Manchester City e Inter de Milão decidem a atual edição da Champions League neste sábado (10), às 16h. Nela, haverá o embate entre dois expoentes de uma geração de goleiros modernos: o posicional e arquiteto Ederson, e o rebelde e líbero André Onana.
Os dois ficaram conhecidos pelo seu jogo com os pés, mesmo vivendo grandes temporadas defendendo com as mãos. Desde que chegou ao City, Ederson foi o líder em jogos sem sofrer gols na Premier League três vezes e segundo colocado em duas temporadas. Onana esteve no top-3 do quesito em três temporadas no Ajax.
Ederson ou Onana: dá para apontar um melhor entre eles? Apesar da semelhança na qualidade com os pés, existem pontos de diferença entre os dois goleiros que passam por característica pessoal e pelo plano de jogo de seus respectivos times.
Ederson x Onana: quem é melhor?
O goleiro do City redefiniu a posição sob o comando de Guardiola. Se nos tempos de Bayern o treinador tinha em Neuer um vanguardista que beirava o absurdo quando se falava em goleiro-líbero, o brasileiro é um exemplo contrário: é quase um meia clássico de luvas.
Ederson tem provavelmente a maior potência de um goleiro quando se fala em passes longos e seus lançamentos percorrem grandes distâncias em um curto período de tempo. Isso é uma alternativa do City para jogar contra times que pressionam alto e gera um leque de opções na construção. Se o adversário pressionar, pode ter as costas expostas com jogadores de velocidade como Haaland e Grealish. Se não, vão estar em constante desvantagem e não terão a bola no meio-campo.
Onana, por sua vez, lembra mais Neuer. Mesmo que mais contido na Inter, é um goleiro que avança mais em campo, conduz a bola e até ultrapassa os zagueiros. Ele, inclusive, brigou com o técnico de Camarões na Copa do Mundo porque avançou demais – quebrando a instrução de Rigobert Song e, por isso, foi removido da delegação.
Ele não tem medo de sair do gol, avançar muitos metros e até mesmo dar opção de passe nas costas do marcador. O camaronês, inclusive, fez parte da sua formação na base do Barcelona, entre 2014 e 2015, e a filosofia de manter a bola e progredir criou raízes fortes no seu estilo de jogo.
Os números fazem sentido?
A PL Brasil fez um levantamento com a plataforma de dados “Wyscout” para contextualizar a comparação. Entre goleiros das cinco grandes ligas europeias que disputaram ao menos 24 partidas em seus respectivos campeonatos e podem ser considerados como ativos com os pés (mais de 25 passes por jogo), chegamos a resultados que ilustram as diferenças.
Na comparação, Onana é:
- 5º no comprimento médio dos passes longos – 50 metros
- 6º em passes por jogo – 31
- 6º em passes laterais por jogo – 14,4
- 11º em passes para o último terço – 1,96
Ederson é:
- 4º no índice de acerto dos passes para frente – 84,2%
- 5º que dá menos passes para o último terço – 1,16
- 5º com menor comprimento médio dos passes em geral – 27,46 metros
- 6º em passes certos – 90,2%
Os números também precisam de contexto. Os líderes em passes para frente são Riemann, do Bochum, e Milinkovic-Savic, do Torino, dois goleiros menos dotados com os pés e que estão em equipes que priorizam menos a construção curta. Ou seja, dão mais lançamentos longos – até por isso são os dois líderes no comprimento médio dos passes entre os jogadores registrados. Evidentemente, todo lançamento é um passe para frente, mas nem sempre tem a intenção e a qualidade devida.
Os passes longos de Onana, por exemplo, fazem sentido para a forma com a qual a Inter constrói. Geralmente seis ou sete jogadores participam dessa fase do jogo, com zagueiros e volantes jogando baixo, atraindo a pressão, e os alas se tornam os principais alvos dos lançamentos de média distância do goleiro. Dessa forma a equipe ganha mais terreno com menos passes e tende a sair com espaço para ataques rápidos.
E o modelo de jogo de cada equipe também entra em questão. O City de Guardiola sempre foi um time dominante com a bola, que progride em conjunto e ocupa o campo adversário, então Ederson naturalmente não tem tantos toques quanto seus concorrentes. Inclusive, segundo levantamento da base de dados de inteligência artificial “XValue”, essa é a temporada com mais passes por jogo do brasileiro, de longe: 31,7, em contraste com a média de 25,8 nos cinco primeiros anos.
Onana, com sua característica de ocupar regiões mais altas em campo, progredir com a bola e ser opção de passe em diferentes, é um contraste: tem média de 29,4 passes por jogo nas últimas seis temporadas.
E debaixo das traves?
Ederson se tornou um dos melhores goleiros da Europa com sequência entre os goleiros que menos sofreram gols na Premier League nos últimos anos. No entanto, sua queda debaixo das traves é radical e ilustrada por números da XValue.
Defesas por jogo em todas as competições:
- 2019/20 – 1,99
- 2020/21 – 1,83
- 2021/22 – 1,62
- 2022/23 – 1,31
Os números podem ser traiçoeiros. Defender menos quantitativamente pode significar que o time é tão dominante que sofre pouco, como é o caso do City. Mas, recentemente, o que tem ido ao gol do brasileiro tem entrado com mais frequência do que antes:
Chutes defendidos em todas as competições:
- 2019/20 – 70,8%
- 2020/21 – 70,2%
- 2021/22 – 69,8%
- 2022/23 – 59%
Ederson é o goleiro que menos sofre chutes a gol por jogo (2,08) entre aqueles que têm pelo menos 24 rodadas disputadas nas cinco grandes ligas europeias. É, também, o 7º em menos gols sofridos por partida (0,84). No entanto, é o segundo pior na Premier League em chutes defendidos, à frente somente de Bazunu, do lanterna Southampton (56,7%).
Onana era mais acionado no Ajax e também na Inter e manteve constância exemplar, com aproveitamento até melhor do que Ederson nas defesas – exceto na temporada 2021/22, quando fez apenas seis jogos na Eredivise e foi suspenso depois de ser pego no doping.
Defesas por jogo em todas as competições:
- 2019/20 – 2,13
- 2020/21 – 3
- 2022/23 – 2,58
Chutes defendidos em todas as competições:
- 2019/20 – 70,8%
- 2020/21 – 80%
- 2022/23 – 72,1%
Ederson dominou entre os goleiros da Premier League por anos e, mesmo com grandes atuações e números impecáveis, o contexto de amplo domínio do City e segurança de todo o sistema defensivo – por mais que o brasileiro contribuísse para isso – também ajuda na ótica sobre sua qualidade. Esse é o principal motivo para as avaliações exorbitantes tanto para o positivo quanto para o negativo. Onana não fica para trás: crucial com a equipe encantadora do Ajax e vivendo o estereótipo do “goleiro maluco” com grande qualidade no jogo com os pés.