Consultor de moda Arlindo Grund avalia estilo de Héctor Bellerín

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Você não leu errado. Essa é uma entrevista sobre futebol e moda. Em cima das bases dessa combinação, inclusive, Héctor Bellerín construiu sua imagem pública ao longo dos últimos anos. O lateral-direito espanhol, atualmente no Sporting, de Portugal, tem furado a bolha do esporte, estampado capas de revistas, ocupado passarelas e atraído para si a atenção de admiradores, curiosos e críticos do universo fashion.

Nesta quinta-feira, o jogador de 27 anos tem pela frente a partida de volta contra o Arsenal no Emirates Stadium, em Londres, pelas oitavas de final da Liga Europa. O primeiro jogo em Lisboa acabou empatado em 2 a 2. Fora de campo, o desafio não é menor: passar pelo crivo de Arlindo Grund, ex-apresentador do programa “Esquadrão da Moda”, que marcou época no SBT.

Ligação com o futebol

Na televisão, Arlindo Grund ganhou fama ensinando o público leigo a se vestir melhor. Além disso, o consultor de moda tem dois livros publicados sobre o assunto. O pernambucano de Recife, no entanto, surpreende com uma longínqua relação com o futebol. No início da conversa com a reportagem, por ligação de vídeo, Arlindo sacou uma camisa autografada do Real Madrid com número 23 e o nome de David Beckham às costas. A assinatura era mesmo do ex-jogador da seleção inglesa.

— Eu comprei um produto, entrei no site, cadastrei o produto e acabou, fui embora. Acho que uns oito meses depois, recebi um telefonema de uma empresa dizendo que eu era um dos 30 contemplados no mundo a conhecer David Beckham. Resumindo, em janeiro de 2004, estava eu lá em Madrid conhecendo o David Beckham. Foi uma experiência maravilhosa. Sem falar que na época eu já trabalhava com moda, e ele era, e ainda é, uma referência de moda, de elegância, de comportamento também, então foi muito prazeroso ter esse encontro com ele.

E se Arlindo acabou presenteado com uma camisa do Real Madrid. David Beckham, depois de um susto, também ficou com uma recordação do brasileiro.

— Eu estava usando um terço que tinha ganhado de presente de um amigo meu lá de Recife. E a gente teve que assinar vários contratos, você não podia perguntar muita coisa pra ele (Beckham), não pode entregar coisas pra ele. Caso contrário, as pessoas eram levadas presas. E eu me lembro que eu estava com esse terço na hora e ele pegou. Eu falei ‘pelo amor de Deus’. Eu tirei na hora, já fui entregar pra ele. E foi aquele burburinho no entorno. E ele falou ‘Calma, tá tudo certo’ e ficou com o terço – disse Arlindo, que confirma a fama de cheiroso de Beckham:

Meu Deus do céu, foi a primeira coisa que eu percebi (o perfume). Sem falar que o cabelo dele naquela época era aquele cabelo meio desgrenhado, só que desgrenhado todo arrumado, sabe? Mas o perfume dele era uma coisa absurda. Muito bom.

Arlindo Grund, ex-Esquadrão da Moda, e David Beckham. Ele avaliou Hector Bellerín
Arlindo Grund, a camisa, o terço e David Beckham. Foto: arquivo pessoal

O encontro com Beckham levou um pouco do universo do futebol para o olhar de Arlindo como consultor de moda. Segundo ele, “a moda também bebe muito de inspiração esportiva”. Não à toa, Bellerín chama tanta atenção.

Bellerín é estilo mesmo?

Além de esportista, Héctor Bellerín posou para diversas revistas e desfilou para marcas de grife. Assim, o espanhol criou fama para além do futebol e passou a atingir integrantes do universo da moda. Um deles é Arlindo Grund.

— Como eu sempre estou pesquisando em revistas de moda, ele (Bellerín) sempre está presente. Ele é uma pessoa presente na moda, então mesmo a gente não sendo do universo do futebol, não dá pra gente fechar os olhos para a influência do poder que ele tem. E esse estilo também comunica muito dentro do universo do que ainda é um universo um pouco mais tradicional, um pouco mais machista.

Em análise foto a foto, Bellerín teve seus diversos looks examinados por Grund. A resposta inicial foi de que o espanhol é, de fato, estiloso – agora explicamos o por quê.

— Antes de qualquer coisa, a gente tem que entender que ele não tem um estilo ou simplesmente vestir uma roupa, uma combinação. Ele tem estilo porque ele consegue retratar a personalidade dele através das roupas.

Look 1: “Personalidade urbana e transgressora”

— É uma personalidade urbana, que a gente na moda chama de dramática, muitas vezes transgressora, mas uma personalidade que traz muito conforto e deixa ele (Bellerín) muito a vontade diante daquilo que ele usa. Olhando especificamente esse look agora em 2023, a minha opinião é que é moderno, contemporâneo, atual. Se a gente olhar como consultor de moda e de imagem de uns 15, 20 anos atrás, isso seria quase que um afronte, porque camisa de time deveria ficar restrita ao universo dos torcedores, deveria ficar restrito ao universo do esporte. Hoje a gente vê que os times, eles representam muito mais do que cores, muito mais do que uma paixão pelo futebol. Então, nesse caso, a moda se apropria de certos temas e traz para o dia a dia do nosso dia a dia alguns elementos. E a camisa de time não foi diferente – avalia Arlindo Grund.

Se antes eram vistas com desconfiança, camisas de times de futebol são cada vez mais enxergadas como bons adereços. Grund ressalta que, aliada a calças e bermudas em alfaiataria, a peça pode levar a um visual estiloso. Claro, com toques da personalidade de quem está a veste.

— Ele (Bellerín) deu um styling, ele deu um truque. Ele trouxe a personalidade dele, porque simplesmente colocar a camiseta não seria o epítome dele. Então ele dobrou a manga da camiseta, trouxe uma pegada mais do streetwear, que é exatamente essa moda de rua. E a influência que ele (streetwear) tem na moda é muito forte. Vem lá dos anos 1970, que foi quando surgiu exatamente o estilo dramático que foi inspirado lá nos rappers americanos lá de Nova Iorque, do Bronx, e ganhou os holofotes lá nos anos 80 e 90. E como a moda é cíclica hoje, os jovens dessa geração exploram muito esse conforto, essa praticidade e essa liberdade.

Combinação mullet + bigode

Mais do que a camisa de time nos looks, a imagem de Belerín chama atenção por outros detalhes. Os cortes de cabelo que mudam constantemente e o bigode característico também são fontes de “cópia” para quem se inspira nele. E o próprio jogador tem inspirações: um exemplo é seu corte mullet.

 — Daqui a pouco muita gente vai estar usando mullet. Ele sempre vai e vem e de um tempo pra cá ele tem aparecido de novo. Então um jogador com um poder, com a influência que ele tem, daqui a pouco muita gente vai estar usando um mullet de novo. O bigodinho já é recorrente na moda. Aí, diante da mensagem ele passa a união do bigode, do mullet e desse estilo mais dramático com essas misturas que ele faz de alfaiataria, do esportivo, da camiseta de time com o cinto mais formal – analisa Arlindo, que continua:

— (O cabelo) Influencia na sua comunicação visual. Se a gente pensar o cabelo como uma moldura do nosso rosto, ele acaba sendo uma das peças de comunicação também. Acho que essas mudanças são válidas desde que a pessoa se sinta à vontade, desde que a pessoa esteja realmente com vontade de fazer isso, porque tem a ver com o seu dia a dia, tem a ver com o seu estilo, com seus valores. ‘E aí, Arlindo, qual é a receita para combinar?’ Não tem receita. É basicamente você se sentir à vontade e segura ou segura dentro daquilo que você está usando ou fazendo.

Look 2: “Gola alta e mistura de tecidos são características do estilo urbano”

— Se você pensar na gola alta, por exemplo, que é uma peça que remete a um universo mais moderno, mais urbano, mais dramático. E de repente me vem com uma jaqueta esportiva, que deve ter uma brincadeira de texturas e pesos de tecidos, porque a gola alta normalmente é de um tecido que se encontre com a linha. A jaqueta esportiva normalmente vem de um tecido tecnológico, ou seja, misturar esses tecidos também é uma característica desse estilo mais urbano.

Look 3: “Peças esportivas fora de contexto”

— Esse tem uma pegada um pouco mais descontraída, mas despojada, mas sem perder a essência do estilo que ele tem. A gente vê que tem pontos aí no look dele que remetem a um estilo mais urbano, mas ao mesmo tempo ele nunca esquece o esportivo. O grande desafio dele é mostrar que ele não está saindo de um centro de treinamento ou até mesmo de um campo. Então acho que o que chama a atenção também no Héctor Bellerín é ele usar essas peças esportivas fora do contexto que a gente tá acostumado a ver.

Look 4: “Geração das roupas oversized

— Essa turma dessa geração procuram usar roupas oversized. Uma roupa para o nosso tamanho, mas ela é uma modelagem maior e traz o aumento dessa pegada de conforto. E eu presto muita atenção que no dia a dia ele gosta muito dessa pegada, então acho que vem também de uma confirmação de certos valores que essa geração tem de buscar o conforto acima de tudo. E aí a gente vê que ele está usando uma jaqueta marsala, mas aí está com o jeans também, para dar essa história mais descontraída, despojada.

As influências de décadas passadas também são contadas pelos looks de Bellerín. A moda cíclica, reforçada por Grund, permite que as novas gerações revisitem e adaptem o que fez sucesso em anos anteriores.

A moda é feita exatamente de resgate, porque não existe mais o que ser inventado, existe de ser reinventado. Então a gente vê que a moda, o estilo urbano, veio lá dos anos 70. (O resgate é) Um movimento hoje da moda que acontece de 20 em 20 anos. Então a gente tá vivendo os anos 2000, você está vivendo os anos 90, mas a gente já tem aí pitadas do início da segunda década, dos anos 2000.

Look 5: “Sobre regatas…”

— Sobre regatas, em outras épocas eu já tinha a resposta na ponta da língua. E hoje eu preciso falar que a moda é muito democrática e a gente não pode engessar. Eu poderia falar que a regata fica restrita à praia, piscina ou a prática esportiva. Hoje, a gente percebe que você fazendo combinações, trazendo o seu estilo, se sentindo acima de tudo à vontade com aquilo que está usando, é muito mais importante do que qualquer julgamento. Aí o resultado é esse: são roupas que vestem você como uma armadura que parece que você está pronto pra enfrentar qualquer coisa. O sucesso é tão grande diante da sua segurança em relação à sua imagem, que gera pauta até mesmo de pessoas de moda que não são do universo do futebol. Então é bacana ver como a gente evolui em relação ao olhar.

Os assuntos polêmicos envolvendo moda e futebol não se prendem à camisa de time. Questões como sexualidade e virilidade foram debates crescentes por muito tempo no esporte. O mesmo vale para a moda – que foi vista por um longo período como a falta de virilidade, por exemplo.

—  Entendendo que a moda não tem nada a ver com orientação sexual, muito pelo contrário, a moda como ferramenta de comunicação facilita mais ainda a vida de todos nós enquanto estilo.

Moda e esporte: mistura de sucesso

Beckham e Bellerín são alguns dos casos de jogadores que transitam entre o esporte e a moda. Essa presença é vista com bons olhos fora dos gramados e tem um motivo:

— Na moda a gente procura exatamente fugir desse padrão. Então, colocar pessoas reais, pessoas que trazem influência a pessoas que falam com seu público é mostrar que a moda também é acessível para essas pessoas. Então, na hora que traz uma pessoa “normal” como ele é, eu acho que as pessoas se identificam também. Além de tudo, tem todo o universo do glamour que envolve ele também pelo fato de ser uma estrela no que faz e pelo fato também de conseguir usar a moda como uma ferramenta de comunicação.

Arlindo jogador de basquete

O próprio Arlindo tem uma história como atleta. Foi jogador de basquete durante os três anos do Ensino Médio quando estudava em Recife. E os valores que se deparou no esporte seguem na sua vida até hoje.

— O esporte é bom porque ele disciplina, educa, leva a gente num caminho que pode levar os aprendizados durante uma vida dentro da quadra pra nossa vida enquanto adulto, faz a gente amadurecer e faz a gente aprender a ganhar, mas principalmente aprender a perder. Porque a vida não é só feita de conto de fadas, a vida é bem real e coloca aí alguns percalços que a gente é obrigado a pular esses obstáculos. E eu acho que eu aprendi muito no esporte também.

Guilherme Ramos
Guilherme Ramos

Jornalista pela UNESP. Escrevi um livro sobre tática no futebol e sou repórter da PL Brasil. Já passei por Total Football Analysis, Esporte News Mundo, Jumper Brasil e TechTudo.

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