O Liverpool está em uma situação complicada neste sábado (6). Os Reds recebem o Brentford em Anfield, às 13h30 (horário de Brasília), mas não é só o confronto dentro de campo que preocupa. A Premier League “sugeriu fortemente” que os times toquem o hino nacional e exibam o retrato oficial do rei e da rainha nos telões, no próximo final de semana, pensando na coroação do Rei Charles III, que acontece no mesmo dia do jogo.
Às vésperas da partida, o Liverpool confirmou oficialmente que irá tocar o hino no sábado, assim como o Newcastle e o Wolverhampton. Porém, há um desconforto em Anfield com a sugestão da Premier League, já que seus torcedores costumam vaiar o momento solene. Ao mesmo tempo, se não tocar o hino, terá que enfrentar críticas na Inglaterra.
O clube porém, ponderou que a adesão é em respeito do pedido feito pela Premier League. Além disso, o Liverpool reconheceu que alguns torcedores podem possuir concepções diferentes à execução do hino nacional.
“Sabemos que alguns torcedores têm opiniões fortes sobre isso”, comunicou o Liverpool.
O técnico dos Reds, Jürgen Klopp, disse durante esta semana que esta é uma decisão do clube e sugeriu que as torcidas organizadas fossem consultadas. O clube tem uma longa história de descontentamento com o governo, principalmente por conta do desastre de Hillsbrough. Na vitória por 1 a 0 contra o Fulham nessa quarta-feira (3), torcedores cantaram “Você pode enfiar a coroação na bunda”. No ano passado, na final da Copa da Inglaterra, o hino nacional foi vaiado pela torcida do Liverpool. Porém, na morte da Rainha Elizabeth II, o minuto de silêncio foi amplamente respeitado em Anfield.
Na final da Copa da Inglaterra do ano passado, Klopp defendeu o direito dos torcedores do Liverpool vaiarem o hino. “Você tem sempre que fazer a pergunta: por que isso acontece? Eles não fariam isso sem motivo”, disse o treinador alemão. A fala do técnico foi condenada pelo então primeiro-ministro Boris Johnson.
Torcedores do Liverpool não se identificam como britânicos
Tocar o hino nacional não é algo que agradaria a torcida do Liverpool. O time é de uma cidade localizada em um lugar diferente do restante da Inglaterra e formada por uma população majoritariamente trabalhista, sindical e com muitos imigrantes. Os moradores do município, inclusive, são vistos como caipiras no país, pois têm sotaque, cultura e comida próprias. Além de tudo isso, há alguns acontecimentos que criaram um sentimento de revolta nos munícipes com relação à Família Real.
Liverpool e scouser
Frequentemente, uma bandeira com a escrita “Scouse not English” aparece em Anfield. O termo “Scouse” é um termo usado para uma pessoa da região de Liverpool. A população da cidade não se sente parte da Inglaterra por conta do tratamento de governos liderados por conservadores. Os moradores do município sentem que nunca foram vistos de verdade pelos governantes.
Esse sentimento se aflorou na década de 1980, durante o mandato da primeira-ministra Margaret Thatcher, já que ela, junto com o seu partido, era indiferente ao declínio industrial da região de Merseyside, o que gerou um grave desemprego e crescimento da pobreza na cidade. Em grande parte, o governo relutou em ajudar e chegou até a cortar serviços públicos para a população.
Liverpool mudou drasticamente a partir de 1980, porém manteve seu status esportivo e crucial, além do ressentimento de seus cidadãos em relação ao governo. Ao mesmo tempo, os efeitos da fome na Irlanda impactaram Merseyside, pois muitos irlandeses fugiram de sua terra natal para migrar para a cidade inglesa. Assim, criou-se uma grande identidade do país irlandês no município.
Desastre de Hillsbrough
O ex-parlamentar conservador Irvine Patnick foi determinante na divulgação de informações falsas sobre os torcedores do Liverpool envolvidos no desastre de Hillsbrough, que 97 pessoas morreram e 766 ficaram feridos, em 1989. Ao mesmo tempo, o então deputado Boris Johnson era editor do jornal “The Spectador” e em 2004 foi publicado um artigo de autoria de Simon Heffer que falava do “vitimismo” do povo “scouser”. Anos depois, Johnson se recusou a se desculpar pelo texto.