O volante André, campeão da Libertadores pelo Fluminense e constantemente convocado pela seleção brasileira nos últimos meses, é alvo de grande interesse europeu no mercado da bola. Dois times da Premier League que encabeçaram a disputa, Fulham e Liverpool, inclusive, se enfrentam nesta quarta-feira (24).
Aos 22 anos, o meio-campista já chegou a ser “descartado” pelo Liverpool por avaliação técnica, como adiantou a PL Brasil, e ficou muito perto do Fulham, antes de aparecer o Atlético de Madrid na tentativa de um “chapéu”. Mas o encaixe do jovem na Premier League ainda estimula o imaginário dos torcedores.
E se André estivesse no jogo entre Fulham e Liverpool — tanto em um lado quanto no outro? Ele seria capaz de performar no alto nível que o jogo exige? E, afinal, seria uma mudança positiva ou um empecilho para o funcionamento de cada equipe?
O encaixe no Liverpool
A primeira dificuldade para André no Liverpool seria a pergunta clássica: onde ele jogaria? Jürgen Klopp jamais utilizou uma formação diferente do 4-3-3 na atual temporada, exceto em raros minutos em que teve um jogador a menos. O Fluminense, por sua vez, é bem mais variado em suas formações, mas usou uma com dois volantes, o double pivot inglês, em 81% das vezes no último ano.
No 4-3-3 de Klopp, André primeiramente teria de ser encaixado para depois brigar por posição efetivamente. Por não ser um primeiro volante efetivo — por mais que possa se tornar –, ainda disputaria a posição com um cada vez mais importante Endo, que se mostrou um destruidor crucial para os Reds. Mac Allister também joga ocasionalmente como o mais recuado do meio.
Imediatamente à frente de Endo, Mac Allister e Szoboszlai não parecem suscetíveis a perderem suas vagas para André, nem para ninguém — a não ser por uma rotação natural para descanso ou lesão, como tem acontecido. Ainda assim, Curtis Jones, Gravenberch e Elliott ainda seriam opções naturalmente à frente do brasileiro no primeiro momento.
Como poderia ser na prática?
Apesar da escalação no papel ser um 4-3-3, se tornou comum nos últimos meses a entrada de Alexander-Arnold no meio-campo e a formação de uma dupla de pivôs, na qual o Liverpool acaba se tornando um 3-2-4-1 na prática. O primeiro volante é quem fica alinhado com o lateral-direito e, aí sim, seria algo mais próximo do costume de André no Fluminense e na Seleção.
Ainda assim, a importância defensiva desse jogador ao lado de Alexander-Arnold se dá justamente por deixar o time mais desprotegido em áreas mais baixas do campo. Arnold não é o melhor defensor do time, enquanto a linha de três atrás precisaria de proteção até que se reestruture em uma linha de quatro.
Isso não é algo que não poderia acontecer, no entanto, como ilustrado na imagem acima, em um dos vários lances nos quais o Fluminense se encontra “correndo para trás” defensivamente, com uma última linha desestruturada e André tendo que ser o protetor. Cenas como essa não eram incomuns, uma vez que os times de Diniz são historicamente conhecidos pelas fragilidades defensivas, principalmente defendendo contra-ataques.
Por outro lado, apesar de ser um time que também pressiona alto e é ainda mais intenso, isso é muito raro no Liverpool — um indicador da exigência altíssima de concentração e equilíbrio total do time durante estes momentos do jogo. Tanto que os Reds têm a melhor defesa da Premier League.
Os números defensivos de André — porcentagem em comparação com outros jogadores do Brasileirão 2023
- Duelos – 65%
- Duelos vencidos – 89%
- Interceptações – 66%
- Erros defensivos – 33%
- Adversários enfrentados em 1×1 – 95%
A estatística de porcentagem é uma maneira de mostrar como cada jogador se classifica em comparação com todos os outros no conjunto de dados. Por exemplo, André ter 33% no percentual de erros defensivos mostra que ele provoca um impacto geral maior (ou que ele é melhor nessa estatística) do que 33% dos jogadores no conjunto de dados.
Ou seja, quanto maior o percentual, melhor. Isso mostra como alguns dos principais números de André ainda são os de um defensor sem grande destaque.
O lado positivo seria a formação de um time com grande nível de pressão alta e criatividade. Apesar de não ser um exímio jogador em fase defensiva, André mostra seu melhor lado de defensor em transição, sendo feroz para pressionar e ágil para percorrer espaços, ao menos no ritmo do Brasil.
O encaixe de um trio de meio-campo formado por André, Mac Allister e Szoboszlai se mostra bem equilibrado estatisticamente, segundo gráfico da plataforma “DataMB Football”, levando em consideração dados da temporada passada. É possível constatar que os atributos nos quais um jogador não se destaca, o outro cobre. Porém, o baixo nível defensivo ainda é evidente.
A análise técnica dos Reds, levantada pela PL Brasil, indicava que André não tinha um perfil físico tão adequado para o ritmo exigido na Premier League, uma vez que “os volantes do Liverpool precisam fazer coberturas defensivas muito longas, percorrer muito campo e ter grande assertividade nos duelos, principalmente em pressão alta”. O time inglês também avaliou que André não estaria pronto para fazer isso no nível necessário.
O exemplo dado foi o de Thiago Alcântara, meio-campista muito técnico e menos popular por suas capacidades físicas. Tecnicamente, é um dos melhores do mundo e por isso tem seu lugar, mas ainda sofre com a fisicalidade exigida pela Premier League e pela sua função dentro do elenco dos Reds. Isso, na avalição de ao menos parte dos envolvidos, poderia acontecer com André.
O encaixe no Fulham
André é o pivô que ocupa as regiões mais baixas do campo, sendo muito importante para a progressão de bola do Fluminense. No estilo de futebol de Diniz, tudo se trata das relações entre os jogadores, em vez de maximizar o espaço e ter atletas em zonas específicas.
Isso, por sua vez, cria sobrecargas intencionais em ambos os lados do campo, dependendo de onde está a bola. Isso porque os jogadores não estão confinados a um espaço específico, já que o sistema, de certa forma, “rejeita” a ideia de espaço.
Como André está tipicamente na base dessas sobrecargas, ele também é responsável por recuperar qualquer bola perdida se um dos atacantes for desarmado, a fim de permitir que a equipe mantenha a pressão.
Todas essas características seriam muito benéficas ao Fulham. O encaixe na formação já seria muito mais simples e direto: o time londrino joga com uma dupla de volantes em pelos menos 90% do tempo na temporada.
A questão para André no Fulham pode ficar complicada quando pensamos no lugar de quem ele jogaria. O encaixe ideal parece ser com João Palhinha: traria o equilíbrio técnico, de agilidade e progressão com um volante de grande capacidade física e defensiva, que poderia cobrir as debilidades do brasileiro. No entanto, isso significaria tirar do time Tom Cairney, capitão e um dos principais jogadores da equipe — o que parece difícil.
Cairney é o jogador com mais passes por jogo no Fulham (com exceção dos defensores), o segundo em assistências e o terceiro com mais grandes chances criadas. A ideia do clube inglês com a busca por André parece ser justamente substituir Palhinha, que já foi ligado ao Bayern de Munique na janela de transferências. No entanto, são perfis bem diferentes.
Palhinha no Fulham em 2023/24 (excluindo defensores):
- 1º em duelos
- 1º em interceptações
- 1º em lançamentos
- 1º em bolas afastadas
- 1º em cartões amarelos
Mesmo contando os defensores, o português ainda é o líder isolado em duelos (5 por jogo, contra 2,7 do segundo colocado) e cartões amarelos (8). Seu perfil físico e bom jogo aéreo também são bem diferentes dos de André, e seria uma perda significativa no lado defensivo do time de Marco Silva.
Por outro lado, o porte avantajado o faz lento para reagir contra alguns adversários mais rápidos, principalmente defendendo um jogador de costas, o que acaba gerando em faltas e cartões. André, mais ágil e com bom tempo de reação, pode mostrar uma valência inédita ao time.
Com a bola, na prática
Uma das maiores habilidades de André é seu passe: ele é extremamente capaz de quebrar linhas em áreas avançadas ou lançar a bola por trás da defesa adversária, mas o contexto disso deve ser levado em consideração: ele encontraria um modelo de jogo muito diferente no Fulham e, por isso, poderia acabar não mostrando todo o seu potencial inicialmente.
O volante é beneficiado pelo fato de haver tantas opções ofensivas que surgem frequentemente à sua frente. Enquanto ele está na base das sobrecargas na maior parte do tempo, não é o único lugar onde tem sucesso. André gosta de recuar entre os zagueiros para receber a bola ou atrás da primeira linha de pressão, onde recebe o passe com uma postura corporal adequada, na maioria das vezes, e verifica ambos os ombros para ter uma visão geral.
Ele ainda não é um pivô perfeito: poderia escapar melhor da sombra do marcador para ser uma opção para seus zagueiros centrais, já que às vezes não cria o ângulo para o passe em sua direção. Ainda assim, quando recebe nessas áreas, André é bom em atrair a pressão e depois jogar a bola no espaço vago ou avançar para o espaço com a bola nos pés.
Uma das grandes superioridades de André em comparação com Palhinha é a noção de espaço com a bola. No lance da imagem acima, contra o Liverpool, o português recebe um passe vindo da lateral, decide devolver a bola para o companheiro com espaço limitado, em uma região que está sobrecarregada e em desvantagem numérica, ao invés de usar o grande espaço que tem nas suas costas. O brasileiro, por sua vez, teria muita facilidade em girar com um toque e dar prosseguimento à jogada em regiões menos pressionadas.
Atrair a pressão é algo que o Fulham não faz, mas pode ser uma arma para André ajudar o time quando está nesse tipo de situação. O brasileiro faz isso colocando o pé na bola e atrai a oposição para a área que deseja, o que se tornou uma característica registrada da equipe do Brighton de De Zerbi, por exemplo.
No exemplo acima, em um clássico contra o Flamengo, André mostra como tem grande noção de espaço. Aparece como opção perto da zona de pressão do Flamengo, mapeia o campo antes de receber, pede a bola e, com um toque, domina orientando o corpo para o lado contrário, tirando a bola da pressão e progredindo com um lançamento.
André tem bons argumentos para os dois lados
Ao passo que o volante do Fluminense tem bons argumentos para sustentar sua ida tanto a Liverpool quanto a Fulham — apesar de poder encontrar dificuldade nos encaixes em ambos os clubes –, ainda precisaria elevar o nível de alguns de seus pormenores em campo. O que, evidentemente, acontecerá com o tempo que passar na Europa.
De um ponto de vista mais técnico, André ainda precisa melhorar na arte de escapar da sombra do marcador e se tornar mais eficiente em se colocar como uma opção entre as linhas. Uma boa estrutura de pressão adversária poderia excluí-lo do jogo se não lhe for dada a liberdade para recuar entre seus dois zagueiros, receber a bola deles e conduzir o jogo.
Fora da bola, ele precisará ser mais rápido em reconhecer passes/perigos potenciais, como mencionado anteriormente, o que se resume à concentração, e pode ser explorado por oponentes de maior qualidade.
Após três anos de futebol regular no Brasileirão e na Libertadores, é seguro dizer que André floresceu como um jogador de excelente potencial, exceto por algumas ocasionais lesões. Ele já dominou muitas características e agora precisa aprimorá-las e se tornar consistente semana após semana.
A única maneira de melhorar é ir para um clube maior, onde competirá com jogadores de qualidade muito superior aos que o Brasil tem a oferecer. E com clubes como Fulham e Liverpool o perseguindo, o futuro parece promissor.