A bomba na TV inglesa que faz refletir como assistimos futebol no Brasil

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A grande notícia da Premier League essa semana não vem do campo, mas do estúdio da televisão. Foi anunciado que, depois dessa temporada, Gary Lineker vai deixar de apresentar o programa “Match of The Day”.

O artilheiro da Copa de 1986, Lineker vem apresentando “Match of The Day” durante 25 anos — que nem chega a ser metade da vida deste programa. Começou em 1964. Desde então, durante 60 anos, o MOTD ocupa uma hora da vida da nação no sábado à noite, resumindo a ação do dia.

Durante as primeiras duas décadas, quase não houve futebol ao vivo na televisão.

A gente assistiu, então, o “Match of The Day” na BBC no sábado, e no domingo à tarde passava ‘The Big Match’ na TV comercial, a ITV. Cada um dos programas, mostrava compactos de uns três jogos, junto com um pouco de análise. Hoje em dia, claro, passam muitos jogos na televisão. Mas isso nem um pouco diminui a importância do “Match of The Day” — por dois motivos.

Primeiro, quase todos os jogos passam nos canais pagos. Mas o “Match of The Day” é na TV aberta, com uma audiência enorme. E segundo, te oferece a possibilidade de ficar atualizado com o campeonato em uma hora só, sem ter que dedicar a vida inteira assistindo jogos.

Ainda se trata de um programa muito importante, daí o furdunço todo sobre a saída (um pouco polêmica, para falar a verdade) de Gary Lineker.

Dá para afirmar com grande ênfase que o “Match of The Day” trata-se de uma instituição nacional.

O fim do reinado do Lineker é uma bomba na Inglaterra — que não vai explodir nem um pouco no Brasil, até com as pessoas que adoram a Premier League.

Gary Lineker, Alan Shearer e Jermaine Jenas participam do programa antigo do Match Of The Day
Gary Lineker, Alan Shearer e Jermaine Jenas participam do programa antigo do Match Of The Day. Foto: Reprodução

O futebol é um esporte global que se consome de uma maneira local. Os grandes jogos, os eventos enormes — todo mundo vê as mesmas imagens. Mas com uma trilha sonora bem diferente. Têm abordagens distintas no jeito que fala sobre o jogo — e a maneira que se fala durante o jogo.

É comum, por exemplo, ouvir de um brasileiro que não gosta nem um pouco o estilo de narrar o jogo na Inglaterra, que acha frio demais, lento demais sem emoção.

Neste debate, tenho que confessar que sou um deles. Curto um estilo mais cadenciado, por vários motivos. Primeiro porque a televisão funciona com imagens. Não precisa falar o tempo todo. Tem horas quando a imagem fala por si, e outras quando se pode guardar um silêncio — para, na gíria de narradores ingleses, deixar a coisa respirar.

Também, nem todos os momentos do jogo são — ou deveriam ser — emocionantes. Tem horas para a conversa suave, guardando as pirotecnias vocais para os lances de perigo. Muitas vezes no Brasil tenho a sensação que o pessoal está gritando comigo o tempo todo.

Com um excesso de vozes. Precisa de dois analistas? Cada um se sente na obrigação de fazer um discurso, falando rápido demais, em cima das imagens. E tem analista de arbitragem também! Fica cansativo. Menos, por favor!

Reconheço que sou minoria nessa opinião — e que é totalmente certo que esteja assim. O público alvo das transmissões brasileiras não sou eu. Tem que fazer para o gosto local — e que bom que esse gosto é diferente do meu. Porque uma das coisas mais encantadoras do futebol é que se trata de uma língua universal que se fala com sotaques diferentes.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.