista em formação, olindense e apaixonado por futebol.