Futebol inglês dá exemplo com torcidas LGBT e campanhas de conscientização contra homofobia

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Não é raro encontrar manifestações homofóbicas no ambiente futebolístico brasileiro. Elas aparecem sob a forma de cantos, xingamentos ou postura intolerante, de maneira geral. Nos estádios do Reino Unido, infelizmente, a situação não é muito diferente, e alguns números escancaram a homofobia na região, mesmo com a presença de torcidas LGBT.

A pesquisa “Out on fields”, realizada em 2016, constatou que 77% dos participantes presenciou ou experienciou homofobia no esporte no Reino Unido.

No mesmo ano, uma pesquisa da BBC Radio 5 Live apontou que 8% dos entrevistados chegaria ao ponto de deixar de assistir aos jogos caso o clube assinasse com um jogador abertamente homossexual.

Torcidas LGBT

Se o Brasil teve sua primeira torcida gay criada em 1977 – a Coligay, do Grêmio -, mas hoje não conta com nenhuma organizada LGBT, o futebol inglês deu o pontapé inicial muitos anos depois, em 2013, com a Gay Gooners, do Arsenal, porém fez o que os brasileiros não conseguiram: expandiu e consolidou as torcidas voltadas para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.

Já são 27 torcidas reconhecidas oficialmente pelos clubes da primeira, segunda e terceira divisões do Campeonato Inglês, além de uma equipe do Campeonato Escocês.

Com mais de 500 membros, os vanguardistas da Gay Gooners não ficaram apenas no pioneirismo, e alcançaram a marca de maior torcida LGBT do mundo. Reconhecido pelo Arsenal, o grupo conta, inclusive, com um banner permanente no Emirates Stadium.

Em entrevista ao PL Brasil, o presidente da Gay Gooners (uma das torcidas LGBT da Inglaterra), Dave Raval, contou que a torcida foi bem-recebida e recebeu todo o suporte do clube.

Mas destacou que nem sempre foi fácil lidar com outros torcedores na Internet, apesar de nunca ter presenciado nenhum episódio de hostilidade na casa dos Gunners.

“Estivemos na Parada do Orgulho LGBT de 2013, e o Arsenal tuitou algo como: “Boa sorte para os Gay Gooners na Parada do Orgulho Gay amanhã”. Eles receberam muitos tuítes hostis, isso precisa ser dito”, – disse Raval.

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A presença da Gay Gooners nos estádios foi um marco na busca pela mudança no futebol britânico. Além de ter dado o pontapé inicial para as torcidas LGBT, Raval revelou que muitos torcedores com dúvidas quanto à orientação sexual, receosos de algum tipo de retaliação – incluindo até mesmo preocupação com a integridade física -, procuraram o grupo para pedir orientações.

“Com certeza iniciativas como a nossa ajudam os torcedores (LGBT) a se aceitarem mais facilmente. Algumas pessoas vêm até nós quando não têm certeza da sexualidade, mas porque eles amam futebol e querem estar em um lugar seguro onde são aceitos”.

De fato, a segurança é algo que preocupa, e muitos, os torcedores LGBT. A pesquisa “Out on fields” apontou que 85% dos entrevistados acreditam que uma pessoa abertamente homossexual não estaria segura como espectadora em um evento de esporte no Reino Unido. 60% dos gays, 54% das lésbicas e 24% de homens hétero já foram alvo da homofobia no esporte.

Linguagem como disseminação do ódio

E quando o assunto é hostilização de LGBTs, a linguagem tem um papel-chave na disseminação do ódio: dos que já sofreram atos homofóbicos, 81% dos gays e 80% das lésbicas ouviram insultos como “faggot” e “dyke”, “bicha” e “sapatão”, respectivamente, em livre tradução.

Por mais despretensioso que um xingamento homofóbico possa parecer, ele afeta profundamente a vida de um LGBT. A pesquisa Sport Wales, com dados de 2012, revelou que 40% dos gays, lésbicas e bissexuais foram desencorajados a participar do esporte por conta de sua orientação sexual, e 60% estariam mais propensos a participar se o esporte fosse um ambiente mais receptivo.

A homofobia no palavreado afeta não somente os LGBTs na arquibancada, mas aqueles que estão em campo, escondendo a sexualidade “no armário”. O americano Adam McCabe, que atuou no Bradford, disse ao “Sky Sports” que o uso frequente de palavrões homofóbicos pelos companheiros de equipe fez com que tivesse ainda mais vontade de esconder a sexualidade.

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“Quando as pessoas usam palavras como “bicha” ou “viado”, é geralmente em uma decisão em fração de segundos. Eles não estão realmente pensando no que dizem. Mas quando você é um atleta “dentro do armário”, sentado ali, ouvindo seu treinador e companheiros dizendo, você acaba recuando (…) Você pensa: “Eles não gostam de alguém como eu”.

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São tantas conotações negativas para essas palavras, principalmente no esporte, então quando você as escuta em uma conversa despretensiosa ou sobre o rival, isso pode causar muito dano. Faz você querer ficar “no armário” e manter seu segredo ainda mais escondido”, disse McCabe.

A homofobia também causou problemas ainda mais sérios na Premier League. O primeiro jogador do futebol britânico a assumir a homossexualidade foi Justin Fashanu, destaque do Norwich na década de 80, em 1990.

A declaração trouxe consequências para a carreira e para a vida do atleta, que passou a ter dificuldades para conseguir contratos, problemas familiares e acusação de abuso sexual de um rapaz de 17 anos. A consequência mais grave foi também irreversível e fatal: Fashanu cometeu suicídio em 1998, aos 37 anos.

Na carta de despedida, o jogador negou as acusações de abuso e declarou que fez sexo consensual, mas disse que não receberia um julgamento justo pela orientação sexual: “Percebi que já havia sido julgado. Não queria dar mais constrangimento a meus amigos e familiares”. O processo foi arquivado por falta de provas conclusivas.

Combate à homofobia

Além das torcidas LGBT, algumas medidas vêm aparecendo na Premier League para combater a homofobia.

Campanha com o uso de braçadeiras com o arco-íris (as cores da bandeira LGBT), placas de conscientização em Anfield, o estádio do Liverpool, e o “Kick it out”, um aplicativo para reportar qualquer tipo de preconceito, criado pela The Football Association (FA), Professional Footballers’ Association (PFA), Premier League e The Football League, que recebe denúncias de comportamento ou linguagem abusiva.

Na temporada 2015/2016, o preconceito por orientação sexual contou com 17% das denúncias. Foi um aumento de 4% em relação à temporada anterior – o maior crescimento no aplicativo. Essa foi a terceira categoria mais denunciada, atrás de racismo e crença religiosa.

De acordo com Dave Raval, o objetivo da luta pela visibilidade é conquistar a igualdade, tanto dentro quanto fora do esporte. O presidente da Gay Gooners destaca que os torcedores LGBT querem ser aceitos como parte do futebol.

“Sim, a principal questão é a visibilidade. Nós queremos chegar ao ponto de sermos normalizados na cultura do futebol. Quando as pessoas falam, a resposta é: “Sim, os gays, as lésbicas, bi e trans estão envolvidos no futebol, e daí?!” Você não consegue chegar a esse ponto se não tiver visibilidade. Às vezes, ainda vemos atitudes homofóbicas no ambiente do futebol. Estamos no mesmo caminho que os militantes anti-racismo estavam há 30 anos. Ainda há muito a percorrer. Queremos que nossa presença seja vista como normal no futebol. Somos pessoas e fãs de futebol. Nós existimos”.

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Jamille Bullé

Jornalista pela Escola de Comunicação da UFRJ atuando no globoesporte.com. Feminista. Antes, Jornal Destak, Combate e Esporte Interativo.