A pequena Gabriela Nunes da Silva pediu ao pai para ser jogadora de futebol e, embora a família não levasse tão a sério no início, deu todo apoio ao desejo. A criança, então, começou a carreira no Centro Olímpico de São Paulo aos 14 anos. Depois, passou por Osasco Audax e conquistou ainda mais projeção. O destaque no time paulista lhe rendeu um lugar no elenco do Corinthians, onde ficou de 2016 a 2021.
A experiência seguinte foi a primeira em solo internacional. A jogadora desembarcou na Espanha para defender o Madrid CFF e, posteriormente, o Levante. Agora, a adulta Gabi Nunes, de 27 anos, destacou o “orgulho” da trajetória ao assumir um novo desafio na carreira e se transferir ao futebol feminino inglês para atuar no Aston Villa. O sentimento vai além do brio da história percorrida. Trata-se de valorizar a pequena Gabriela que “profetizou” e nunca desistiu do sonho.
— A partir do momento que eu comecei a jogar, falava para meu pai: ‘Vou fazer história na Seleção’, ‘vou jogar em um grande time’. Desde pequena, eu já profetizava essas palavras. Estar agora jogando na melhor liga do mundo e na Seleção representando tantas jovens é um sentimento de orgulho e de realização — disse Gabi Nunes em entrevista exclusiva à PL Brasil.
A atacante chegou ao Aston Villa em setembro de 2024 em uma transação de 300 mil euros, cerca de R$ 1,8 milhão na ocasião. O valor sentimental supera o monetário, neste caso. A negociação colocou a brasileira empatada com Geyse (Manchester United) e Sam Kerr (Chelsea) como a 11ª maior transferência do futebol feminino.
Assim, a “pequena Gabriela” se sentiu orgulhosa novamente. “Ter ficado entre as maiores negociações do futebol feminino é uma alegria. Isso valoriza muito meu trabalho, valoriza tudo o que fiz desde pequena”, destacou.
O vínculo é de duas temporadas e foi firmado poucos meses depois de Gabi conquistar a medalha de prata com a seleção brasileira nas Olimpíadas de Paris 2024. A atacante, inclusive, marcou o primeiro gol da equipe comandada por Arthur Elias no torneio.
No jogo de estreia contra a Nigéria, Marta encontrou belo passe e serviu a camisa 16 na entrada da área aos 36 minutos. A jogadora dominou com categoria, chutou e acertou o ângulo da meta defendida por Nnadozie para fazer o 1 a 0 e sacramentar o placar do duelo.
✨ ILUMINADA! O primeiro gol do Brasil nas Olimpíadas de Paris 2024 é seu, Gabi Nunes! Comemora, craque! 🇧🇷
🇧🇷 1×0 🇳🇬 | #SeleçãoFeminina #BRAxNIG
📸 Rafael Ribeiro / CBF pic.twitter.com/Trbkn868T6
— Seleção Feminina de Futebol (@SelecaoFeminina) July 25, 2024
Gabi citou “ser um milagre” na entrevista pós-jogo concedida à “Rede Globo”, porque havia enfrentado três lesões no ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho nas temporadas anteriores. À PL Brasil, a jogadora relembrou que o período foi repleto de dúvidas sobre o futuro e o gol nas Olimpíadas, assim como a medalha, fez tudo valer a pena.
Além do mais, o golaço como cartão de visitas colaborou para que Gabriela realizasse outro sonho.
— Quando eu recebi a proposta (do Aston Villa), fiquei bem feliz. Sempre quis jogar na liga inglesa. Para mim, é a liga mais forte do mundo, então, queria participar e ver de perto como é, ter esse primeiro contato — afirmou ela.
A brasileira pontuou que ver o quanto o futebol feminino é valorizado na Inglaterra contribuiu para que ela se animasse ainda mais a fazer a mudança. A popularidade do esporte no país aumentou significativamente nos últimos anos.
Em 2011, foi criada a Women’s Super League (WSL), primeira divisão inglesa da modalidade. Um ano depois, nos Jogos Olímpicos de Londres, mais de 70 mil pessoas acompanharam o duelo entre a Grã-Bretanha e o Brasil naquela que foi a primeira partida entre mulheres no Estádio de Wembley.
As Olimpíadas colaboraram com o aumento do patamar do futebol feminino no Reino Unido e com o surgimento de patrocínios e investimentos na WSL em seguida. A liga se tornou completamente profissional em 2018 e, desde então, se consolidou como uma das mais fortes do mundo. Atualmente, 162 das 279 atletas da competição são de países de fora do território britânico, segundo dados da entidade.
— O tanto que eles valorizam o futebol feminino também, a estrutura que os times têm… É incrível como eles cuidam do futebol aqui. Eles investem mesmo. Fiquei bem feliz de ter dado esse passo. Sou uma jogadora que não gosta de ficar na zona de conforto, gosto de desafios, e aqui é um grande desafio — comentou Gabi.
A vida de Gabi Nunes na Inglaterra
Desafio é, por sinal, a melhor forma que Gabi encontrou de definir a transferência para Birmingham. Afinal, é preciso se adaptar a uma nova cultura e novos estilos de jogo. A atleta destacou como a intensidade é diferente. “Na Espanha, já era rápido, aqui na Inglaterra, então, misericórdia”, disse ela, aos risos.
Além disso, Gabi tem desempenhado novas funções em campo sob o comando técnico do holandês Robert de Pauw. Em todos os jogos que fez até agora, a brasileira, acostumada a ser centroavante, atuou mais recuada ou como ponta, de forma a jogar mais fora da área.
— Para mim, como atleta, é muito bom (mudar de posição), porque eu evoluo como jogadora. Eles me rodam em outra posição porque veem qualidade em mim. É desafiador, mas, como gosto de aprender, está sendo incrível — ressaltou ela.
A estreia ocorreu no segundo tempo da vitória de 2 a 0 do Aston Villa sobre o Crystal Palace, na Copa da Liga feminina no começo de outubro e, depois, na WSL, foi titular no empate em 0 a 0 com o Leicester. O primeiro gol no futebol inglês saiu diante do Manchester City em pleno Joie Stadium. Porém, o Villa levou a virada na ocasião e foi derrotado por 2 a 1.
A adaptação também fica mais fácil com o auxílio das companheiras. A atacante afirmou ter sido bem recebida por todas as jogadoras e destacou a convivência com a lateral-esquerda espanhola Paula Tomás, de 23 anos, que é ex-Levante e se transferiu para o Aston Villa nesta temporada, e com a francesa Kenza Dali, meio-campista do clube inglês que é fã do futebol brasileiro.
— Ela (Dali) ama muito o futebol brasileiro, ama a Marta, já jogou com a Cristiane e com a Érika. Ela fala que é apaixonada pelo jeito que a gente joga, então, foi conexão rápida — disse.
A meta é ‘fazer história’ no Aston Villa
Gabi, Paula Tomás, Kenza Dali e companhia têm na lista de objetivos a meta de ajudar o Aston Villa a se classificar para uma edição da Champions League feminina pela primeira vez. O regulamento da WSL determina que o primeiro colocado na tabela garante vaga na fase de grupos do torneio continental, enquanto os times que ficarem no segundo e no terceiro lugar devem enfrentar um playoff.
O Villa conseguiu o acesso da Championship feminina para a primeira divisão inglesa na temporada 2020/21, e a melhor campanha foi em 2022/23, quando ficou em quinto lugar na classificação. Na edição passada, a equipe terminou o torneio na sétima posição e, para o ciclo atual, a direção promoveu mudanças no comando técnico e investiu em mais contratações.
Além de Gabi e Paula Tomás, as meio-campistas Missy Bo Kearns e Jill Baijings e a atacante Chasity Grant foram algumas das recém-chegadas ao clube.
— Devemos dar nosso melhor para poder nos entrosar o mais rápido possível e entender o mais rápido possível o que a comissão técnica quer passar. Até porque, não vou a um time só para estar ali, é sempre para tentar fazer história. Queremos levar o Aston Villa a uma classificação de Champions, por isso, tenho que trabalhar bastante, focar bastante, e me adaptar o mais rápido possível, para ajudá-las da melhor forma possível –, enfatizou a brasileira.
Isso não significa que o caminho até a classificação ao torneio europeu não proporcione outras experiências importantes tanto para a Gabi quanto para a Gabriela. A atleta espera desfrutar da jornada e colecionar boas memórias e reencontros, como com a colombiana Mayra Ramírez, ex-companheira dos tempos de Levante, que foi contratada pelo Chelsea em janeiro deste ano.
Há, ainda, a expectativa por ver de perto atletas admiradas. “Eu gosto muito da Lauren James (Chelsea), uma jogadora com um jeito diferente, meio brasileira — como a gente fala –, muito boa jogadora. Vai ser legal poder vê-las e jogar contra, que é sempre uma experiência boa”, comentou.