Para quem acompanha futebol no Brasil, há certa facilidade para conseguir assistir aos jogos em casa. Nos últimos tempos, é verdade, a divisão das competições em várias emissoras e o pay-per-view podem ter acarretado em uma dificuldade maior. Mas já pensou como é acompanhar futebol na Inglaterra não indo aos estádios? Por anos, apenas um jogo teve sua transmissão garantida na TV aberta: a final da Copa da Inglaterra (ou FA Cup).
O início da FA Cup: formação da Football Association
Em 1871, o Reino Unido vivia a Era Vitoriana e era governado pelo primeiro-ministro William Gladstone. O Império Britânico se expandia e dominava outros países. Vivia um período de lucros e prosperidade para seu povo. O momento era de auge e consolidação da Revolução Industrial, com novas invenções e formas de ver o mundo. Além disso, a modernização chegaria também aos desportos.
As escolas passaram a introduzir o esporte em sua grade – sobretudo as privadas – e, nesta época, ‘nasceu’ o futebol. Entretanto, em 1863, deu-se um passo importante para que isso acontecesse. A Football Association – Federação Inglesa – nascera em Londres, tornando-se a pioneira na organização do desporto que os ingleses aprenderiam e nos ensinariam a amar.
Em 20 de julho, Charles William Alcock (secretário honorário e tesoureiro da FA) propôs à Football Association a ideia da criação de uma taça, convidando todos os clubes inscritos na Federação a participar. A ideia acabou logo aceita e, em novembro do mesmo ano, deu-se o pontapé inicial.
Assim, a Football Association Challenge Cup, mais conhecida como FA Cup (ou Copa da Inglaterra) nascia. Nos 25 anos entre a regulamentação do jogo – e da oficialização dela pela Football Association inglesa – e a criação da liga, o futebol passou por vários momentos de correção de rota.
As disputas entre equipes do Norte e do Sul
O mandato de Alcock abrangeu além da introdução da FA Cup. O estabelecimento de jogos internacionais, de várias alterações pontuais à unificação das regras sobre o futebol da Football Association com a Sheefield Rules, a introdução do profissionalismo são alguns eventos encabeçados por ele e que foram passos fundamentais para a instituição de competições e seu aprimoramento.
Mas essas ‘vitórias’ não ocorreram de maneira tão unânime logo de cara. Isso porque havia toda uma disputa envolvendo as equipes do norte e do sul (em especial Londres) da Inglaterra quanto à admissão ou não do profissionalismo e sua forma de ver o jogo.
Os sulistas, tão ricos quanto puristas, opunham-se a tudo que consideravam uma ameaça ao ‘espírito amador original do jogo’. Suas equipes, formadas em sua maioria por universitários e profissionais liberais, dominaram o cenário nacional até meados da década de 1880.
Dos 15 times que disputaram a edição inaugural da Copa da Inglaterra, apenas dois não eram da região de Londres. Em time que está ganhando não se mexe? Os nortistas queriam mudar essa tônica.
Opondo-se aos rivais, os clubes do norte e da grande região industrial de Midlands viviam realidade bem diferente. A maioria tinha raízes proletárias e equipes com operários – com seus salários descontados pelas horas passadas fora do trabalho jogando futebol representando sua respectiva fábrica.
Para se sustentarem e obterem chances de competir de igual para igual, eles começaram a adotar a prática de atrair jogadores escoceses (treinados em um estilo de jogo mais técnico, de passes, que os ingleses) em troca de postos de trabalho ou mesmo pagamentos secretos.
A aposta começou a trazer resultados em 1883, quando o Blackburn Olympic se tornou o primeiro time fora de Londres a levantar a FA Cup. A conquista levantou suspeitas da Football Association, que respondeu com medidas “drásticas” na edição seguinte, expulsando o Preston e o Accrington do torneio sob a acusação de efetuarem pagamentos a seus jogadores.
Os clubes nortistas ameaçaram se rebelar e romper com a FA (que tinha sua direção formada por muitos sulistas), fundando outra associação, mas a entidade acabou recuando e aceitando – a contra gosto à quebra da hegemonia de seus clubes e a cessão de lugares para representantes do norte – oficialmente a implementação do novo regime em 1885.
Leia mais: Copa da Inglaterra: quem são os maiores campeões do torneio?
Mas, se por um lado, a adoção do profissionalismo trouxe competitividade, proporcionando um jogo mais equilibrado, por outro, desencadeou um problema para os clubes naquele momento.
O calendário europeu, em comparação com o brasileiro, é bem enxuto. Mas, naquela época, era ainda mais. Como a FA Cup era disputada em sistema eliminatório, os clubes desclassificados ficavam relegados a disputarem apenas amistosos – já pouco apelativos e mal organizados.
Dessa forma, como manter os pagamentos ao elenco diante de uma tabela de jogos um tanto quanto incipiente? Se você pensou na criação de uma liga nacional, acertou. Mas isso é papo para outro texto.
Períodos entre guerras
Após a edição da temporada 1914/1915, a competição acabou suspensa devido à Primeira Guerra Mundial e não se realizou até a de 1919/1920. Aliás, a final da FA Cup de 1923, conhecida como “Final do Cavalo Branco”, foi a primeira decisão a ser disputada no recém-inaugurado estádio de Wembley (conhecido na época como Estádio Empire).
A tradição pré-jogo de cantar a música “Abide with Me”, também surgiu nessa época. Para ser mais exato, na final de 1927, ela foi ecoada pela primeira vez em uma decisão. Mas dez anos depois, devido ao início da Segunda Guerra Mundial, a competição teve de ser mais uma vez suspensa.
Entre 1938/1939 e 1945/1946, a bola não rolou. Devido aos intervalos de tempo em que as guerras impediram sua realização, a competição só celebrou o seu centenário em 1980/1981.