Edu Gaspar: como o meia superou dramas para vencer no Arsenal

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Edu Gaspar é foi o primeiro brasileiro a conquistar a Premier League. Além disso, ele fez parte de um time campeão invicto, fato inédito na era moderna da elite do futebol inglês. Mas, para chegar até lá, Edu precisou superar três grandes problemas na sua chegada ao Arsenal. O ex-meio-campista não desistiu e lutou para vencer na Inglaterra. Confira a entrevista da PL Brasil com Edu Gaspar em 2018, quando ele ainda era dirigente do Corinthians.

Início de Edu Gaspar no Corinthians

PL Brasil: Você começou no Corinthians na base. Em 1998, você subiu e, logo quando começou a carreira, foi campeão: em 1998, 1999 e, em 2000, campeão mundial. Como foi esse começo de carreira?

Edu Gaspar: Na verdade, eu comecei com cinco anos de idade no Corinthians. Meu primeiro contrato profissional foi com 17 anos e minha estreia foi com 18. Isto é, as coisas, para mim, aconteceram muito rápido.

Já fazendo parte do elenco de 1998, com os títulos e a equipe que tínhamos na época. Em 1999, já participando muito mais e em 2000 também muito mais. E, logo na sequência, eu fui vendido. Para mim, as coisas foram muito positivas.

PL Brasil: E, neste início, como você comentou, foi tudo muito rápido, mas já na base, nessa evolução dentro do Corinthians, você tinha uma projeção de ir para fora? Era sua ideia ou era algo que foi acontecendo?

Edu Gaspar: Eu sempre tive um sonho de jogar nos profissionais do Corinthians, nunca pensei na Europa, na Seleção. Eu sabia que para atingir esse objetivo maior, eu precisava de um bom trabalho no Corinthians.

Então, meu foco total foi sempre jogar no profissional do Corinthians quando eu cheguei. Quando eu subi para a equipe profissional, eu sabia que precisava jogar e jogar bem. Para depois, abrir o leque de opções e o mundo estaria muito mais aberto para eu aproveitar as oportunidades.

A transferência de Edu Gaspar para o Arsenal

PL Brasil: Em relação ao interesse do Arsenal, foi só ele que surgiu ou você teve uma gama de clubes para escolher? Em que sentido, o futebol inglês te pareceu mais atraente?

Edu Gaspar: Na verdade, surgiu o Arsenal e eles foram muito rápidos. E, logo na sequência, veio o Barcelona. Eu estava no radar deles, tanto que o Barça contratou na época o Fábio Rochemback.

E diziam eles que era a segunda opção porque a primeira seria eu. Mas como eu tinha acertado com o Arsenal e, pela velocidade que eles fizeram o negócio, acabou inviabilizando outras opções. Foi uma surpresa porque eu fui convidado para um jantar junto com os representantes do Arsenal.

Depois da eliminação do Corinthians para o Palmeiras na Libertadores, dias depois, eu sentei em um jantar num hotel e eles foram muito sinceros comigo.

A primeira pergunta que fizeram foi: ‘Edu, você gostaria de jogar no Arsenal? Você consegue se enxergar na Inglaterra e em um clube como o Arsenal?’ Eu falei: ‘Claro que sim. Pelo país, pela cidade de Londres, pelos atletas que lá estão, obviamente, que sim. Para mim, seria uma honra’.

A resposta dele foi: ‘Você está contratado pelo Arsenal. Agora o problema vai ficar do nosso lado’. Foi um pedido do Arsène , que veio ao Brasil, viu quatro ou cinco jogos e acompanhou outros mais. E, dali do jantar, eu saí praticamente contratado.

Início delicado nos Gunners

PL Brasil: E, logo quando você chegou ao Arsenal, foi um pouco complicado. Teve problema com passaporte…

Edu Gaspar: Foi um início terrível. Acho que o Arsenal tem um reconhecimento por mim, um carinho por mim tão grande por entender que esse cara aqui venceu com perseverança, profissionalismo. Foi um começo muito ruim.

Eu saí de um período de férias aqui no Brasil e a liga inglesa estava no meio da temporada, voando. E o Petit tinha saído e eu estava indo para o lugar dele.

O meio-campo era ele e o Vieira, dois caras da seleção francesa, já com experiência e eu super jovem. Eu não tinha treinado muito tempo ainda e já me colocaram para jogar em 10, 15 dias e eu acabei me machucando.

Comecei o problema com passaporte, que inviabilizou minha chegada. Dessa forma, tive que ficar mais quatro meses aqui treinando e jogando.

Quando eu fui para lá, regularizei todos os problemas. Fui enganado e ficou provado isso. O começo foi muito duro pelo fato de a liga já estar andando e eu não fui bem nos meus primeiros jogos.

Na estreia, eu estava bem, mas me machuquei com dez minutos. Depois, eu comecei a ter um jogo ou outro e não respondia bem. O Arsène foi um cara que ficou do meu lado.

Tive um problema pessoal que, nem todos sabem, mas minha irmã faleceu uma semana antes da minha ida para a Inglaterra. Tudo que poderia acontecer de ruim, de difícil, de adaptação, foco no trabalho, aconteceu comigo.

Mas eu fui sabendo porque eu tinha ido. Eu tinha que vencer lá. Não ia ser um brasileiro que ia bater e voltar por qualquer dificuldade. Falei: ‘Vou cumprir meu contrato, vou jogar, me destacar e acabou dando tudo certo’.

Lesão na estreia contra o Leicester

PL Brasil: ‘Falando da sua estreia, contra o Leicester. Com 10 minutos, teve sua lesão. Em seguida, você fez mais quatro jogos e ainda fez um gol contra diante do Middlesbrough perdendo por 3 a 0. Ali você pensou: ‘Está dando tudo errado para mim?’. O começo no Corinthians teve dois títulos brasileiros, e o início no Arsenal aquele choque.

Edu Gaspar: Imagine porque eu consegui muito rápido o carinho do torcedor corintiano. Minha saída não foi fácil. O pessoal sempre falou: ‘poxa, você é jogador da casa, está se destacando, é jovem, por que está saindo tão cedo?’, aquela cobrança.

Eu já com uma certa representatividade no clube, uma certa “moral”. Mas queria um novo desafio, no mundo europeu e a oportunidade que o Arsenal estava me propondo era muito grande.

Mas, mesmo com as dificuldades com que cheguei lá, teve alguns momentos que eu cheguei: “puta vida, está difícil né”.

Estava tudo bem no Brasil, jogando bem, minha esposa bem, dobraram meu salário três vezes, a torcida tinha muito carinho por mim… Mas sabia que no Arsenal teria que conquistar tudo de novo.

O Arsenal era muito bem preparado, um time praticamente formado. Eu falei: ‘Vou ter que ir de novo, jogar os jogos que eu puder bem, poder conquistar meu espaço e conquistar tudo o que não consegui no Corinthians. Nesse sentido, coloquei na minha cabeça. Tive o apoio da minha esposa que estava comigo lá nos momentos duros. Tive um problema com o Henry.

Tivemos um problema sério, discutimos, me senti muito mal e me fez pensar: ‘Por que está acontecendo tudo isso? Será que era para eu vir?’. E aí não: ‘Vou vencer, lutar e brigar para me destacar. Então na outra temporada já fui muito melhor, as coisas foram acontecendo e se estabilizaram.

Os primeiros títulos

PL Brasil: ‘Logo na temporada seguinte você já ganha a Premier League – o primeiro brasileiro a ganhar – e a FA Cup também. Como que foi esse salto? De vir lá de baixo pra ganhar tudo?’

Edu Gaspar: Não vou negar que é uma conquista pessoal, porque eu entrei para a história como o primeiro brasileiro da história do futebol inglês a ganhar um título. Pra mim, sem dúvida, foi muito bacana.

O Arsène me ajudou muito também. O Arsène foi um cara que me pegou como um filho ali. Tanto é que hoje nós temos um carinho recíproco. A gente lembra das histórias, de tudo que nós passamos juntos. Um cara que esteve do meu lado. Me levou pro lado humano e não só do profissional.

Entendeu o momento que eu estava passando, que aqueles seis meses iniciais iriam ser duros mesmo. Foi um cara que me abraçou. E depois (me levou) a conquistar a Premier, a conquistar o doblete – as duas ligas. E aí começa a te dar mais confiança, você fica um pouquinho mais “parrudo”… e aí deslancha, né. Vai embora.”

Melhor temporada

PL Brasil: Na temporada seguinte – do ano que você ganhou a Premier League – foi a era dos Invencíveis que foi a melhor temporada do Arsenal e a sua pessoal também, não foi? Você fez três gols no campeonato, dois contra o Chelsea – um lá e um no Highbury – e você foi o décimo segundo titular. Era um cara que entrava em quase todos os jogos. Foi a sua melhor temporada na Inglaterra?

Edu Gaspar: Foi. Se você pegar em termos estatísticos, fiz muitos jogos. Jogos importantes. O Arsène rodava muito o time, porque nós estávamos brigando por tudo: estávamos jogando a Liga, a Copa, a Champions… estávamos jogando tudo.

Então ele estava muito bem com a equipe nos três campeonatos. Pra mim, sem dúvida nenhuma, essa temporada foi muito boa. Certamente, foi muito marcante.

Maior rival, eliminação para o Chelsea…

PL Brasil: Eu citei o Chelsea nos dois que você fez e, no mesmo ano, na Champions, vocês perdem para eles nas quartas de final com gol do Bridge no finalzinho do jogo. O Chelsea foi o rival que mais te marcou na Inglaterra?.

Edu Gaspar: Pra mim, foi o Manchester United. O Manchester foi o que mais me marcou. E esse jogo – essa competição, no caso – se a gente passa pelo Chelsea, a gente ganharia a Champions League. Porque o Porto foi campeão nessa época e o nosso time tava realmente num momento espetacular. Mas é aí o que eu falei.

Nós estávamos brigando por três títulos: brigando pela FA, brigando pela Premier, brigando pela Champions. E aí nós fizemos uma sequência muito grande de jogos decisivos. Da Copa da Liga – brigando pelo título – e da ida e volta da Champions. E esse jogo foi o quinto decisivo nosso.

No meu ponto de vista, como jogou praticamente a mesma equipe nesses cinco jogos decisivos, nós tivemos uma queda de rendimento no segundo tempo. Tanto é que nós perdemos para o Chelsea, para mim, no segundo tempo. Talvez se tivesse uma estratégia um pouquinho melhor ali… não tem jeito.

Brigou por tudo, alguma coisa ficou para trás. E a Champions infelizmente ficou por causa dessa questão. Foram muitos jogos decisivos e no final nós fomos pegos de surpresa pelo Chelsea. Mas eu acho que nosso time era mais time que o Chelsea pra passar.

O conjunto é a diferença

PL Brasil: Nesse time dos Invencíveis muita gente fala da contribuição do Henry, do Vieira… Mas tinha algum outro jogador ou de repente algum membro da comissão técnica que tinha um papel muito importante pro time mas não foi normalmente muito lembrado? Tinha algum jogador assim? Ou era um conjunto?

Edu Gaspar: Não, era o conjunto. O conjunto era sensacional. É lógico que, dentro de um conjunto, quando todos estão trabalhando bem, se destacam o Henry por fazer mais gols, o Bergkamp pela classe que tinha, o Patrick Vieira no meio-campo… enfim, o time era sensacional. O conjunto era muito forte.

Nós tínhamos uma comissão técnica excepcional, um grupo de atletas excepcional. E eu acho que foi a engrenagem perfeita pra que a gente pudesse conseguir um título tão importante como foi a era dos Invencíveis.

Wenger e a mentalidade vencedora

PL Brasil: Dessa época que você ia jogar, principalmente fora de casa – claro que tinha a grandeza dos clássicos – mas a Inglaterra tem essa peculiaridade de jogos com times pequenos. Copa da Inglaterra você ia jogar com time da quinta divisão, quarta… Desses adversários tinha algum que você pensava: ‘putz, a gente vai jogar naquele buraco, meu deus do céu, difícil de jogar…’?

O Arsène colocava na nossa cabeça – e também é uma coisa que marcou muito pra nós na época – que tínhamos equipe pra ganhar em qualquer lugar, desde que tivéssemos uma mentalidade de vencedor. Tinha que entrar em campo já sabendo que, se jogar bem, vai ganhar.

Nós sentíamos, nós entrávamos em campo com um respeito tão grande do adversário que parecia que o adversário já sabia que ia perder. Então isso para nós era mais motivante ainda.Os caras já olhavam e falavam: ‘Vão vir esses caras aí e não vai dar, não vai dar…’ e para nós foi muito positivo isso. Então o Arsène colocava: ‘Vamos jogar em casa? Vamos jogar igual a gente joga fora’. Criamos já um respeito e isso daí foi criando uma áurea interna que até nós, quando saímos do campo… Um olhava para o outro e falava: ‘Meu pai, vamos atropelar!’

PL Brasil: Quais foram os adversários mais difíceis de jogar fora de casa?

Leeds. Sem dúvida, foi difícil jogar contra o Leeds. Everton… foi terrível jogar contra eles. Terrível. Eu me lembro de dizer: ‘Cara, parece que os times ingleses querem pegar a bola, depois chutar e depois pegar a bola. Eles não querem tentar jogar”.

PL Brasil: Qual é a grande qualidade de Wenger como treinador? É o lado tático? A questão humana? Por que ele tem tanto sucesso se mantendo no Arsenal por tanto tempo?

Pra mim — e posso falar pessoalmente — o que mais me marcou foi o lado humano que ele demonstrou no pior momento que eu poderia viver na minha vida pessoal e profissional, que foi a perda da minha irmã.

Ele entendeu isso porque sabia que eu não conseguiria dar o meu melhor dentro de campo porque fora as coisas não estavam bem. Nesse sentido, tive que levar toda a minha família para a Inglaterra: meu pai, minha mãe, meu irmão… para que todos se suportassem.

Então, depois do treino é muito difícil. Dessa forma, Arsène entendia e sempre me falava para saber o que eu estava sentindo. Ele nunca falou sobre as coisas táticas ou técnicas. Ele queria saber como eu estava com a cabeça, se estava focado, se precisava de alguma coisa, se o Arsenal poderia ajudar em alguma coisa.

Pedro Ramos
Pedro Ramos

Editor da PL Brasil entre 2012 e 2020 e subcoordenador na PL Brasil desde 2023. Passagens pelo jornal Estadão e o canal TNT Sports. Formado em Jornalismo e Sociologia. Ex-pesquisador do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa).

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