“Robbie Rogers inspirou milhões de pessoas ao redor do mundo. Ele recusou deixar-se levar pelo medo de amar e viver”, afirma Anderson Cooper.
Robbie Rogers? Você provavelmente não deve conhecê-lo. Outras pessoas também não chegaram a conhecê-lo… de verdade.
Mas por que diabos ele inspirou tanta gente assim?
- Esquadrões Imortais – Arsenal 2003/2004
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Robert Hampton Rogers III foi um jogador de futebol como qualquer outro. Descobriu a paixão pelo esporte desde cedo, lutou por um lugar entre os profissionais, atuou fora do país e conquistou títulos pelos clubes por onde passou.
Tudo normal até aqui.
Revelado nas categorias de base da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, Robbie Rogers logo demonstrou talento com a bola nos pés. Atraiu olhares do Heerenveen, se transferiu para o time holandês e por lá atuou entre 2006 e 2007.
Tudo normal até aqui.
Pouco tempo depois, de volta à terra natal, o jovem zagueiro trilhou um caminho de sucesso pelo Columbus Crew, da Major League Soccer. Disputou 138 partidas, marcou 17 gols e até chegou a ser convocado para a seleção norte-americana.
Tudo normal até aqui.
Por recomendação do lendário alemão Jürgen Klinsmann, à época treinador dos Estados Unidos, o defensor ganhou outra oportunidade de jogar no exterior. Foi contratado junto ao Leeds United, da segunda divisão inglesa.
Tudo normal até aqui.
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A experiência não deu muito certo. Rogers se machucou com frequência, jogou apenas quatro vezes pela equipe da Inglaterra e chegou a ser emprestado para o modesto Stevenage. No retorno ao Leeds, anunciou a aposentadoria com 25 anos.
Tudo normal até aqui.
O atleta divulgou um texto de 408 palavras em seu site oficial, despedindo-se do futebol. O esporte que o abriu portas. Que mudou a sua vida. Que fez os seus sonhos virarem realidade.
Tudo normal até aqui.
As 408 palavras escritas no blog, entretanto, fizeram história e chocaram o planeta bola. Robbie Rogers anunciava ao mundo que era gay.
Tudo normal até aqui?
Não.
Mas deveria ser.
Rogers foi um dos primeiros atletas profissionais na história do futebol a assumir sua homossexualidade. Na Inglaterra, foi o segundo. Nos Estados Unidos, foi o primeiro. E o futebol tem quantos anos de história mesmo? 155, aproximadamente.
Não acha um número muito baixo? Com certeza. E Robbie Rogers explica o porquê.
“Nos vestiários, as palavras ‘bicha’ e ‘gay’ eram derramadas aos montes. E por mais que eu tentasse me proteger das frases ‘isso é tão gay’ ou ‘não seja uma bicha’, o preconceito já cortava uma ferida que já estava aberta”, explica.
Não é raro encontrar manifestações homofóbicas no ambiente futebolístico internacional. Elas aparecem sob a forma de cantos, xingamentos ou postura intolerante, de maneira geral. E isso é apenas a ponta do iceberg.
Agora imagine-se no lugar do zagueiro.
Não, não é possível imaginar. Nem eu. Nem muita gente. Só quem já passou por situações desse tipo sabe qual é a dor de se manter recluso perante o restante da sociedade.
Como é possível assumir-se gay em um ambiente tão hostil e machista como é o futebol que conhecemos atualmente?
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“Me senti diferente com 14 ou 15 anos, quando comecei a me questionar ‘ok, eu sou bom no futebol e tenho a atenção de várias garotas, mas por que não quero isso pra mim?’ Eu quero jogar bola. Mas não existem jogadores gays. O que eu faço?”, conta.
A partir daí, Rogers começava a esconder um segredo valioso que duraria 11 anos.
“É um sentimento de isolamento. Eu não podia contar isso a ninguém no ensino médio. As garotas me chamavam pra sair e eu tinha que inventar um treino ou partida importante no dia seguinte. Definitivamente eu teria namorado mulheres lindas, inteligentes e legais. Se eu fosse hétero, claro”, brinca.
O zagueiro norte-americano admite que poderia ter saído do armário em diversas ocasiões. Mas ele era um jogador da seleção nacional. Estava representando um país inteiro. O medo só aumentava.
“Eu estava com muito medo de como meus companheiros de time reagiriam. Nunca achei que fosse possível ser jogador de futebol e gay ao mesmo tempo. Eles me tratariam da mesma forma nos vestiários ou nas viagens de ônibus? “, questionava.
Independente das atitudes tomadas ou não tomadas, Rogers já havia se aposentado. A declaração já estava feita. Todos já sabiam da verdade.
O sonho de jogar futebol havia sido interrompido. Mas só por enquanto.
Rogers não imaginava que receberia tanto apoio e carinho por parte de ex-companheiros, jogadores, técnicos, torcedores e, sobretudo, membros da comunidade LGBT+. O retorno aos gramados, portanto, chegaria como reflexo de seu período sabático.
“Eu agi como um covarde”.
O defensor ex-Leeds United assinou contrato com o Los Angeles Galaxy em maio de 2013. De lá pra cá, jogou 78 partidas e balançou as redes em duas ocasiões. Em 2016, se aposentou novamente. Mas dessa vez de verdade! As lesões o impediram de continuar.
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Hoje casado e pai de uma criança, Rogers só se arrepende de uma coisa:
“De ter passado 11 anos vivendo uma mentira. Minha época mais feliz como jogador de futebol foram os três últimos anos. Pude encontrar o meu companheiro e o nosso filho todos os finais de partida após cruzar o túnel do estádio. Sem dar satisfação a ninguém. Queria eu ter encontrado forças o suficiente para viver assim um pouco antes”, revela.
A homofobia continua inerente ao futebol. O preconceito está presente nas arquibancadas dos estádios, no grito das torcidas, em volta dos gramados e nas mais singelas conversas de bar. A homofobia continua destruindo sonhos.
Infelizmente…
Tudo normal até aqui.
Pouquíssimos jogadores de futebol se assumiram gays após a revelação de Rogers. O medo ainda perdura. Não é tão simples assim.
O corajoso jogador, entretanto, esteve disposto a lutar por sua ideologia. Seguiu o seu sonho. Alcançou os seus objetivos. E por isso tornou-se exemplo para milhões. Sejam eles esportistas, médicos, engenheiros, advogados, jornalistas ou artistas.
“Nunca achei que fosse possível ser jogador de futebol e gay ao mesmo tempo”
É possível sim, Rogers. E você provou isso!
Os trechos utilizados neste texto foram retirados do livro “Coming out to play”, de Robbie Rogers/Eric Marcus e da entrevista realizada pelo tabloide The Guardian, em 2013.
Agradecimento especial: Alexa Simon