Uma rápida olhada no Youtube, em qualquer “Best Skills” ou “Top 10 goals” da vida, mostram que Eden Hazard é um jogador diferenciado. Se quiser algo mais recente, os melhores momentos de Chelsea 4 a 1 Cardiff, pela quinta rodada da Premier League, ajudam a deixar isso bem claro.
Em um de seus gols daquele sábado à tarde em Stamford Bridge – o primeiro de três -, ele aprontou para cima da defesa galesa.
Recebendo passe de Giroud, o camisa dez deu um passo em falso com a esquerda e recebeu a bola com a direita, já adiantando ela, num lindo drible de corpo que deixou seu marcador para trás e o lançou à frente, em velocidade, na entrada da área.
Uma ajeitada carinhosa, um chute cruzado rasteiro e a bola foi dormir no canto direito do goleiro Etheridge. Um tipo de gol não muito comum, mas natural para um jogador do calibre de Hazard, farto em técnica, força mental e potência física.
Eden Hazard é um driblador nato, com um infindável repertório de dribles. São fintas complexas, dribles curtos, dribles de corpo, de domínio, e por aí vai.
Mas não se resume a isso. Sua técnica percorre finalizações eficientes, passes precisos e um controle de bola infalível.
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Não à toa, é considerado um dos melhores do mundo, apesar de nunca figurar como finalista nos mais prestigiosos prêmios. Foi “só” eleito o craque da Premier League em 2015. Além disso, levou o de melhor jogador jovem da Inglaterra, em 2013, e da França, em 2009 e 2010.
Cresce a base de fãs que o veem como um jogador completo, capaz de criar jogadas, facilitá-las ou finalizá-las. De fato, seus números dão sustentação à essa crença.
Segundo o Who Scored, das quatro últimas temporadas na PL, em três delas Hazard contribuiu com pelo menos 12 gols e 4 assistências.
Nas quatro, encontrou mais de dois passes-chave (assistência para finalização ou passe para assistência) por jogo.
Ainda assim, a especialidade da casa continuam sendo os dribles curtos em progressão. São inúmeras as arrancadas que o belga deu e dará ao longo da carreira. Saindo preferencialmente da esquerda para descosturar as mais amarradas defesas e criar espaço para fazer o que bem entender com a bola.
No ano passado, foram quase cinco dribles certos por jogo na PL; em 2016/2017, foram quatro, sendo o Chelsea campeão; 2015/2016, com os Blues terminando em décimo, menos de três; e em 2014/2015, também ano de título, teve 4,8 dribles certos por partida.
Para efeito de comparação, são números superiores aos de Sané e Sterling (3.3 e 3, respectivamente) em 2017/2018; a Arjen Robben (2,6) e Lionel Messi (3,7) em 2016/2017; e a Neymar (3,2) e Messi (4,6) em 2014/2015, todos em suas respectivas ligas.
Calmo igual Zizou, hábil como Ronaldinho
O drible, sua maior força e principal característica não poderia ter origem diferente senão sua infância. Desde pequeno, encantava no pequeno Stade Brainais, clube de Braine-le-Comte, município vizinho à sua cidade natal, La Louivière, ambos no distrito Soignies, no norte belga.
“Le petit” Hazard tinha uma fixação em assistir e copiar os movimentos dos seus ídolos da Ligue 1, que passavam aos domingos no Téléfoot, programa com os melhores momentos da rodada francesa, que assistia junto dos irmãos, Thorgan e Kylian.
Conta o livro The Boy in Blue uma anedota de que quando Eden assistiu ao antológico gol de Ronaldinho Gaúcho contra o Guingamp, respondeu, seriamente, à família: “Me dê algumas horas e eu consigo fazer aquilo”.
Naquela altura, o Hazard mais velho já jogava na base do Tubize, clube hoje na segunda divisão do Belgão.
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Não há registros de que ele tenha conseguido reproduzir o gol do craque brasileiro, mas impressionou ainda assim, com um controle de bola acima da média e dribles curtos que não deixam de se assemelhar aos do “Bruxo”.
Mais que o brasileiro, porém, Eden Hazard idolatrava um francês. Zinedine Zidane era quem mais admirava, pelo habilidade, pelo raciocínio rápido e principalmente pela frieza de demonstrava em campo.
“Calmo como Zizou” era uma espécie de mantra para o jovem atacante, que queria mesmo é ser meia.
Em qualquer posição, a combinação da técnica que espelhava de Ronaldinho e da força mental vinda de seu ídolo, além de um equilíbrio fortalecido por aulas de judô o catapultaram do Tuzibe ao sub-15 do Lille, da França, clube pelo qual se profissionalizou em 2007, aos 16 anos.
Sua progressão no Lille foi absurda. De 2008, temporada que integrou de fato o elenco profissional, atuando em 30 partidas, até 2012, ano em que sela sua transferência ao Chelsea, Hazard têm um crescimento assustador.
Em 2008/2009, 4 gols e 2 assistências; em 2009/2010, 5 tentos e 10 passes para gol; já em 2010/2011, 7 e 11, respectivamente, e o título da Ligue 1. Na temporada 2011/2012, Hazard só não fez chover: 20 gols e 18 assistências e mais de 30 milhões de euros no caixa do Lille ao ser negociado para os Blues.
Eden Hazard: um garoto de La Louivière em Londres
No dia 4 de junho de 2012, desembarcava em Londres para assinar por cinco anos com o Chelsea. De certa forma, era assim mesmo como era visto por lá, fosse pelos 21 anos ou pelo comportamento, digamos, “infantil”.
Quando entrou no radar dos Blues, Hazard já era notoriamente um rapaz hiperativo e com dificuldades em lidar com crítica , especialmente depois de explodir no Lille, mas duas histórias da qual protagonizou antes da transferência reforçaram a fama de ter uma personalidade difícil.
A primeira aconteceu em 2011, quando já campeão francês e iniciando protagonismo da seleção belga. Ele foi flagrado em uma lanchonete nos arredores do estádio Rei Balduíno, em Bruxelas, onde jogavam Bélgica x Turquia, pelas eliminatórias da Euro 2012.
Não há nada fora do comum em um jogador comendo um hambúrguer perto do estádio. Bem, a não ser que seja no decorrer de uma partida em que foi substituído aos quinze do segundo tempo.
Imagens de Eden Hazard na lanchonete enquanto o jogo rolava circularam pela Europa, junto de duras críticas ao jogador, que ficou na geladeira dos “Diabos Vermelhos” por três partidas.
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Um ano depois, Eden Hazard jogou sua partida de despedida do Lille embriagado. Com o Francês já decidido e a ida ao Chelsea acertada, não pensou duas vezes ao comemorar até altas horas o novo passo da carreira.
O problema é que tinha um jogo contra o Nancy no dia seguinte.
A história, porém, teve um final feliz, com Eden Hazard fazendo um hat-trick em meia hora de jogo, que terminou em 4 a 1 para o Lille.
Mesmo assim, o episódio serviu para alimentar a parte negativa de sua imagem, ao mesmo tempo que deu ao novo clube a “receita” para superar o problema: a bola.
Na contramão das contratações de jovens, Hazard teve muitos minutos em sua primeira temporada na Inglaterra.
Tanto por seus méritos, tanto pelo momento atribulado de um Chelsea campeão da UCL mas reformulando seu elenco e trocando de treinador em novembro.
Jogou 34 dos 38 jogos da temporada da PL. Já no cenário europeu, foram 13 das 15 partidas, com o time campeão da Liga Europa. Lesionado, não atuou na final contra o Benfica.
Foram 62 partidas do belga em 2012-2013, tendo marcado 13 gols e dado 24 assistências, um número impressionante para um novato. Abaixo de seu potencial, sim, e ele sabia disso. Outro que também sabia era José Mourinho, que viria a ser seu próximo técnico.
Mourinho, a eficiência e a liderança
José Mourinho é tido como um dos melhores técnicos do mundo não somente por ser um vencedor, mas também por elevar o desempenho individual de seus atletas.
Mou é capaz de entrar na cabeça dos boleiros e convencê-los a mudar seu comportamento, seu estilo de jogo, seus objetivos. Um jogador como Hazard em 2013, jovem, técnico, irreverente e ambicioso, era, portanto, um terreno fértil para a obra do treinador.
Assim como fez com Cristiano Ronaldo no Real Madrid, em 2009, o “Special One” colocou todo o talento do belga na direção do gol, tendo resultados imediatos.
De 2013-2014 em diante, com exceção de 2015-2016, Hazard não teve nenhum ano com menos de 16 gols e com média de dribles certos menor do que 3,8 por partida, como mostram o Transfermarkt e o Who Scored.
Como efeito colateral, ficou mais irregular em relação a assistências e passes-chave, mas sempre rondando entre 7 e 13 por temporada, no primeiro caso, e 2 e 5 por jogo, no segundo.
Mas do que em números, Hazard apresentou mudanças em seu comportamento em campo. Passou a ser mais participativo, coletivo e efetivo, uma liderança técnica, enfim, dentro de campo.
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Foi dele o “gol do título” da Premier League 2014-2015, na vitória por 1 a 0 sobre o Crystal Palace. Ele pegou um rebote da própria cobrança de pênalti, que assumiu sem receios.
Já em 2016-2017, no segundo título da PL, foi o vice-artilheiro da equipe. Além disso, foi quem mais marcou gols no chamado top-six inglês, anotando cinco gols nas quatro vitórias da equipe, em dez jogos.
O biênio 2015-2016 que foi uma exceção, sua pior temporada na carreira em números, certamente afetado pela “transição” entre Mourinho e Antonio Conte, temporada em que o Chelsea terminou zerado em troféus e em décimo na Liga.
Essa temporada, inclusive, serviu de combustível para perdurar uma certa desconfiança quanto ao seu nível mundial, mesmo após o título de 16-17.
A maior parte das críticas, no entanto, se direcionavam a sua capacidade de ser “o cara” do time, de controlar as ações, o ritmo, de liderar pela técnica. Até a Copa do Mundo na Rússia.
Sarri e o vácuo de Messi e CR7
No Mundial da Rússia, Eden Hazard foi um legítimo craque. Foi líder, decisivo, incisivo, e driblou, driblou, driblou.
Foram cinco participações diretas em gol em seis partidas, com 3 gols e 2 assistências. Além disso, obteve média de 2,5 passes-chave e 6,7(!) dribles.
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Após mais uma transformação em campo, saindo da Rússia com o terceiro lugar e a Bola de Prata, Eden Hazard, enfim, passou a ter seu nome lembrado quando o assunto é melhores do mundo.
Foi um dos dez indicados ao Prêmio de Melhor do Mundo da FIFA deste ano e entrou para a seleção dos 11 ideiais da FifPro. Antes disso, tinha sido apontado como o Melhor Driblador da Europa. Não tardaram as comparações (ainda que exaltadas) com Messi e “disputas” com Neymar.
A cristalização desse momento foram as especulações ligando seu nome ao Real Madrid, após a saída de Cristiano Ronaldo.
Hazard permaneceu no Chelsea do “projeto Sarri”, e a cada jogo, mostra que a decisão parece ter sido acertada.
O treinador italiano vê o belga pronto para ser um fora-de-série. Logo, têm atribuído a ele uma função ainda mais ofensiva, nos moldes do que fez com Mertens – que foi de um ponta pouco efetivo a goleador com mais de cinquenta gols nas duas últimas temporadas.
O plano parece dar certo. Em seis rodadas na PL 2018-2019, cinco gols, duas assistências e o protagonismo absoluto nos Blues. Com esses números, um título de Liga Europa ou mesmo da Premier League e a deixa do prêmio “The Best” para Modric, quem sabe, talvez…