Nascido em Birmingham e criado no Aston Villa, Jack Grealish chegou ao profissional do clube em 2012. Nos anos na Championship, transformou-se na grande referência da equipe. No trágico rebaixamento, em 2016, Grealish ainda tinha status de promessa, mas hoje, aos 24 anos, já é realidade. E a atual temporada tem deixado isso bastante claro.
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Adaptação à Premier League
Ao início da temporada, além de toda a desconfiança que cercava o Aston Villa, recaía sobre Grealish um fardo em especial. Tinha o histórico de 16 derrotas nas últimas 16 partidas na primeira divisão. E os revezes para Tottenham e Bournemouth transformaram sua sequência negativa (18) em recorde histórico da Premier League.
E os primeiros dois meses da temporada de fato não foram os melhores para Grealish. Eram Tyrone Mings e John McGinn que assumiam o protagonismo da equipe. Foram partidas apagadas do astro de Birmingham, não só pelas estatísticas, mas pela execução de seu estilo de jogo. Bolas cruciais perdidas na defesa, lentidão na transição e pouca presença ofensiva.
O rendimento abaixo do esperado, não só do capitão, mas de toda a equipe, levou Dean Smith a mexer no time. Tirou Grealish da posição em que fora tão eficiente na reta final da Championship 18/19. O 4-3-3 permaneceu, mas o camisa 10 passou a atuar na última linha, aberto pela esquerda, onde até então se revezavam El Ghazi e Trezeguet.
No meio-campo, atuando ao lado de John McGinn, e não à frente de dois volantes, Jack Grealish se forçava a fazer a transição ofensiva desde a linha dos zagueiros, quase como um primeiro volante. Mas ele não conseguia imprimir o mesmo ritmo para chegar como elemento surpresa ao ataque.
Quando necessário, Grealish já demonstrou que exerce bem a função de box to box, mas nesse cenário constante no atual nível de competitividade da elite inglesa, se perdia grande parte de seu potencial de criação. Atuando como ponta esquerda, a história é outra. Mais dinâmico, participativo e decisivo, além de uma presença mais marcante em campo.
Enfim, Jack Grealish
Apesar da troca de posição, Jack apenas voltou a executar o papel que desempenhara com maestria nos últimos anos. Jogadas plásticas aliadas a uma postura objetiva, a individualidade em prol do coletivo. Um estilo de jogo em que toda investida ofensiva da equipe passa pelos pés do camisa 10.
Com isso, Grealish tem apenas confirmado ser o jogador que todos que o acompanhavam já sabiam. Mas, agora, na maior liga nacional do mundo. E, para os que não o conheciam, tem sido fácil admirar um meio-campista que tanto encanta – pela classe em campo, pela facilidade com a bola nos pés, pela incrível visão de jogo.
Assim, o que que se tem visto a partir da partida contra o Burnley é exatamente o que se esperava de Jack Grealish desde o início da temporada. Um jogador com calma para armar as jogadas e agressividade para encarar os adversários.
Na atual função, não chega a ser um ponta esquerda propriamente dito, mas quase um quarto homem da linha de meio-campo. Atua mais avançado que os demais e mais próximo do gol adversário, tal qual um meia esquerda das antigas, daqueles de manual.
E o desempenho do jogador tem sido à altura da expectativa criada, mesmo em meio à má fase do Aston Villa. São cinco gols e duas assistências nos últimos dez jogos no campeonato nacional. Não à toa esteve entre os indicados a melhor jogador do mês de novembro.
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Destaque especial para as atuações na vitória por 2 a 1 sobre o Brighton no Villa Park, quando eleito o melhor em campo, anotando um gol e uma assistência, e no empate por 2 a 2 com o Manchester United, quando novamente eleito Jogador da Partida e autor de um verdadeiro golaço em Old Trafford.
Já na vitória por 2 a 0 sobre o Newcastle, Grealish foi muito elogiado por Jamie Carragher, atualmente comentarista da Sky Sports. “Quando pega na bola parece que o jogo de algum modo pausa. Os jogadores esperam para ver o que ele fará. Os defensores têm receio de enfrentá-lo, ficam esperando por um passe inteligente, uma finta de corpo”.
Ainda segundo o ídolo dos Reds, Jack Grealish é diferente de muitos dos top players, mesmo pensando nos trios de ataque do Liverpool e do Manchester City. Faltaria a alguns desses jogadores justamente o que Jack tem de especial, essa capacidade de ditar a partida.
Nesse mesmo sentido é o que disse o lateral egípcio El Mohamady, companheiro do jogador no Aston Villa. “Eu jogo com Mo Salah na seleção, mas Jack é o melhor jogador com quem já joguei. Não que ele seja melhor que o Mo, são jogadores diferentes. (…), mas, para mim, Jack pode fazer diferença a qualquer momento”.
Números de gente grande
A ótima temporada de Jack Grealish se reflete não apenas no futebol vistoso apresentado, mas também em estatísticas expressivas, no nível do que se espera de um jogador desse potencial.
Para o treinador Dean Smith, Grealish já tem mostrado resultado. No quesito em que mais necessitava de melhora, registrou uma presença ofensiva efetiva, com gols e assistências. De fato, em 16 partidas de Premier League, já são cinco gols e quatro assistências – além de dois tentos e uma assistência em duas partidas na Copa da Liga. Assim, com sete gols, esta já é a temporada em que o jogador mais balançou as redes.
Quanto a precisão nos passes, as estatísticas do capitão do Aston Villa também impressionam. Segundo o SofaScore, detém uma média de 85% de passes certos por partida, números chegam a 90% quando analisados apenas os passes no próprio campo.
Já no setor ofensivo, de acordo com o WhoScored, Jack Grealish já é o sétimo jogador da Premier League que mais criou chances claras de gol. São 44 passes chave, sendo 39 desses de curta distância, a segunda melhor marca no quesito, atrás apenas de Kevin De Bruyne, com 56.
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E recente análise da BBC com dados fornecidos pela Opta Sports, abrangendo até a 13ª rodada da Premier League, indicava Jack Grealish até então como o jogador com mais chances criadas a partir de ball-carries, isto é, corridas com a bola por no mínimo cinco metros. E, excluindo-se os defensores, era o terceiro jogador que mais executava tais corridas em progressão, atrás apenas de Matteo Guendouzi e Adama Traore.
Em outro aspecto, embora não tenha como característica forçar o contato com os adversários, notável que seja o jogador que mais sofreu faltas até aqui na Premier League, 73 (WhoScored). Aliás, Jack também foi quem mais recebeu faltas na última Championsip, 161 no total, apesar de ter ficado de fora de 15 partidas da temporada regular.
Merece estar na seleção?
Desde que trocou a Irlanda pela Inglaterra, em 2015, após passar por todas as equipes juvenis da seleção irlandesa, Jack Grealish teve oportunidades apenas na equipe sub-21 inglesa. À época de sua primeira convocação, ela era comandada pelo atual técnico da seleção principal, Gareth Southgate.
E a pressão sobre o treinador para dar uma chance ao jogador dos Villans vem desde a temporada 18/19, quando Jack liderou o clube em um improvável retorno à primeira divisão, após uma incrível sequência de dez vitórias. À época, Southgate utilizou o nível inferior da Championship como argumento para sua não-convocação.
Agora, Jack Grealish é um dos destaques da Premier League, e a expectativa para sua convocação era a maior possível, dada como inevitável, mas ficou novamente de fora da lista do treinador.
E a explicação, dessa vez, é de que, nos últimos meses, em uma nova posição, Grealish passou a competir com Marcus Rashford, Jadon Sancho, Raheem Sterling e Callum Hudson-Odoi por uma vaga no elenco.
Mesmo que se considere a justificava do técnico inglês, muito difícil encontrar argumentos para aceitá-la. Sobretudo quando analisada a temporada de Hudson-Odoi, jogador menos “pronto” e que, após se recuperar de lesão, tem apenas duas partidas como titular na Premier League 19/20 e nenhum gol marcado.
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E ainda que os nomes de Rashford, Sancho e Sterling sejam consenso, também incontestável que Grealish tem características que fogem, e muito, do perfil dos jogadores citados. Assim, evidente que ofereceria um repertório diferente à seleção inglesa. Possibilita variações de jogo, além de uma opção de maior criatividade, cuja ausência tanto se criticou nos últimos anos.
Ademais, caso a discussão ultrapasse a estrita noção da posição, em que se baseia a fraca justificativa de Southgate, difícil também argumentar que Ross Barkley, Fabian Delph e Oxlade-Chamberlain, recentemente convocados, estão à frente de Grealish na temporada. Aliás, juntos, somam apenas 16 partidas de titularidade nesta edição do Campeonato Inglês.
Tudo isso sem entrar no mérito de que Jack Grealish poderia muito bem disputar uma vaga com Mason Mount, Dele Alli e James Maddison, jogadores de um patamar a que Jack já faz jus pertencer e que, na prática, exercem função bastante semelhante à sua.