Chocolate, talvez, seja o termo mais correto a ser usado para definir a fácil e surpreendente goleada aplicada pela Inglaterra sobre a Holanda, na terceira rodada da Euro de 1996. A partida, disputada na Terra da Rainha, foi em duelo válido pelo grupo A da competição.
Um 4 a 1 sonoro, com autoridade, em grande atuação dos Three Lions, acompanhada de um péssimo desempenho da Laranja. Destaque para Teddy Sheringham, que foi o nome do jogo com dois gols e uma assistência.
Inglaterra 4×1 Holanda: Passeio inglês no quintal de casa na Euro 96
O contexto
As duas seleções empataram em suas partidas de estreia e venceram no segundo jogo. Na rodada de abertura, a Inglaterra ficou no 1 a 1 com a Suíça, enquanto a Holanda não saiu do zero diante da Escócia.
No segundo jogo, as equipes se recuperaram, vencendo seus compromissos por 2 a 0. A Holanda superou a Suíça, enquanto a Inglaterra ganhou da Escócia em jogo marcado pelo golaço de Paul Gascoigne.
Se para a seleção anfitriã do então treinador Terry Venables a vitória dava maior tranquilidade, do outro lado, a equipe de Guus Hiddink chegava para o jogo de sobrevivência no torneio continental em frangalhos.
Um suposto racha no elenco envolvendo a questão racial levou a seleção holandesa à uma crise que se refletiu em campo. Davids, por exemplo, nome importante do excelente Ajax da edição 1995/1996, foi cortado antes do duelo decisivo.
Após utilizar Davids como primeiro volante e Seedorf na armação no primeiro jogo, Hiddink não poupou a dupla de críticas após a atuação ruim. No segundo jogo, o treinador optou por deixar Davids no banco e escalou Seedorf recuado. Amarelado, Seedorf foi substituído logo aos 26 do primeiro tempo para a entrada de De Kock. Davids, por sua vez, só entrou nos minutos finais deste jogo.
A recepção não foi boa por parte dos atletas e após a partida, Davids disse a um jornalista que o técnico “deveria parar de lamber o saco dos jogadores brancos, para ver melhor o time”. A fala foi gravada e divulgada, o que não repercutiu nada bem.
O jogo
Armada no 4-4-2 com um losango no meio-campo, a Inglaterra foi para o jogo com Seaman; Gary Neville, Adams, Southgate, Pearce; Ince, McManaman, Anderton, Gascoigne; Sheringham e Shearer. O time holandês foi escalado no 3-4-3, também optando por um losango na faixa central do campo. Hiddink escalou Van der Sar; Reiziger, Blind, Bogarde; Seedorf, Winter, Witschge, Ronald De Boer; Jordi Cruyff, Hoekstra e Bergkamp.
A Holanda até tentava ficar mais com a bola no princípio da partida, mas não conseguia de jeito nenhum penetrar no sistema defensivo inglês. A ideia de escalar Bergkamp como centroavante, minou de certa forma a criação do time. Em belíssimo voleio após cobrança de escanteio, Shearer foi quem deu o primeiro susto à meta de Van der Sar, que foi salvo em cima da linha por Witschge, bem colocado rente à trave.
Para se ter ideia da falta de equilíbrio da Holanda em campo, foi exatamente de um escanteio, a seu favor, que nasceu o contra-ataque que originou o pênalti que abriu o placar para os Three Lions. Aos 23 minutos, em cobrança forte, o artilheiro Shearer converteu a penalidade sofrida por Ince, derrubado por Blind, e fez 1 a 0.
Aos 30 minutos, Sheringham teve nova ótima oportunidade para os Three Lions, outra vez em jogada de bola parada e de voleio. Esta, Van der Sar segurou firme. A Holanda mal conseguia jogar e teve chance em cruzamento de Reiziger para Bergkamp, que não cabeceou com precisão.
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Com bola rolando, a produtividade do time holandês era completamente inofensiva. Tendo seus pontas anulados, o time trocava passes previsíveis e, raramente conseguia lampejos individuais. Apenas no último minuto do primeiro tempo, em inusitada e acidental tabela com o árbitro austríaco Gerd Grabher, que Seedorf conseguiu finalização forte e perigosa da entrada da área, mas mandou para fora, por cima do gol de Seaman.
A Holanda voltou com De Kock na vaga de Witschge. Se a coisa já estava feia para a Laranja no primeiro tempo, na etapa final a situação ficou ainda pior. Sem ter nada com isso, a Inglaterra soube se aproveitar, principalmente pela tarde inspirada de Sheringham.
O camisa 10 que defendia o Tottenham àquela altura não demorou para mostrar que seria o nome do jogo. Com 51 minutos, a Inglaterra arrumou um escanteio em descida perigosa ao ataque. Na cobrança, Gascoigne colocou na cabeça de Sheringham, que venceu a disputa pelo alto para acertar o canto esquerdo de Van der Sar e fazer 2 a 0.
Nas cordas e com o ambiente mais pesado do que nunca, os holandeses não conseguiam esboçar reação. Nesta toada, a Inglaterra chegou ao terceiro gol com extrema facilidade e assim o fez apenas seis minutos depois.
McManaman acionou Gascoigne pela esquerda, que ganhou a dividida, invadiu a área na diagonal e tocou para Sheringham. O meia-atacante serviu pelo chão Shearer, que estava livre do outro lado da área. O camisa 9 não teve piedade, finalizou forte no ângulo e botou 3 a 0 no placar.
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O belo gol originado de uma perda boba de posse da Holanda no círculo central, seguido de ótima trama coletiva do time inglês era sintomático e pode ser considerado o lance ideal para retratar o que foi o jogo: uma seleção faminta pela vitória dentro de casa, enfrentando outra desconectada e sem saber o que fazer em campo para contornar o clima terrível com futebol. Um verdadeiro passeio que não acabava ali!
Neutralizada, a Holanda ostentou a máxima de não ganhar uma dividida sequer naquele dia e sofreu o quarto. Seaman cobrou tiro de meta, Anderton tocou de cabeça e a bola caiu quadrada nos pés de Shearer.
O atacante venceu o marcador com um balão para cima e dominou plenamente a bola usando o corpo já dentro da área. Shearer levantou a cabeça e acionou Anderton, que um pouco antes da meia-lua engatilhou forte chute. Van der Sar cedeu rebote e Sheringham conferiu, fazendo seu segundo no jogo e ampliando a sonora goleada para 4 a 0 aos 62 minutos.
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Hiddink mexeu no time e mandou para o jogo Kluivert e Cocu no time holandês. A mudança tardia mexeu no posicionamento de Bergkamp, permitindo a ele jogar atrás dos atacantes, com Kluivert mais avançado.
As substituições funcionaram. Aos 78 minutos, Bergkamp recebeu lançamento na meia-lua, dominou para trás e rapidamente enfiou para Kluivert que avançou pelas costas da defesa inglesa. De primeira e com a precisão que lhe era peculiar, o jovem jogador do Ajax à época bateu embaixo das pernas de Seaman, fazendo o gol de honra da Holanda no jogo.
Mais do que honra, apesar de não ter sido suficiente para evitar o triunfo inglês, o gol de Kluivert assegurou o segundo lugar do grupo para a Laranja, com dois gols a mais que a Escócia. A Holanda caiu logo nas quartas ao perder para a França, enquanto a Inglaterra ruiu na semifinal do torneio perdendo nos pênaltis para a Alemanha, que foi a grande campeã.