Quando o Nottingham Forest venceu o Barcelona numa final europeia

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Na última grande final europeia da década de 1970, deu a lógica. O campeão europeu, que venceu a ida contra um adversário retrancado, empatou a volta e conquistou o que seria apenas o seu primeiro título internacional daquele ano. Poderíamos tranquilamente estar falando do Barcelona, mas na final da Supercopa Europeia de 1979, esse time era o Nottingham Forest, o time do milagre, o campeão europeu.

Com um gol solitário do iluminado Charles George no primeiro jogo, e de Kenny Burns no segundo, a equipe do lendário treinador Brian Clough se sagrou campeão da Supercopa.

Esquadrão do Nottingham Forest assustava

O feito, tratado como o “Milagre de Nottingham” pelos torcedores ingleses, um recorde da competição na média de jogos/títulos (vinte jogos, duas taças), parece menos “épico” quando se dá uma rápida olhada no time que Clough, dito como um dos maiores técnicos ingleses de todos ou tempos, tinha na mão.

No gol, Peter Shilton, “só” o recordista de jogos pela seleção inglesa e considerado um dos melhores goleiros do século XX pela IFFHS; na defesa, o bom Kenny Burns, zagueiro que virou atacante e que voltou a ser zagueiro, quando então emendou o prêmio de craque do Campeonato Inglês.

O ataque era qualquer coisa. Trevor Francis, o primeiro jogador de 1 milhão de libras, era a estrela do time; Stan Bowles e Charlie George, lendas do futebol inglês, lembrados no documentário “Mavericks” (2016), disponível na Netflix.

Fora John Robertson, ídolo do Forest, e Birtles, um dos grandes da história do Campeonato Inglês.

Triunfo no primeiro jogo da final

Foi com todo esse poderio ofensivo que o clube de Nottingham foi a campo no City Ground, decidido a matar a final antes do jogo de volta. O gol da vitória, assim, saiu logo aos nove minutos do primeiro tempo.

Charlie George, que foi ídolo no Arsenal, já havia protagonizado outro memorável embate contra um gigante espanhol.

Em 1975, o Derby County – dois anos após a saída de Clough da equipe – aplicou um sonoro e polêmico 4 a 1 em cima do Real Madrid, pela ida da segunda fase da Copa dos Campeões, atual Champions League. Charlie anotou um hat-trick.

Se pensarmos em Brian Clough, não é difícil que o treinador tenha pensado nesse jogo ao trazer o atacante para o Forest. Conhecido, entre outras coisas, pelo seus negócios certeiros, o treinador conseguiu um empréstimo de George pelo Southampton, por um período pequeno.

E bota pequeno nisso: foram apenas quatro jogos pelo Reds, mas foi o que bastou. Nos primeiros minutos de seu primeiro jogo, George recebeu a bola na entrada da área, deu em Francis e se mandou em direção à meta blaugrana.

Francis fez a parede e, de costas para o gol, deu um passe de um milhão de libras: alto, com efeito, calculando a parábola para a bola cair exatamente na cabeça de Charlie, que, em disparada ao seu encontro, acertou uma cabeçada potente e certeira no canto do goleiro Artola.

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Seguido do gol, foram mais duas bolas na trave, ambas chutadas por Francis, além de um pênalti claro não marcado em Burns, coisa de cinco minutos depois de aberto o placar. Pressão.

O domínio foi tamanho que ou catalães saíram de campo ao apito final comemorando a pequena desvantagem.

O Barça, que mesmo campeão do torneio que hoje é a Europa League, ainda penava para se reencontrar sem Johan Cruyff, sendo foi escalado para partida com três zagueiros, muita disposição para marcar e com as estrelas Simonsen e Roberto Dinamite bastante isoladas.

Diz a crônica do Mundo Deportivo que a entrega dos jogadores blaugranas era realmente elogiável, mas longe de ser párea para o poderio do fulminante ataque do Forest.O lateral direito Anderson, por exemplo, estava imparável.

Com ou corredores desocupados por um Barcelona muito preocupado com a artilharia central dos ingleses, o ala teve espaço e fôlego de sobra para atacar incansavelmente, sendo responsável pelo forte ritmo ofensivo que tanto espantou ou espanhóis e levou a torcida ao delírio.

Trevor Francis, marcado pelo jovem Serrat, era o responsável por dar continuidade às jogadas de Anderson. A assistência e as bolas na trave falam por si só.

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Burns e Birtle foram incansáveis, e Robertson um perigo constante à meta de Artola, outro grande destaque do jogo.

O goleiro foi um dos escassos destaques blaugranas, além de Simonsen e Dinamite, ambos mais esforçados do que brilhantes, engolidos pela pressão do Forest, no campo e nas arquibancadas.

“Era para ter sido pelo menos 5 a 0”, declarou Brian Clough ao apito final, atentando às chances perdidas. Ainda assim, admitiu que as condições do jogo favoreceram seu time:

“Reconheço que o estado do gramado prejudicou mais a eles do que a nós”, disse, na sua habitual sinceridade.

O campo do City Ground estava pesado, um tanto lamacento, sem dúvidas um prejuízo para o jogo técnico barcelonista. Ainda por cima, com a capacidade de 23 mil torcedores esgotada, o estádio era um grande caldeirão.

“Eles (ou adversários) cumpriram seus objetivos e agora teremos que trabalhar para sairmos vitoriosos do Camp Nou. Para mim, a Supercopa está pendendo mais para o lado azul grená, porque nossos rivais mudam radicalmente dentro de sua casa. Eu gostaria muito que saíssimos de lá com um resultado positivo”.

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Pode parecer estranha, mas essa fala de Clough ia de encontro com a opinião pública (e da imprensa) da época.

O Nottingham Forest, campeão europeu, tinha sua força reconhecida, mas ainda era visto como um ponto fora da curva, ao contrário da “lendária” força do Barcelona no Camp.

“O Barça desta noite jogou única e exclusivamente olhando para o placar e em função do resultado”, escreveu Alberto Sanchis, na crônica do jogo para o Deportivo.

“Agora, a sorte está no ar, para não dizer ao alcance de Rifé (treinador), cujo time sem dúvidas terá na volta um desempenho muito diferente do de hoje”, menciona o jornalista em outro momento.

Silêncio, tensão e ingenuidade no Camp Nou

Foi essa a tônica do jogo de volta, de um Barcelona confiante, com um pé na arrogância, e um Forrest respeitoso até demais para com o adversário.

As escalações para o jogo mostravam um pouco disso. O atacante Carrasco, que participou dos minutos finais da ida, começava como titular no time espanhol; o volante McGovern trancava o meio-campo do time inglês, ainda que Clough mantivesse a pegada ofensiva com Bowles, Brittle, Francis, George e Robertson.

 

Com o apito inicial, começou também a enorme pressão do 80 mil presentes no estádio, que empurrou o time a cada rumo às traves de Peter Shilton.

O Barcelona jogava por uma “ilusão real”, como descreveu o Mundo Deportivo, e também para responder a provocação de Clough alguns dias antes, na ocasião de uma fraca partida dos espanhóis contra o Málaga.

“Horrível! Este time é da segunda divisão, não é mesmo?”, perguntou o inglês, cínico.

A pressão, a resposta, a força do campo, tudo parecia se comprovar aos 25 minutos, quando Simonsen arrancou pela intermediária, invadiu a área pela direita e foi derrubado por Trevor Francis. Pênalti.

Dinamite converteu, e parecia encaminhar a partida. O brasileiro teve umma passagem bastante apagada pelo Barça, ficando não mais que três meses no clube.

Problemas de adaptação, relacionamento com técnico e a sombra do artilheiro Krankl pesaram no fracasso de sua aventura espanhola. Ainda assim, não fugiu da raia quando foi solicitado.

De volta ao jogo, e mergulhado na pressão catalã, o Nottingham mostrou outra face de seu lado campeão, a resiliência. Resistindo às investidas blaugranas, ou Reds não perderam a agressividade.

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Para Kenny Burns, por exemplo, isso nunca foi um problema. Zagueiro formado no Rangers, foi alçado a atacante na segunda metade de sua passagem pelo Birmingham – e foi convocado para vinte partidas dos Three Lionsm.

Sob o comando de Clough no Forrest, voltou à zaga e alcançou o alto nível. Um defensor corajoso, um líbero em muitas ocasiões, tinha em mesmos níveis o ímpeto ofensivo e o agressivo. Era reconhecidamente o homem do “trabalho sujo” dos Reds.

A menos de três minutos do intervalo, Burns combinou toda a agressividade e o traquejo de atacante para marcar o gol de empate.

Francis cobrou um escanteio alto, Lloyd, no segundo pau, escorou uma bola firme rumo ao primeiro. Burns, corajoso e com um tempo de bola perfeito, subiu mais até que Artola e completou para o gol.

Silêncio no intervalo. A água inglesa no chopp espanhol foi tamanha que desorientou os barcelonistas no segundo tempo. Com dois minutos corridos da última etapa, pênalti para o Forest, só que Charlie George perdeu.

Surpreendentemente, a vantagem mental se inverteu. O Barcelona voltou a pressionar o Nottingham Forest e apertar e atacar. Simonsen teve quatro chances de gol, mal sucedidas pelas mãos de Shilton ou pela sua própria pontaria.

A torcida se manteve pulsante – apesar de um tanto ingênua, desconhecia que a regra do gol qualificado valia para a Supercopa, e que portanto seu time precisaria de dois gols -, mas o time foi cansando.

O apito final foi seguido de um silêncio um tanto constrangedor, e de uma comemoração tímida dos ingleses.

E foi assim que o Nottingham Forest venceu o Barcelona numa final europeia.

Lucas Ayres
Lucas Ayres

Repórter da Placar. Para mim, futebol é para todos e fim de semana só é bom quando tem Premier League