Infelizmente, o deprimente fenômeno do preconceito racial sempre esteve presente no futebol e no universo esportivo, em todas as partes do mundo. Quanto ao racismo na Inglaterra, há casos bastante recentes, como as três ocorrências seguidas registradas em apenas doze dias, no mês de dezembro de 2018.
No dia 2 de dezembro do ano passado, uma casca de banana foi jogada por um torcedor do Tottenham para o atacante Aubameyang, do Arsenal.
Na semana seguinte, o alvo foi Raheem Sterling, por alguns torcedores do Chelsea.
De acordo com a instituição ‘Kick It Out’, que tem como objetivo combater a discriminação no futebol, casos de racismo, antissemitismo e outros tipos de preconceito aumentaram assustadoramente.
A pesquisa realizada em fevereiro de 2018 com 27 mil torcedores em 38 países distintos revela um aumento de 22% nas ocorrências de racismo e 10% nas de antissemitismo.
Os últimos ocorridos fizeram o dirigente da Premier League Richard Scudamore afirmar no fim de 2018 que a liga ainda não fez o suficiente para evitar o racismo na liga.
Se hoje os casos são tão repetidos e recentes, imaginamos como deveria ser esse cenário no século passado, também na Inglaterra.
A intenção desse texto é relembrar e destacar nomes importantes na luta pela figura do negro como protagonista no futebol jogado na Terra da Rainha.
Viv Anderson
Anderson chegou à seleção a partir do treinador Ron Greenwood, ex-meio-campo e operador de rádio durante a Segunda Guerra Mundial.
Ele era lateral-direito de Brian Clough no Nottingham Forest, que havia ganhado duas vezes a Liga dos Campeões.
O marco histórico ocorreu no dia 22 de novembro de 1978, em Wembley, em partida de vitória diante da antiga Tchecoslováquia. A jogada do gol do triunfo foi de autoria do então jovem lateral, que tinha como características a velocidade, a inteligência e a elasticidade.
A decisiva atuação lhe rendeu telegramas de felicitações no vestiário de dois ícones ingleses, somente da Rainha Elizabeth e do cantor Elton John.
De origem jamaicana, já que seus pais haviam nascido no país da América Central, Anderson tentava passar para a imprensa, com naturalidade, a ideia de que seu lugar era a Inglaterra, para afastar ainda mais críticas.
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Na caminhada de Viv Anderson, o comandante Clough foi de suma importância. No seu livro ‘First Among Unequals’ (O Primeiro Entre os Desiguais), Viv escreve que o treinador não deixaria ele determinar o rumo da sua vida baseado nas atitudes dos racistas.
No ano de 2000, Anderson foi nomeado Membro Real da Ordem do Império Britânico e, quatro anos depois, entrou no Hall da Fama, sendo também embaixador do seu país natal para a Copa do Mundo de 2018, que foi realizada na Rússia. O ex-lateral sempre está presente nas campanhas da Fifa contra o racismo.
Cyrille Regis
Regis, assim como Anderson, tentava passar nas suas falas e entrevistas força e resiliência, demonstrando não ser atingido por cruéis ações de torcedores e até da mídia.
A estreia de Cyrille Regis pela seleção sub-21 da Inglaterra foi marcada por um hat-trick de outro negro inglês: Garth Crooks, que mesmo com a atuação de gala foi humilhado pela própria torcida inglesa.
Regis sempre acreditou num contexto maior, tentando sempre ignorar a intolerância comum daquela época.
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Um jogo entre brancos contra negros, que hoje seria algo totalmente fora de cogitação e considerado segregacionista, foi marcante na trajetória de Regis. A partida inusitada foi realizada para homenagear o defensor Len Cantello, que vestiu por muitos anos a camisa do West Bromwich.
Cyrille Regis foi o responsável pela montagem da equipe dos negros e convidou nomes como Laurie Cunningham, Batson, Garth Cooks, Remi Moses, George Berry e Bob Hazell. A ideia abraçada pelos atletas negros é que antes minoria, eles poderiam ter um time formado apenas por eles.
Com a vitória por 3 a 2, os “All Blacks’’ cumpriram a promessa do triunfo, representaram muitos que sonhavam em também atuarem como jogadores de futebol e reafirmaram sua força, dando mais um duro golpe no preconceito.
De qualidade e força física indiscutíveis, Regis chegou a ser comparado com Jairzinho, o Furacão da Copa de 1970. Apesar disso, só atuou cinco vezes com a camisa da seleção inglesa, já que naquela época ainda se tinha a preconceituosa ideia que os negros eram apenas atletas, ou seja, intelectualmente inferiores que os jogadores brancos.
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Laurie Cunningham
Laurie Cunningham é importante pois foi o primeiro negro a atuar por uma categoria que era considerada importante, a sub-21, ainda no ano de 1977.
Cunningham foi um dos pioneiros na luta contra o racismo na Inglaterra e na Europa, já que defendeu as cores do Real Madrid, na Espanha, abrindo o caminho para novas gerações de atletas negros.
Sua história é contada de forma brilhante na sua biografia, intitulada “Different Class: The Story of Laurie Cunningham”.
O jogador tinha o desejo de ser diferente e provar que negros não eram intelectualmente inferiores. Queria falar de assuntos que somente os brancos tratavam, como cinema, dança, música e até moda.
Algo bastante expressivo em tempos nos quais a opinião de um negro não era aceita e certas vezes nem ouvida somente pelo fato do indivíduo ter a pele negra.
John Barnes
Jamaicano de nascimento, Barnes defendeu a seleção inglesa em sua carreira. Bobby Robson foi o treinador da seleção inglesa que lhe deu a oportunidade, no torneio entre as nações do Reino Unido, no ano de 1983.
Seu grande momento pela Inglaterra foi no Maracanã, em 1984, quando marcou um golaço na vitória diante do Brasil por 2 a 0.
Um fato marcante na sua carreira e na luta contra o racismo ocorreu no ano de 1988, no Merseyside Derby, quando a torcida do Everton jogou uma casca de banana em direção a Barnes e e ele chutou ela de calcanhar.
Howard Gayle
Gayle foi revelado pelo Liverpool, se tornando profissional no ano de 1977. Apesar de ter ficado durante seis temporadas nos Reds, só atuou cinco vezes pelo clube. Isso não diminui sua importância dentro do contexto histórico no qual esteve inserido.
O jogo mais importante de Gayle com a camisa vermelha do Liverpool foi na semifinal da Liga dos Campeões contra o Bayern de Munique, na Alemanha. Ele teve papel fundamental para o empate, que colocou os Reds na final da competição europeia.
No entanto, como outros negros, sofreu racismo dentro do próprio clube, episódio que descreve em sua autobiografia, que tem o nome “61 minutos em Munique”.
No seu livro, Howard Gayle demonstrou tristeza por ver seus companheiros de time sendo racistas. Gayle também revela que soube de falas e atos intolerantes por sempre estar perto dos ocorridos, sem os preconceituosos saberem que ele estava por perto.
Seu maior embate foi com o ídolo Tommy Smith, que defendeu o Liverpool em mais de 600 partidas. Gayle afirma que o defensor era um dos seus heróis. Mas logo percebeu seu caráter, já que atos e comentários do então veterano Smith o decepcionaram.