Jake Daniels, de 18 anos, é o único jogador profissional assumidamente gay do Reino Unido. Ele recebeu uma mensagem de apoio de Jordan Henderson depois que se assumiu no ano passado, mas o atacante do Blackpool disse à “BBC Newsbeat”, que a transferência do astro do Liverpool, conhecido pelo apoio à comunidade LGBTQIAPN+, para a Arábia Saudita foi um “tapa na cara”.
Daniels contou que não tem notícias de Henderson desde sua transferência para a Arábia Saudita, onde a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo é ilegal.
— Ele estava me apoiando e disse: ‘Estamos orgulhosos do que você fez.’ Vê-lo se mudar para a Arábia Saudita é como se me desse um tapa na cara. Mas acho que o dinheiro rende bem e o dinheiro deve significar mais para as pessoas — disse Daniels.
Henderson foi um dos vários jogadores da elite europeia que se transferiram para o Al-Ettifaq, da Saudi Pro League, que faz parte de um enorme investimento estatal no futebol nacional. Junto de Jordan, outra lenda do Liverpool foi para o mesmo clube: Steven Gerrard.
— Eu o conheci pessoalmente e ele disse: ‘Se você quiser entrar em contato, me mande uma mensagem’, mas ele se mudou — contou Daniels.
A “traição” de Henderson contra a causa LGBTQIAPN+
Jake Daniels não foi o primeiro a criticar a decisão de Henderson. Thomas Hitzlsperger, ex-jogador do Everton, também não escondeu a decepção com o ídolo do Liverpool. Grupos ativistas pela causa LGBTQIAPN+ também criticaram o jogador por meio de manifestos nas redes sociais.
— Posso entender a frustração e a raiva. Tudo o que posso dizer é que lamento que eles se sintam assim. Minha intenção nunca foi machucar ninguém, mas ajudar causas e comunidades quando eles pediram minha ajuda. As pessoas conhecem meus pontos de vista e valores antes de eu partir e ainda conhecem. Ter alguém assim na Arábia Saudita é apenas uma coisa positiva — explicou Henderson ao “The Athletic”.
Aos 33 anos, Henderson foi para o Al-Ettifaq em uma transferência que custou 12 milhões de libras (R$ 73,6 milhões). O salário do meia inglês na Arábia Saudita é de R$ 4 milhões por semana e ele deve receber mais de R$ 600 milhões ao longo do contrato
Blackpool forward Jake Daniels says Jordan Henderson’s move to Saudi Arabia was a “slap in the face”#BBCFootball pic.twitter.com/bx3c1rw5Ez
— BBC Sport (@BBCSport) November 22, 2023
A coragem de se assumir
Jake Daniels também falou sobre a luta com sua saúde mental seis meses antes de aceitar sua sexualidade e se assumir.
— Ter muitos amigos homens na escola fazia com que parecesse ruim ser gay e isso obviamente tornava tudo difícil, porque parecia que se eu fosse para lá, estaria perdendo todos os meus amigos. Eu estava perto do futebol 24 horas por dia, sete dias por semana, porque era a única coisa que me afastava de todo o resto — disse.
Mas Daniels disse que se assumiu enviando uma mensagem para sua mãe e irmã em um grupo de aplicativo de mensagens. O ato causou alívio e o fez “dançar pela sala”.
— Tem sido uma loucura desde que saí (do armário). Não pensei que iria explodir tanto. A recepção que tive, as pessoas que conheci, foi uma experiência louca. Sair do armário foi a melhor coisa que já fiz. Estou jogando melhor agora — continuou.
Falta de representatividade no futebol
Embora Daniels tenha conseguido uma receptividade positiva, ele disse que a decisão de se assumir foi dificultada pela falta de outros gays de destaque no futebol.
Jakub Jankto, da República Tcheca, tornou-se apenas o segundo jogador de futebol profissional assumidamente gay da primeira divisão do mundo em fevereiro, depois de Josh Cavallo, do jogador do Adelaide United, ter se assumido em outubro de 2021. Esse último inclusive contou à “BBC Sport” em março que ainda recebe ameaças de morte por se declarar gay.
— Estava indo para o desconhecido, foi isso que aconteceu. Houve momentos em que me perguntei se isso afetaria as mudanças que eu faria. Se eu for emprestado, terei medo de estar em um camarim com pessoas mais velhas que podem ter uma visão diferente sobre os gays do sexo masculino? Havia muitas coisas a considerar, mas eu estava me machucando, não estava comendo direito, não estava dormindo. Isso só piorou tudo — afirmou Daniels.
Copa do Mundo no Catar e Arábia Saudita dificultam o progresso da luta LGBTQIAPN+
Daniels espera que as experiências dele, de Cavallo e Jankto façam com que mais jogadores de futebol masculino se sintam confortáveis o suficiente para se assumirem. No entanto, s desafios contínuos enfrentados pela comunidade LGBTQIAPN+ no futebol foram realçados pela decisão de realizar a Copa do Mundo de 2022 no Catar, onde a homossexualidade é ilegal.
Para piorar, a Arábia Saudita deve sediar a Copa do Mundo de 2034 e a Saudi Pro League continua se tornando cada vez mais atraente para os jogadores.
— Estávamos começando a ver um pouco de progresso. Depois acontece a Copa do Mundo do Catar e voltamos novamente. Se eu estivesse envolvido na Copa do Mundo e fosse para lá, não me sentiria seguro, e isso colocaria meu futebol em risco — declarou Daniels.
Mas o atacante do Blackpool espera que progressos incrementais possam continuar a ser alcançados no Reino Unido, especialmente na Premier League, que permanece sem jogadores abertamente gays.
— Eu gostaria de ver outro jogador de futebol de primeira linha se declarar gay. Os jogadores da Premier League obviamente têm muito mais pressão e muito mais atenção, mas sinto que ter mais jogadores de futebol seria o começo de tudo. Teríamos um pequeno grupo que poderia impulsionar as coisas. Quero ser um modelo, mas também quero mudar o jogo tanto quanto puder — disse.
O progresso relativamente lento no futebol masculino contrasta com o do feminino. Aproximadamente 13% das jogadoras da Copa do Mundo Feminina de 2023 foram identificadas como LGBTQIAPN+, demonstrando forte representação no mais alto nível do esporte.
— No futebol masculino tudo se resume à força. Eu sinto que os jogadores, se eles se assumirem como gays, estão [preocupados em] serem vistos como fracos. Quero falar com as jogadoras de futebol sobre por que [é mais fácil se assumir] — finalizou.