Gary Lineker, artilheiro carismático e ídolo nacional nos anos 80

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Artilheiro letal e carismático, Gary Lineker foi um dos grandes atacantes do futebol mundial nos anos 1980 e início dos 1990. Três vezes artilheiro da liga inglesa por três clubes diferentes e autor de dez gols em duas Copas do Mundo com a Inglaterra, ele marcou época no jogo britânico.

Gary Lineker: gols, gols e mais gols

Lineker não era um atacante de drible insinuante, de humilhar marcadores. Tampouco era um atacante de choque, trombador. Seu principal trunfo era o posicionamento, a visão do gol acima da média, aliados a uma simplicidade desconcertante nas finalizações.

Simplicidade essa que a pessoa Lineker também demonstrava fora de campo. Se não chegava a ser introvertido nem expansivo, era inteligente e articulado, o que contribuía para aumentar seu carisma inigualável perante os torcedores ingleses e o público em geral.

O começo nos Foxes

Gary Winston Lineker nasceu em Leicester no dia 30 de novembro de 1960. Quando garoto, dividia seu tempo entre os estudos, os esportes (mostrava ser bom no futebol e no críquete) e a ajuda ao pai no trabalho na banca de frutas e verduras da família no mercado municipal da cidade.

Aos 17 anos, ingressou no Leicester City, seu clube de coração, profissionalizando-se no ano seguinte. Estreou em 1º de janeiro de 1979 numa vitória por 2 a 0 sobre o Oldham no velho estádio das Raposas em Filbert Street.

Nas sete temporadas em que passou no clube de East Midlands, o Leicester viveu sempre entre o acesso e o descenso: foram três temporadas na elite e quatro na segundona. E foi nesta categoria na qual ele começaria a chamar a atenção no futebol inglês.

Em sua primeira temporada como titular do ataque, 1981-82, balançou as redes 17 vezes em 39 partidas. Já na seguinte, seus 26 gols marcados em 40 jogos deram a ele o posto de artilheiro do campeonato, feito com o qual ele se acostumaria pelos anos seguintes.

Além da artilharia, seus gols também valeriam o acesso ao clube. Na mesma temporada, ele havia firmado uma dupla letal com outro goleador que se destacaria no futebol inglês pelos próximos anos: Alan Smith, mais tarde do Arsenal e da seleção.

A chegada à seleção

A dupla continuaria implacável na temporada seguinte, com Gary Lineker terminando em segundo na artilharia da liga com 22 gols, desempenho que lhe valeu sua estreia na seleção, em 26 de maio de 1984, entrando durante o empate em 1 a 1 com a Escócia no Hampden Park.

Sua carreira na seleção, porém, só deslancharia no ano seguinte, quando retornou anotando o segundo gol na vitória por 2 a 1 sobre a Irlanda em Wembley, depois de ter ficado fora dos nove jogos anteriores da seleção inglesa, então comandado por Bobby Robson.

A nova convocação, entretanto, faria justiça ao grande momento do atacante, que se sagraria o artilheiro do campeonato, ao lado de seu companheiro de seleção Kerry Dixon, do Chelsea – ainda que o Leicester tenha se salvado do rebaixamento por apenas dois pontos.

No Everton, a subida de patamar

Aquela temporada evidenciava que seu futebol já se tornara grande demais para permanecer em Filbert Street. E quem bateria em sua porta seria nada menos que o Everton, então detentor do título inglês e da Recopa europeia, e que tinha ambições ainda maiores.

Apesar de não poder provar novamente sua força em solo europeu em virtude do banimento dos clubes ingleses pela Uefa devido aos incidentes de Heysel, o Everton despontou como sério candidato à dobradinha doméstica, contando com um Gary Lineker infernal como nunca.

A pressão era grande, uma vez que sua contratação (por 800 mil libras) implicou na saída de Andy Gray, dono anterior da camisa 9 e ídolo da torcida, negociado com o Aston Villa. Mas pelo menos em gols, as expectativas foram plenamente cumpridas.

Gary Lineker anotou expressivos 30 gols em 41 jogos pela liga (38 gols em 52 jogos ao todo). Fez o da vitória sobre o Tottenham em White Hart Lane, deixou o seu no triunfo sobre o Liverpool em Anfield, anotou dois nos 6 a 1 sobre o Arsenal e garantiu um hat-trick contra o Manchester City.

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Os Toffees viveram uma disputa acirrada pelo título, primeiro com o Manchester United e mais tarde com o rival Liverpool e um surpreendente West Ham.

Não levaram a melhor – a taça ficou com os Reds – mas não por falta de esforço (e eficiência) de seu goleador.

Na penúltima rodada, ele marcou outro hat-trick na goleada de 6 a 1 sobre o Southampton.

E na última, anotou mais dois na vitória por 3 a 1 sobre o West Ham – mas, no mesmo dia, o Liverpool foi a Stamford Bridge e bateu o Chelsea por 1 a 0, levantando o caneco.

Outra chance de conquista viria na Copa da Inglaterra. Na decisão, de novo contra o Liverpool, abriu o placar em jogada individual, mas viu os Reds virarem para 3 a 1.

O goleador da Copa do México

Artilheiro da liga, Lineker foi naturalmente incluído entre os 22 convocados por Bobby Robson para a Copa do Mundo do México. Mas, apesar da ótima fase, ele não era o atacante mais badalado daquela seleção inglesa antes do início da competição.

Mark Hateley, com quem formava dupla de ataque, era tido como a referência ofensiva inglesa. Alto, de estilo trombador, tinha vivido um salto improvável na carreira ao trocar o Portsmouth, na segunda divisão, pelo Milan, em plena Era de Ouro do futebol italiano.

Na seleção, Lineker tinha números modestos. Havia marcado seis gols em seus 13 jogos pela seleção até ali, mas três desses seis vieram em um único jogo, contra a fraca Turquia em Wembley, pelas Eliminatórias. E dois deles contra os Estados Unidos num amistoso.

Com Gary Lineker e Hateley, a Inglaterra estreou sendo surpreendida por Portugal (derrota por 1 a 0) e em seguida parou num 0 a 0 com Marrocos. Com Ray Wilkins expulso e Bryan Robson com o ombro deslocado, Bobby Robson decidiu fazer mudanças profundas no time.

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Os dois maus resultados de saída deixavam a Inglaterra diante da ameaça real de uma queda vergonhosa ainda na fase de grupos, sem conseguir avançar sequer na repescagem.

Hateley foi barrado, dando lugar ao leve e habilidoso Peter Beardsley. Foi quando Gary Lineker deslanchou.

O último jogo era contra a Polônia, líder do grupo. Para os ingleses, era vencer ou voltar para casa. E o atacante do Everton foi sua tábua de salvação, marcando todos os gols na vitória categórica por 3 a 0 em pouco mais de meia hora de jogo.

Nas oitavas de final, contra o Paraguai, Lineker voltou a ser fundamental marcando duas vezes em outra vitória por 3 a 0.

Nas quartas, viria a derrota para a Argentina com os dois gols de Maradona que entraram para a história das Copas, mas Gary Lineker também deixou o dele.

O gol de honra valeu ao atacante a artilharia isolada da Copa. E também mostrou ao mundo o que os torcedores ingleses já sabiam: o camisa 9 do Everton estava, sem favor algum, entre os melhores centroavantes do futebol internacional.

De Merseyside à Catalunha

Também sabendo disso, os Toffees tentaram segurá-lo, mas não houve jeito. Depois de já ter sido sondado no início de maio, Lineker foi negociado com o Barcelona em 1º de julho, logo após a Copa, por 2,75 milhões de libras, cifra fabulosa para o futebol britânico da época.

O clube catalão era então dirigido por um inglês, Terry Venables, e contava com dois outros atacantes britânicos no elenco: o escocês Steve Archibald, ex-Tottenham, que chegara em 1984, e o galês Mark Hughes, outro recém-contratado, vindo do Manchester United.

Archibald seria praticamente encostado no elenco, devido ao limite de estrangeiros. Hughes não se firmaria, saindo emprestado ao Bayern de Munique. Já Gary Lineker se tornaria peça importante na equipe: seus 20 gols lhe deram a artilharia da equipe em sua primeira temporada.

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Entre esses 20, estava um hat-trick contra o Real Madrid na vitória azulgrana por 3 a 2 no Camp Nou, em janeiro de 1987. No mês seguinte, ele brilharia no Santiago Bernabéu, mas pela seleção inglesa. Anotou os quatro gols na vitória por 4 a 2 sobre a Espanha em amistoso.

Lineker ainda conquistaria uma Copa do Rei em 1988 e a Recopa Europeia no ano seguinte, mas não viveria relação das mais felizes com o novo técnico da equipe, Johan Cruyff, em especial pelo fato de o holandês escalá-lo na ponta-direita, fora de sua posição.

Nos Spurs, a parceria entre Gary Lineker e Paul Gascoigne

Insatisfeito, decidiu voltar ao futebol inglês. Foi especulado no Manchester United, mas acabou assinando com o Tottenham por 1,1 milhão de libras em julho de 1989. Em sua primeira temporada, sagrou-se artilheiro da liga, com 24 gols, e os Spurs terminaram em terceiro.

Em White Hart Lane, o atacante iniciaria parceria com o jovem Paul Gascoigne, que se repetiria na seleção para a Copa do Mundo que viria a seguir. Seria a chance de o artilheiro se redimir de uma fraca Eurocopa de 1988, quando sofreu de hepatite e não fez gols.

Como no México, os ingleses tiveram um início de Copa complicado em gramados italianos. Contra a Irlanda, na estreia, Lineker abriu o placar logo aos oito minutos, mas Kevin Sheedy empatou para os irlandeses.

Um empate sem gols com a Holanda e uma vitória magra por 1 a 0 contra o Egito serviram para fazer a Inglaterra avançar em primeiro lugar no Grupo F. E um dramático triunfo sobre a Bélgica, com gol de David Platt no último lance da prorrogação, colocou o time nas quartas.

Veio então o duelo contra Camarões, o time sensação do torneio. Mas foi o bem armado time inglês que abriu o placar com David Platt no primeiro tempo. Os africanos, porém, viraram o jogo marcando duas vezes em quatro minutos na segunda etapa.

Até que aos 38, Gary Lineker foi derrubado na área e converteu o pênalti marcado para levar o jogo para a prorrogação. E no último minuto do primeiro tempo extra, o atacante foi lançado por Gascoigne e derrubado pelo goleiro N’Kono ao entrar na área. Outro pênalti.

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Lineker bateu com frieza e colocou a Inglaterra na frente. O gol valeu a primeira passagem da seleção a uma semifinal de Copa do Mundo desde 1966. Do outro lado, estaria outra seleção que fazia excelente Mundial, a Alemanha Ocidental.

Os germânicos saíram na frente numa cobrança de falta de Brehme que desviou em Paul Parker e encobriu Shilton. Mas Lineker viria ao resgate, empatando aos 35 do segundo tempo após lançamento do mesmo Parker e um cochilo da defesa adversária.

A prorrogação terminou em branco, e a decisão foi para os pênaltis. O atacante foi o primeiro a bater e converteu. Mas Stuart Pearce e Chris Waddle desperdiçaram as suas, e os alemães, sem erros, avançaram à final para serem campeões mundiais.

Lineker varreu a decepção levantando na temporada seguinte sua única taça em seus três anos nos Spurs: a da Copa da Inglaterra. Sua maior atuação veio nas semifinais, marcando duas vezes nos 3 a 1 do Tottenham sobre o rival Arsenal em Wembley, num derby que entrou para a história.

Na final, Lineker perdeu um pênalti e viu um gol legal seu ser anulado. Mas mesmo assim os Spurs bateram o Nottingham Forest de Brian Clough por 2 a 1 de virada na prorrogação e ficaram com a taça pela oitava e última vez em sua história.

Na temporada 1991-92, embora o Tottenham fizesse campanhas modestas em todos os torneios, Gary Lineker marcou expressivos 28 gols em 35 jogos na liga (35 em 50 partidas somando todas as competições) e embarcou para disputar a Eurocopa com a seleção inglesa.

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Um ano antes, ele havia marcado o gol dramático da classificação no 1 a 1 com a Polônia em Poznan. E em abril de 1992, anotou um contra o time da Comunidade dos Estados Independentes (ex-URSS) chegando a 48 pela seleção, ficando a um do recorde de Bobby Charlton.

A marca poderia ser igualada no amistoso com o Brasil em Wembley em maio. Lineker já havia enfrentado a seleção brasileira duas vezes e marcado em ambas (na última, antes da Copa de 1990, fizera o gol da vitória por 1 a 0). Então teve pela frente um pênalti, e perdeu.

Na Suécia, Gary Lineker e a seleção inglesa passaram em branco nos dois primeiros jogos da Eurocopa, em empates sem gols contra Dinamarca e França. Num grupo embolado, a classificação às semifinais seria decidida na última rodada contra os anfitriões.

Logo aos três minutos, Lineker cruzaria para David Platt abrir o placar. Mas os suecos reagiriam e empatariam no começo do segundo tempo. Foi quando o técnico Graham Taylor decidiu sacar o atacante do time, aos 19 minutos da etapa final, entrando Alan Smith em seu lugar.

Os suecos cresceram no jogo e acabaram virando o placar com Thomas Brolin, a oito minutos do fim, eliminando os ingleses. Lineker, que deixara o gramado sem nem olhar para o técnico, faria ali sua 80ª e última partida com a seleção, sem poder igualar o recorde de gols de Charlton.

Fim de ciclo, rumo ao Japão

O verão de 1992 seria de mudanças profundas. Além de se retirar da seleção, Lineker deixaria também o futebol inglês – que também passava por reformulação com a criação da Premier League – ao se transferir para o Japão, assinando com o Nagoya Grampus Eight.

A transferência, acordada em novembro do ano anterior, também tinha motivação extracampo: seu filho mais velho, George, sofria de um tipo raro de leucemia, e a ida ao Japão representava a chance de poder contar com tratamentos mais avançados para a doença.

Lineker teve sua passagem de dois anos pelo futebol japonês prejudicada por lesões, fazendo ao todo 24 jogos e oito gols pelo Nagoya Grampus Eight. Em setembro de 1994, penduraria as chuteiras e voltaria à Inglaterra, encerrando uma carreira premiada.

O atacante foi escolhido o jogador do ano na Inglaterra pela imprensa e pelos jogadores em 1986 e novamente pela crônica esportiva em 1992. Foi segundo colocado na Bola de Ouro, da revista “France Football” em 1986. E terceiro no prêmio de Melhor do Mundo da Fifa em 1991.

Em seu retorno ao país, Gary Lineker se tornou uma personalidade midiática. Estrelou comerciais para a batata frita Walkers (o primeiro deles, o da “volta para casa” em 1995, é memorável) e iniciou carreira de apresentador e comentarista em programas esportivos, nos quais atua até hoje.

Emmanuel do Valle
Emmanuel do Valle

Jornalista de Niterói, formado pela Universidade Federal Fluminense e com passagens por Agência EFE, Jornal dos Sports, Lance! e TV Globo. Atualmente, também colaboro com o site Trivela, além de outros projetos. Pesquisador voraz da história do futebol nacional e internacional.