Toda vez que Declan Rice tocava na bola, o London Stadium inteiro vaiava. O volante de 25 anos disputava o primeiro jogo de Premier League na sua antiga casa.
Assim como já tinham feito em dezembro, na vitória por 2 a 0 em pleno Emirates Stadium, a torcida do West Ham cantou duas vezes no início do jogo:
Provocação mais do que normal para um jogador que trocou o time que defendia desde os 14 anos por um dos maiores rivais.
Quis o destino que Rice participasse diretamente de três gols em um único jogo pela primeira vez na sua carreira. Deu duas assistências logo no primeiro tempo da partida da Premier League. Mas foi na etapa final, ao marcar um dos gols mais bonitos como jogador profissional, que os torcedores dos Hammers mostraram que reconhecem a linda história que ele construiu no clube. Rice, respeitosamente, não comemorou.
Fez o sinal de desculpa e se dirigiu lentamente, até um pouco constrangido, ao setor destinado à torcida do Arsenal. Enquanto recebia o abraço dos companheiros, passou a ser aplaudido por um grupo de torcedores do West Ham que estavam ali, a poucos metros dele.
O resto do estádio acompanhava em silêncio. Minutos depois, com o jogo já resolvido, Mikel Arteta resolveu substituí-lo. Veio então a prova final de respeito. Todos se levantaram para aplaudir Declan Rice, que respondeu fazendo gestos de agradecimento.
Gente, estamos falando de um time que, aos 20 minutos do segundo tempo, estava perdendo de 6 a 0, em casa, para um dos maiores rivais. Para completar a humilhação, foi o maior ídolo da história recente do clube, que meses atrás era o capitão e levantou a primeira taça do West Ham em 43 anos, que marcou o golaço de fora da área que definiu a goleada.
Foi a pior derrota do West Ham jogando em casa na história da Premier League.
De um time que vive péssima fase, ainda sem vencer uma partida sequer em 2024. Em muitos outros lugares, o ensolarado dia de domingo teria acabado em caos. Rice teria sido xingado e provavelmente receberia garrafas, copos e todo tipo de objetos sendo jogados da arquibancada.
Aqueles torcedores que descontam todas as suas insatisfações e angústias no futebol, teriam aproveitado o momento para colocar para fora a raiva que sentem do mundo atacando o ex-jogador do seu time. Nada disso aconteceu.
Eu nunca tinha visto tanta gente sair do estádio antes do intervalo. Aliás, quando o Arsenal fez o terceiro gol, aos 44 minutos do primeiro tempo, muitos já começaram a ir embora. No instante em que Trossard marcou o quarto, ainda na etapa inicial, já existia uma boa quantidade de cadeiras vazias em todos os setores do estádio.
As cenas do entorno do London Stadium cheio de torcedores antes mesmo do fim do primeiro tempo rodaram o mundo. Quando o juiz apitou o final da etapa inicial, quem não tinha ido embora, vaiou. Conforme os gols foram saindo nos 45 minutos finais, mais gente se dirigia para a saída. Lá para os 20 minutos, mais da metade dos assentos já estavam sem ninguém. Não houve nenhum tipo de agressão, briga, confronto com a polícia ou depredação.
A maneira que o torcedor encontrou para protestar foi simplesmente ir embora. Mostrar desprezo pelos responsáveis por um dos maiores vexames da história do clube. Perguntado depois do jogo pela Premier League, James Ward-Prowse afirmou que os jogadores perceberam que os torcedores começaram a sair do estádio ainda no primeiro tempo e que foi um momento muito triste para ele.
Disse ainda que entende toda a insatisfação, e que se fosse um torcedor, provavelmente faria o mesmo. Terminou pedindo desculpas aos mais de 60 mil aficionados que foram ver o jogo. O técnico David Moyes também falou que compreendeu perfeitamente a atitude dos fãs. Ou seja, recado dado pelos torcedores, da maneira mais pacífica e inteligente possível. Todos os profissionais do clube entenderam.
E só para deixar bem claro: já falei mil vezes que, se tem uma coisa que não gosto na Premier League, é a atmosfera nos estádios. Torcidas que não cantam, todos sentados, comemorações modestas de gols. O ambiente não tem nem comparação com o que vemos no Brasil, Argentina, ou até mesmo em outros países europeus como Turquia e Alemanha.
Mas, em tempos tão sombrios, de tanta guerra e ódio, é preciso reconhecer qualquer gesto de respeito e civilidade. Confesso ter ficado até um pouco emocionando ao presenciar o Rice sendo aplaudido de pé no London Stadium.