Gostaria de escrever uma carta para Gareth Southgate

8 minutos de leitura

Início dos anos 90, e Gareth Southgate é um jovem meio campista lutando por seu espaço no Crystal Palace.

Um amigo meu, torcedor do Palace, vai para um jogo — se não me engano fora, contra o QPR –, quando antes da partida a torcida visitante canta os nomes de todos os jogadores — com a exceção de Southgate.

O meu amigo fica tocado, sente pena. Escreve uma carta para o Southgate, pedindo desculpas e explicando que, lá no fundo, a torcida estava valorizando os seus esforços. E o Southgate escreve de volta. Manda uma carta (sim, jovens — naquela época se comunicava assim) comentando que sim, tinha percebido que ninguém cantava o nome dele e agradecendo o apoio.

Neste momento, sou eu que tenho vontade de escrever uma carta para Southgate.

O mundo pode ser cruel, a sua crueldade mais evidente ainda nesses tempos de mídias sociais. Acabei de ver uma mensagem rotulando o Southgate de amarelão, um perdedor de finais.

Sim, tem coisas que podemos criticar do desempenho do técnico — ao meu modo de ver, mais contra a Itália no final de 2021, pois o adversário foi inferior, que claramente não foi o caso contra a Espanha.  Mas vale a pena lembrar onde se situava a seleção inglesa quando foi assumida por Southgate oito anos atrás.

Passou anos jogando mal e não chegando nem perto de disputar títulos — às vezes com jogadores até melhores que os da safra atual.  O ex-zagueiro Rio Ferdinand, por exemplo, acha que poucos do time de hoje teriam condições de entrar no time da época dele — e cita isso como prova da qualidade do trabalho de Southgate.

Criticar é normal em um momento assim. E realmente tem coisas para criticar. Desde o amistoso contra a Islândia ficou evidente que a seleção inglesa não iria ganhar a Eurocopa jogando um futebol expansivo. Ia ser com lampejos.

E nesse cenário, defendendo mais perto do gol, Harry Kane não rendeu o suficiente. Um centroavante de mais mobilidade, capaz de ganhar as costas da defesa rival já se tornou uma necessidade gritante. Houve um excesso de lealdade ao capitão.

Mas tem muito para parabenizar, também

Ferdinand e os jogadores da sua turma normalmente dão a mesma explicação quando perguntam porque a sua seleção não conseguiu corresponder às expectativas. Não tinha time, grupo, união. A rivalidade dos clubes extrapolou. Havia um grupinho do Manchester United, um grupinho do Liverpool, um grupinho do Chelsea, um grupinho do Arsenal, e ninguém com liderança para superar isso.

Com Southgate, isso deixou de ser um problema. Neste sentido, como líder e gerenciador do grupo, o trabalho de Southgate tem sido muito bom — o que não é tão simples quanto possa parecer.

A seleção, claro, é um símbolo da nação. E Southgate assumiu no momento pós-Brexit, quando as forças do nacionalismo estavam liberadas — com perigo de extrapolar e virar racismo mesmo.

Southgate lidou bem com uma situação complexa. Foi capaz de unir um patriotismo tradicional com uma visão moderna de uma sociedade mais inclusiva. E num elenco com vários jogadores negros, isso foi muito importante.

Qualquer técnico tem três tarefas principais: escalar o time, definir a estratégia e estabelecer o tom emocional para o trabalho. Neste último quesito o trabalho de Southgate foi bom. O total não foi bom suficiente para ganhar o torneio, mas no outro lado do campo, havia uma das melhores e mais convincentes campeãs dos últimos anos.

A Espanha venceu as finalistas da última Eurocopa, as duas melhores seleções europeias da última Copa do Mundo e o país sede. Teria sido uma injustiça a Espanha não levar o troféu.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.