Conheça Kim Little, a pequena gigante capitã do Arsenal Women

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Seja entre homens ou mulheres, é seleto o grupo de jogadores e jogadoras que pode dizer que fez história no futebol. Ainda mais em se tratando de meio campistas, para marcar o esporte, é necessário ser craque. E um nome que encarna bem tal definição é Kim Little.

A meia do Arsenal Women e da Escócia tem a habilidade como grande marca, e fez (e ainda faz) muito sucesso por onde passou.

Conheça um pouco mais sobre a história e a carreira de Kim Little!

Começo “privilegiado” na Escócia

Nascida em Aberdeen no dia 29 de junho de 1990, Kim Little tem uma vida dedicada ao futebol desde pequena, quando jogava com o pai e o irmão na Escócia, passando por sua entrada no colegial.

Little teve um privilégio que poucas companheiras compartilharam: o de não ser a única menina em seu grupo que jogava futebol. Primeiro ela precisou sim jogar com os garotos – até os 12 anos no Mintlaw Boys Club, clube de sua escola, a Mintlaw Primary School.

Porém, a partir dos 10 anos, ela conciliou a equipe de Mintlaw com o time feminino Buchan Girls. Por lá jogou em ligas locais até os 14 anos, em 2004. No ano seguinte, se juntou ao Hibernian Girls & Ladies – time feminino do Hibernial, tradicional equipe escocesa. Para jogar, ela viajava em torno de três horas de Aberdeen para Edimburgo, cidade do clube.

“Eu sempre tive boas oportunidades de onde vim, o que me liderou a outras coisas e me ajudou a desenvolver uma carreira. Mas para a minha geração, não passava muito na cabeça das pessoas que elas poderiam ser profissionais e viver disso”, disse Little ao Evening Express em outubro de 2018.

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Little ainda lembra que, quando começou a competir no futebol, passou a ter certeza de que queria isso para a vida: “O futebol me deu oportunidades desde jovem. Ter a chance de viajar, jogar em diferentes lugares e enfrentar grandes jogadoras de toda a Europa foi fantástico e me fez mais determinada para continuar jogando”.

Daí para a frente, ela só cresceu (sem trocadilhos com o nome e o 1,62m de altura). Um ano depois de se juntar ao Hibernian, aos 16 anos de idade em 2006, estreou na equipe profissional. Não precisou de muito para se destacar: marcou um hat-trick logo em sua estreia na Scottish Women’s Premier League.

No clube de Edimburgo ficou até 2008, e conquistou um título da SWPL, um da Copa Escocesa feminina e um da Premier League Cup (uma espécie de Copa da Liga Feminina). Os números são assustadores: 88 gols em 48 jogos, chegando a marcar gols em todos os jogos da temporada 2006/07.

Sucesso no Arsenal

Em 2008, veio o novo desafio de Little, que chegou ao Arsenal. As Gunners já eram as principais forças do futebol feminino da Inglaterra, e a chegada da escocesa ajudou a manter a dominância viva.

A temporada 2008/09, primeira de Little no clube, coincidiu com a última do treinador Vic Akers. Ele foi o fundador do Arsenal Ladies e treinou a equipe desde seu início, em 1987, até 2009. E mesmo apenas um ano ao lado da meia, viu o suficiente para à época dizer, após uma vitória sobre o Chelsea: “Tomem nota desta garota, ela vai ser grande”.

Dito e feito. A adaptação foi imediata e, já em 2008/09, Little fez 24 gols. O time venceu a tríplice coroa – liga nacional, Premier League Cup e FA Women’s Cup, com ela marcando um dos gols da decisão desta última, diante do Sunderland.

Se a marca pessoal já foi muito boa, ela disparou na temporada 2009/10. Com a saída da artilheira Kelly Smith para o Boston Breakers, dos Estados Unidos, Little tomou as rédeas do protagonismo e fez 47 gols em todas as competições. Só na liga foram 17, terminando como artilheira em mais uma conquista do Arsenal.

Kim Little Arsenal Womens Super League Catherine Ivill Collection Getty Images Sport
Catherine Ivill Collection Getty Images Sport
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Foi por este desempenho que ela levou seu primeiro grande prêmio individual: Kim foi eleita a Jogadora do Ano pela FA. Já estabelecida como a grande jogadora do time, ela teve mais uma temporada vitoriosa em 2011. Naquele ano, o futebol feminino inglês passou por uma grande mudança: a Women’s National League deixou de ser a primeira divisão do país, dando lugar à Women’s Super League, que permanece até hoje.

No primeiro ano da WSL, o Arsenal conquistou o oitavo título nacional seguido, com Little como vice-artilheira do torneio com oito gols. Além disso, veio mais uma taça da FA Women’s Cup com mais um gol da escocesa na final, vencendo o Bristol Rovers por 2 a 0.

Em 2012, as Gunners levaram a nona taça consecutiva da liga – desta vez de maneira invicta. Little, mais uma vez, foi a artilheira do campeonato (11 gols) e ainda fez história. Ela conquistou o prêmio de Jogadora do Ano pela Associação de Jogadores Profissionais da Inglaterra, no primeiro ano em que a tradicional honraria foi entregue a mulheres no país.

No ano seguinte, a situação mudou. Pela primeira vez em uma década, o Arsenal não conquistou o título nacional. Depois de apenas um terceiro lugar e três gols na WSL, Little viu que a condição da equipe era outra. E após 81 gols em 93 partidas, mudou de ares.

EUA, Austrália e retorno ao Arsenal

O último ano de Kim no Arsenal foi com nova treinadora. A técnica das últimas conquistas até então, Laura Harvey, foi para o Seattle Reign, dos EUA, e as inglesas ficaram sob o comando de Shelley Kerr, com um desempenho que não foi dos melhores em 2013.

Mas Harvey, já em Seattle, foi à busca da jogadora que ela treinou e não esqueceu em Londres. A técnica correu atrás de Little e convenceu-a a ir jogar na National Women’s Soccer League (NWSL) dos EUA.

“Kim é uma jogadora de classe mundial. Seu talento e sua experiência serão muito importantes para nossa equipe nas próximas temporadas. Treinando Kim por quase quatro anos, não tenho dúvidas de que sua criatividade e habilidade de marcar gols irão se provar excitantes para a NWSL”, disse Laura Harvey à época da contratação de Kim Little.

A comandante sabia com quem poderia contar. Sob comando de Harvey e com nomes como Little, Megan Rapinoe e Hope Solo, o Seattle Reign mudou de patamar nos EUA. Em 2014 e 2015, foram dois vice-campeonatos da NWSL. E nos dois anos, Little brilhou.

Em 2014, foi eleita a MVP da NWSL e ainda terminou como artilheira (16 gols) e segunda maior assistente (sete passes para gol) do torneio. No ano seguinte foi a vice-artilheira da liga, com 10 gols, e líder de assistências, com sete. Em 2015 foi eleita a jogadora do ano pela BBC, e em ambas as temporadas marcou presença no XI ideal da NWSL.

O único asterisco foi a falta do título. Nos dois anos, o Reign ficou com o NWSL Shield, prêmio simbólico dado à melhor equipe da temporada regular. Porém, foi derrotado duas vezes consecutivas na decisão – em ambas para o FC Kansas City.

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Foi depois de 2015 que Little decidiu seguir um caminho ainda comum no futebol feminino: para preencher o calendário, foi jogar em outra liga pelo resto do ano. Por isso, quando acabou a temporada da NWSL em outubro de 2015, a escocesa cruzou o mundo para jogar no Melbourne City FC, da Austrália.

O empréstimo duraria apenas quatro meses. Mas em se tratando de Kim Little, tinha que ser marcante. O Melbourne conquistou o título da Australian W League, com Little marcando nove gols em 12 jogos. Um deles foi na decisão, vencida sobre o Sydney FC por 4 a 1, com a meia eleita a melhor em campo.

Apesar dos pedidos de permanência, ela voltou ao Seattle Reign para a temporada 2016. “Antes de eu vir, sempre foi uma coisa de uma temporada. Queria ter a experiência da Austrália, da liga e de ter uma nova oportunidade, mas para mim sempre foi algo para um ano”, disse à época.

O 2016 no Reign não foi dos melhores. Com seis gols e duas assistências, Little viu o Seattle ficar em quinto na temporada regular e não ir às semifinais. Fora dos playoffs, ela recebeu uma grande oferta do clube onde fez história na Europa. E decidiu que era hora de retornar.

ENTREVISTA COM MARIANA SPINELLI (ESPN) PARTE I

Little deixou Seattle em outubro de 2016 e voltou para o Arsenal, onde se prepararia visando a temporada 2017/18 da WSL. “Tenho muita história com o Arsenal, sou uma pessoa leal. Tive várias ofertas, mas voltei porque vi um plano, algo onde eu poderia realmente ajudar e desenvolver, fazendo esse time voltar a ser um dos melhores na Europa”, disse ao The Guardian em 2018.

Mas precisou conviver com um problema novo: as lesões começaram a aparecer. Primeiro, em maio de 2017, rompeu o ligamento cruzado em um treinamento do Arsenal. Recuperou-se, voltou e vinha jogando bem, até que em outubro de 2018, em uma dividida com Drew Spence, do Chelsea, fraturou a fíbula.

Mas isso não atrapalhou o sucesso da atleta. Na primeira temporada após o retorno, conquistou a FA Continental Cup (a Copa da Liga feminina). E em 2018/19, venceu a WSL. O Arsenal não conquistava a liga nacional desde quando ela deixou o clube lá em 2012, e Little esteve presente para retomar as glórias junto às Gunners.

E para completar, a taça teve um gostinho especial: ao voltar aos gramados com a camisa 10, Little assumiu a condição de capitã do Arsenal – posto que mantém até hoje – e levantou o troféu da WSL, conquistado fora de casa diante do Brighton. Para ficar ainda melhor, recentemente ela renovou contrato com o clube.

Arsenal Women campeã WSL Steve Bardens Collection Getty Images Sport
Steve Bardens Collection Getty Images Sport

Lenda do futebol escocês

Se Kim Little já é unanimidade nos clubes onde passou, em seu país não há a mínima discussão. Com 137 jogos (quarta a vestir por mais vezes a camisa da seleção), ela é considerada uma lenda do futebol da Escócia entre ambos os gêneros. No século XXI, nenhum(a) atleta local atingiu seus feitos em toda a carreira, unindo clubes e seleção.

A história com a camisa de seu país começa aos 17 anos, ainda em 2007, quando fez seu primeiro jogo pela Escócia. A treinadora da equipe à época, Anna Signeul, rasgou elogios logo após a aparição inicial.

“Kim é um talento excepcional. Não há limites para até onde ela pode progredir. Ela tem técnica, velocidade e força, e lê o jogo muito bem”, disse a comandante após a partida contra o Japão, em fevereiro daquele ano.

A partir daí, foram 137 jogos ao total, com 59 gols – terceira maior artilheira da seleção. Porém, por muito tempo Little teve que conviver com a frustração de não participar de grandes competições. Primeiro em 2011, quando a Escócia ficou a um ponto de se classificar para o playoff das eliminatórias europeias à Copa do Mundo.

Já para a Euro 2013, o drama foi maior: no playoff decisivo contra a Espanha, a Escócia empatou em casa na ida por 1 a 1 (com gol de Little) e chegou a estar vencendo a volta por 2 a 1 na prorrogação (também com gol de Little). Mas com dois gols sofridos no segundo tempo extra, deixou a vaga escapar para as espanholas.

Kim Little Escócia Ian MacNicol Collection Getty Images Sport
Ian MacNicol Collection Getty Images Sport
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Dois anos depois, a Copa do Mundo não contou novamente com a Escócia, que foi eliminada na semifinal da repescagem europeia. Mas em 2017 tudo mudou e as escocesas enfim conseguiram a vaga em uma grande competição: a Euro da Holanda.

Tudo parecia certo e perfeito. Mas a lesão no ligamento cruzado sofrida enquanto treinava pelo Arsenal, já citada acima, veio exatamente um mês antes do torneio. Little perdeu a chance de disputar a competição e viu seu país ser eliminado na fase de grupos.

Ela não desistiu e enfim teve sua glória em 2019. A Escócia conseguiu a classificação para a Copa do Mundo – a primeira da história do país entre as mulheres e a primeira em ambas as categorias desde os homens em 1998. Little estava lá como uma das grandes estrelas do elenco, e marcando um gol no empate por 3 a 3 contra a Argentina.

O resultado não foi satisfatório – um empate, duas derrotas e a eliminação na primeira fase. Mas como dito por Kim Little antes da Copa, esta participação no Mundial da França significava muito mais que o desempenho em campo.

“A maior coisa dessa Copa do Mundo será o que ela fará para as próximas garotas que estão vindo. Esperamos que uma nova geração seja inspirada. É uma grande honra ter essa oportunidade” – Kim Little.

Bom lembrar que ela já havia participado de uma grande competição, mas não pela Escócia. Em 2012, no Time Grã-Bretanha, ela disputou as Olimpíadas de Londres. Para Tóquio-2020 o Team GB está classificado, e ela espera ser uma das escocesas escolhidas por Phil Neville (treinador da Inglaterra, que comandará as britânicas) rumo ao Japão.

Little, uma gigante

Kim Little é, sem dúvida alguma, um dos maiores nomes da história do esporte. Pela representatividade em seu país e pelo sucesso em campo, é uma das atletas mais reconhecidas no futebol feminino.

Em entrevista ao The Times enquanto ainda era atleta, a ex-goleira Hope Solo, uma das maiores de todos os tempos, não poupou elogios: “Kim Little é a mais talentosa entre as que já joguei. Ela é ótima em tudo. Seu passe, visão de jogo e habilidade técnica são, para mim, os melhores no mundo”.

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Kim Little Arsenal Women Catherine Ivill Collection Getty Images Sport
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Como já lembrado, nomes como Vic Akers, Anna Signeul e Laura Harvey também demonstraram sua admiração. Outros nomes que se juntaram a eles na reverência pública são a companheira de seleção Rachel Corsie, e as inglesas Stephanie Houghton e Leah Williamson – a primeira jogou com ela no Arsenal, e a segunda é sua colega de clube.

Ela também tem como marca a capacidade de adaptação a estilos de jogo. Historicamente, ela sempre teve um estilo mais ofensivo, pisando na área como elemento importante do ataque e marcando muitos gols.

Mas no momento atual do Arsenal, por exemplo, com nomes ofensivos como Vivianne Miedema, Daniëlle van de Donk, Beth Mead e Jordan Nobbs, ela também em alguns momentos tem uma postura não tão aguda, e sim de maior controle no meio de campo. Representando bem a camisa 10 do clube, seu talento faz com que ela se destaque em qualquer situação.

Quando surgiu com muita expectativa na Escócia, falava-se que ela seria a “nova Wayne Rooney”. Mas Kim Little não precisou de tais comparações para escrever sua história. Apesar do nome e da altura, a pequena gigante tem uma carreira invejável para qualquer jogador ou jogadora. E ainda com 29 anos, uma coisa é certa: vem muito mais por aí.

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