Leeds: como o clube foi de Bielsa a Sam Allardyce em 14 meses

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É difícil pensar que no futebol existam treinadores com estilos mais opostos do que Marcelo Bielsa e Sam Allardyce. Se o primeiro é conhecido pela filosofia de futebol ofensiva e propositiva, o segundo costuma priorizar um jogo mais básico e a defesa do resultado a todo custo. Por isso, fica ainda mais difícil imaginar que o Leeds United foi do argentino para o inglês num espaço de pouco mais de um ano.

A demissão de Bielsa foi anunciada pelo Leeds em 27 de fevereiro de 2022, após uma derrota de 4 a 0 sofrida para o Tottenham. Já a contratação de Allardyce foi anunciada em 3 de maio de 2023. No meio dos dois eventos, duas árduas brigas contra o rebaixamento que ajudam a entender o brusco movimento — hoje, o Leeds é o penúltimo colocado, dois pontos abaixo do primeiro time fora da zona de rebaixamento.

Mas, além dos resultados em campo, a presença (ou a falta dela) de uma figura nos bastidores do clube inglês também colaboram com a explicação. Trata-se do diretor esportivo Victor Orta, que chegou ao clube em 2017 e permaneceu até o último 2 de maio.

Orta idealizou a chegada de Bielsa em Leeds

Orta é a principal razão para Bielsa ter sido escolhido como treinador do Leeds. O diretor espanhol, que tinha passagens por Sevilla — onde fez sucesso ao lado de Monchi, utilizando um método de garimpo de jogadores que foi idealizado por Bielsa enquanto treinador do Newells Old Boys –, Zenit, Elche e Middlesbrough, declarou assim que chegou a Yorkshire, em conversa com o proprietário Andrea Radrizzani, que o treinador argentino era seu favorito para assumir o comando do clube “se dinheiro não fosse um problema”.

Isso porque, na época, o Leeds tinha acabado de ficar em 13º lugar na Championship. Mas o milionário italiano se convenceu a pagar o maior salário com folgas da segunda divisão inglesa — três milhões de libras — para contratar Bielsa. O argentino vinha de passagens frustrantes por Lille e Lazio (onde só ficou dois dias), mas trabalhos inspiradores em Olympique de Marselha, Athletic Bilbao, Chile e Argentina.

A filosofia trazida com a chegada de Bielsa, que levou em conta uma reforma no centro de treinamento do Leeds e uma revolução no estilo de jogo sem gastar rios de dinheiro, conquistaram a cidade. O acesso não veio na primeira temporada — o Leeds ficou nos playoffs após uma campanha empolgante –, mas o título veio no segundo ano, causando uma comoção enorme em todos os envolvidos com o clube. E, no primeiro ano da Premier League, um ótimo 10º lugar deu ainda mais razão ao modelo do argentino.

Mas a segunda temporada não teve o mesmo encanto. Quando Bielsa foi demitido, o clube estava em 16º lugar, com 13 derrotas em 26 jogos. No entanto, Victor Orta seguia com moral no Elland Road, e ganhou o direito de escolher o sucessor.

Jesse Marsch, outro protegido de Orta

O espanhol acumulou tanto prestígio em Yorkshire que indicou o norte-americano Jesse Marsch, numa jogada que fez pouco sentido para a imprensa britânica. Aos 48 anos, Marsch vinha de cinco meses decepcionantes no RB Leipzig, apesar de ter sido bicampeão austríaco com o RB Salzburg. Também tinha passado por Montreal Impact e New York Red Bulls. Só que estava no topo da lista de Orta, que havia passado os últimos dois anos analisando o sucessor. Era o suficiente.

Victor Orta, ex-diretor esportivo do Leeds – Foto: Twitter @LUFC

Marsch cumpriu o objetivo principal: salvou o Leeds do rebaixamento. A fuga só veio numa última rodada, com show de Raphinha e vitória sobre o Brentford por 2 a 1. O time de branco ainda só se salvou porque, em Burnley, os donos da casa perderam para o Newcastle. O Leeds terminou em 17º, uma colocação abaixo de onde Bielsa havia deixado.

Nove meses depois, o Leeds estava no mesmo lugar. Marsch iniciou a temporada atual sob confiança de Orta e Radrizzani, mas levou a equipe à mesma briga contra o rebaixamento — e, agora, sem nomes como Raphinha e Kalvin Phillips. Em janeiro, após uma derrota para o Aston Villa, o proprietário do clube teria decidido demitir o treinador, num gesto que só foi reconsiderado no momento que Victor Orta disse que, se Marsch fosse demitido, ele também sairia. “Um voto de desconfiança no americano seria um voto de desconfiança também no diretor, que não via necessidade de mudanças”, escreveu o “The Athletic” em matéria que apurou a história.

Radrizzani recuou e deu uma chance que durou mais dois jogos da Premier League. Um empate contra o Brentford e uma derrota para o Nottingham Forest ocasionaram a demissão de Marsch no início de fevereiro. Orta foi voto vencido, mas não deixou o clube. Foi o primeiro sintoma da perda de força de Orta, um diretor caracterizado pela convicção inegociável nas suas ideias.

Javi Gracia, a última chance do espanhol

Àquela altura, o responsável por trazer Bielsa — e, consequentemente, instalar o estilo de jogo do argentino em Elland Road — não tinha a mesma moral de antes. Orta foi elogiado por ter encontrado lucrativos prospectos do nível de Raphinha, Meslier e Gnonto, ao mesmo tempo em que enfrentava cobranças pelos maus negócios nas compras milionárias de Jean-Kevin Augustin (40 milhões de libras), Georginio Rutter (30 milhões de libras) e Daniel James (25 milhões de libras).

Orta ainda ganhou uma terceira chance e recomendou o espanhol Javi Gracia como sucessor, um movimento que se encaixava na sequência de trabalho com Bielsa e Marsch. O espanhol venceu três jogos (contra Southampton, Forest e Wolves), mas nove derrotas em dois meses (entre elas, 6 a 1 para o Liverpool, 5 a 1 para o Palace e 4 a 1 para o Bournemouth) também minaram a sobrevivência de Gracia no cargo.

Na segunda-feira (1 de maio), um dia após a goleada sofrida para os Cherries, Orta permanecia convicto de que Gracia seria capaz de evitar o rebaixamento nos quatro jogos restantes. Afinal, o Leeds permanecia em 17º e fora da zona de rebaixamento. Mais do que isso, acreditava no treinador como uma continuação do projeto que tinha projetado para o clube.

Mas a diretoria dos Whites, pela terceira vez em 14 meses, estava decidida pelo contrário. E ainda estavam interessados em Sam Allardyce, veterano de 68 anos com uma carreira vasta por times médios e seleção inglesa que, conhecendo a forma de trabalhar de Orta, jamais seria considerado pelo espanhol.

A mudança radical foi, de fato, o fim da linha. Na terça de manhã, Orta encerrou a marcante trajetória de seis anos no Leeds United. Na quarta, o clube anunciou a demissão de Gracia e, no mesmo dia, a chegada de Allardyce.

O fim do projeto de Victor Orta em Yorkshire, por si só, explica como o Leeds United saiu do revolucionário Marcelo Bielsa para o conservador Sam Allardyce em pouco mais de um ano.

Depois da derrota para o Manchester City na estreia, Allardyce viu sua equipe cair para a zona de rebaixamento. O Leeds é o penúltimo com 30 pontos, o 17º é o Everton com 32. Pela frente, uma das tabelas mais complicadas: Newcastle em casa, West Ham fora e Tottenham em casa. São menos de 20 dias para descobrir se a guinada nos bastidores do clube darão resultado e o salvarão, mais uma vez, da queda para a Championship.

Diogo Magri
Diogo Magri

Jornalista nascido em Campinas, morador de São Paulo e formado pela ECA-USP. Subcoordenador da PL Brasil desde 2023. Cobri Copa América, Copa do Mundo e Olimpíadas no EL PAÍS, eleições nacionais na Revista Veja e fui editor de conteúdo nas redes sociais do Futebol Globo CBN.

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