Contra o Barcelona, Liverpool viveu a maior noite de sua gloriosa história

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Sorrir e chorar são duas coisas opostas, mas que estiveram presentes naquele 7 de maio de 2019 no Anfield. Data em que o Liverpool, de forma heroica, conseguiu reverter uma desvantagem de três gols diante do Barcelona e garantiu vaga na final da Champions League. Mas obviamente não é fácil aplicar um 4 a 0 na equipe de Lionel Messi. E vai muito além da tática e técnica.

A maior noite da história do Liverpool

O lendário técnico do Liverpool Bill Shankly falava que, para um time ter sucesso, ele precisava reunir técnico, jogadores e torcida em uma só sintonia. Tudo em prol do bem estar coletivo, algo que Shankly defendeu com unhas e dentes durante os anos em que comandou os Reds.

Torcida, time e técnico caminhando juntos. Essa é a combinação mágica para o Liverpool, que o técnico Jürgen Klopp conseguiu captar tão bem e abraçar isso como lema da sua passagem pelos Reds. Afinal, o lema é: ‘Nós somos o Liverpool. E isto é o que importa’.

Claro que o Liverpool tinha time para passar do Barcelona, mas era preciso mais. Tática e técnica não seriam elementos suficientes para eliminar a equipe de Lionel Messi, que havia derrotado os Reds por 3 a 0 na ida com um show do argentino.

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Essência do Liverpool em campo

Durante a passagem de Shankly no Liverpool, ele não se tornou apenas uma lenda por ter vencido títulos. Seu legado vai além das quatro linhas e serve para exemplificar aquela noite do dia 7 de maio de 2019.

Se o Liverpool conseguiu a remontada do Barcelona, Shankly foi um dos grandes responsáveis por isso. Mas como que um técnico que treinou o clube entre meados dos anos 1960 e 1970 ajudou a equipe de Jürgen Klopp em 2019?

Lembra da parte do legado além das quatro linhas? Foi exatamente isso. Sabe a sensação de que o torcedor do Liverpool tem de que no Anfield dá para reverter? Shankly foi o precursor disso.

Como ele fez isso? Regendo o coração do Anfield, a The Kop. A arquibancada que carrega as raízes, alma e sentimentos de milhares que já passaram por ali. Que ecoa cânticos de apoio a qualquer um que esteja representando o Liverpool. E, claro, não deixa o clube caminhar sozinho.

O lema de que as noites europeias eram mágicas em Anfield não nasceu em 2019. Longe disso. Criou-se com Shankly e foi sendo aprimorado por Bob Paisley, Rafa Benítez e Jürgen Klopp. Técnicos que, mais uma vez, colocavam a essência do Liverpool em campo.

Para passar do Barcelona, o Liverpool, que não contava com Mohamed Salah e Roberto Firmino, precisava de coração. De alma. De colocar essa essência em campo como já havia feito várias vezes com Klopp.

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Klopp abraçou a essência do Liverpool

Assim como Shankly, Jürgen Klopp entende bem a essência de ser Liverpool. Logo na primeira temporada, já teve boas experiências, como por exemplo a remontada dos Reds diante do Borussia Dortmund, em um 4 a 3 para lá de especial.

Ao longo dos anos, Klopp foi criando laços ainda mais afetivos com a torcida e os jogadores. Mas os tão sonhados títulos não vinham. Relações um pouco abaladas por isso? Que nada, a campanha que colocou o Liverpool na final da Champions League da temporada 2017/2018 eliminou qualquer sentimento negativo.

O curioso é que o Liverpool não venceu essa final. Perdeu por 3 a 1 com falhas do goleiro Loris Karius e isso todo mundo já está cansado de saber. No entanto, no dia seguinte após a partida, um vídeo vazou com torcedores e Klopp cantando: “Nós voltaremos (à final) no próximo ano”.

Uma promessa que, para ser cumprida, era necessário reverter uma desvantagem de três gols do Barcelona, construída com um show de Lionel Messi na semana anterior ao jogo do Anfield. Difícil, mas…

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Força mental é um pilar deste Liverpool

Antes de enfrentar o Barcelona, o Liverpool tinha um compromisso contra o Newcastle pela Premier League. E esse jogo ajudou na remontada. Isso porque, mais uma vez, os Reds venceram uma partida já na reta final e deixavam todo mundo se perguntando: ‘De onde esse time tira tanta força?’

Um dia antes do jogo contra o Barcelona, o Manchester City, que estava duelando ponto a ponto – literalmente – com o Liverpool na Premier League, havia vencido o Leicester por 1 a 0 e praticamente confirmava o título inglês, já que na última rodada bastava apenas vencer o fraco Brighton para confirmar o bicampeonato – e confirmou.

Se alguém pensa que isso abalou a torcida do Liverpool de alguma forma, está enganado. As energias estavam voltadas para o Anfield, mesmo sem a presença de Mohamed Salah e Roberto Firmino. Mesmo sem jogar, o egípcio é um protagonista dessa remontada contra o Barcelona.

Energias positivas 

Faltando horas para o começo do jogo, um mar vermelho nos arredores do Anfield. Quem se importava com o 3 a 0 em desvantagem? Era a chance de mais um milagre, algo que o Liverpool é protagonista…

Cânticos antigos relembrando conquistas europeias, lembranças de ídolos – técnicos ou jogadores – e sentimentos que transcendem palavras. Nas imagens mostradas no pré-jogo da transmissão, dava para observar lágrimas, risos, abraços, beijos e muito mais. Tudo em prol de uma classificação antológica.

Lembra quando disse que Salah foi protagonista desta partida mesmo sem jogar? Ele foi. Isso porque o atacante foi ao Anfield com uma camisa que tinha escrito: ‘Nunca desista‘. Era a cereja do bolo para uma noite que seria mágica.

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O mito do Anfield estava pronto para mais uma batalha. O exército vermelho não tinha apenas 11 jogadores, mas sim um batalhão espalhado no Anfield e pelo mundo, carregando às raízes e tradições do clube. Era hora de mais uma virada na Champions League, algo que o Liverpool sabe fazer como poucos.

Anfield e a necessidade de mais um milagre

O barulho que o Anfield fazia era ensurdecedor. E o primeiro golpe no Barcelona veio aos sete minutos do primeiro tempo, quando Origi aproveitou o rebote de Ter Stegen no chute de Henderson e mandou para o gol. 1/3 do mínimo necessário estava sendo escrito.

Anfield em explosão, mas sabendo que ali era só o começo. O Barcelona, comandado por Messi, veio para cima, mas sucumbia diante da muralha intransponível chamada Alisson, que fez excelentes defesas na primeira etapa.

Para o segundo tempo, o Liverpool vem com Wijnaldum no lugar de Robertson, que saiu machucado. Logo aos nove da etapa final, o meio-campista holandês premia a substituição de Klopp e faz 2 a 0 para os Reds. 2/3 da missão mínima, mas ainda não era o suficiente.

Não deu tempo nem do Barcelona tentar se recuperar do gol de Wijnaldum que o baque veio dois minutos depois. Após cruzamento de Shaqiri pela esquerda, novamente o holandês apareceu na área para cabecear e deixar tudo igual no agregado. Explosão de milhares espalhados por todo o mundo.

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Anfield em chamas

Anfield em chamas. Jogadores com o coração em campo. Lembra quando Shankly conduzia a The Kop? Desta vez o maestro era Jürgen Klopp, que, como um bom aluno, aprendeu direitinho a lição e conduzia aqueles mais de 50 mil reds presentes no estádio.

Um Barcelona atordoado diante de uma multidão que não parava de cantar e incentivar. Diante de um Liverpool que entrava em cada dividida como se tivesse três ou quatro no mesmo lance. Philippe Coutinho, brasileiro e que já conhecia a atmosfera de Anfield, era vaiado a cada toque na bola e não conseguia incomodar.

Com a palavra “acreditar”, o Liverpool já havia tirado a vantagem do Barcelona. Com a palavra “genialidade”, os Reds viraram o jogo. Isso porque, em segundos geniais de Arnold, ele cobrou o escanteio rápido e Origi apareceu para fazer o quarto gol aos 34 da etapa final. Era a remontada sendo escrita. Graças a uma união entre torcida, time e técnico. Seguindo à risca o manual que Bill Shankly ensinou.

Um You’ll Never Walk Alone carregado de lágrimas, abraços e sorrisos

Com o 4 a 0 no placar, não havia Messi que tirasse a classificação daquele Liverpool. Ao fim do jogo, a primeira cena da transmissão é um abraço com lágrimas entre Wijnaldum e Milner, dois pilares daquele time.

Como um bom aluno de Bill Shankly, Klopp reuniu todo o seu elenco e comissão técnica para comemorar em frente a The Kop. Não que os outros setores não sejam importantes, longe disso. Mas ali é o coração do Anfield. E todo mundo sabe disso.

Abraçados e com lágrimas e sorriso no rosto, os jogadores cantavam juntamente com a torcida o You’ll Never Walk Alone que ecoava do sistema de som do Anfield. Como Shankly fazia quando o Liverpool era campeão de algo sob o seu comando.

Aquela cena sintetiza a essência do Liverpool e o manual escrito por Bill Shankly. E que Klopp adotou e segue muito bem como um bom aluno que é. O Anfield é mágico. Mas precisa de um bom regente para realizar os milagres.

Uma noite que completa um ano nesta quinta-feira. Mas que, assim como Shankly, será eterna no Anfield e na história do Liverpool. Uma noite onde os Reds se reencontraram consigo mesmo. E fizeram mais um milagre.

Após esse milagre na semifinal, o título veio diante do Tottenham em Madri para coroar este esquadrão que já está marcado na história do Liverpool como um dos maiores de todos os tempos. Indiscutivelmente.

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Lucas Holanda
Lucas Holanda

Jornalista em formação, olindense e apaixonado por futebol.