Cunningham, Regis e Batson: O trio do West Brom que enfrentou o racismo

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O racismo é uma batalha constante enfrentada por milhões de pessoas ao redor do mundo. Em diferentes esferas da sociedade, a luta contra o preconceito é diária, seja nas ruas, no trabalho ou na educação.

No futebol, esporte que reflete e amplifica as dinâmicas sociais, essa luta racial ganha contornos ainda mais visíveis. Embora o campo de jogo seja um lugar de celebração da diversidade, com atletas de diferentes etnias, origens e culturas, o racismo continua a se manifestar, tanto nas arquibancadas quanto nas atitudes dentro e fora dos estádios.

O futebol se torna não apenas um local de competição, mas também um campo de resistência, onde a luta contra o preconceito se torna tão essencial. É com esse cenário que Laurie Cunningham, Cryille Regis e Bradon Batson enfrentaram durante a carreira nos campos da Inglaterra.

A chegada de imigrantes na Inglaterra

Antes é preciso compreender o contexto do país na época. No fim da década de 1950, as colônias inglesas no Caribe conseguiram a independência política e, por esse motivo, grande parte dos imigrantes (majoritariamente negros) da Jamaica, Bermudas e Trindade e Tobago mudaram-se para as periferias dos grandes centros urbanos, industriais e para a região de West Midlands na Inglaterra, onde se localizam clubes como Wolverhampton, Coventry City e West Brom.

No final dos anos 1960, a cultura inglesa estava passando por um mudança. Música, culinária e esportes trazida pelos imigrantes estavam aparecendo em todos os âmbitos e isso irritou muitos cidadãos brancos ingleses.

Diante desse cenário, grupos conservadores radicais e racistas, como a Frente Nacional e o Movimento Britânico, organizaram protestos nas ruas, exigindo o fim da imigração e a expulsão de imigrantes. Eles argumentaram que esses imigrantes eram os principais responsáveis ​​pelo aumento do desemprego e pela crise econômica que o país enfrentou na década de 1970.

Esses protestos também estavam presente no futebol. Nos estádios, torcedores utilizavam ofensas raciais contra atletas negros e atiravam bananas em campo.

As chegadas de Cunningham, Regis e Batson no West Brom

Nesse contexto, o primeiro trio de jogadores negros a atuar junto na Inglaterra surgiu no West Bromwich. Eram eles: Laurie Cunningham, Cryille Regis e Brandon Batson, apelidados como ‘The Three Degrees’ (em alusão ao grupo musical homônimo dos Estados Unidos).

O primeiro a chegar no clube foi o atacante Cunningham, descendentes de jamaicanos, em março de 1977. Ex-jogador do Leuton Orient, o jogador de 21 anos havia sido destaque na segunda divisão por três temporadas e chegou em West Midlands como uma grande promessa. A sua principal características eram as jogadas pela linha de fundo, misturando velocidade e dribles para deixar os companheiros de equipe em condições para balançar a rede.

Dois meses depois os Baggies anunciaram a contratação de Regis, nascido na Guiana Francesa, e viu a sua vida mudar. Aos 19 anos, ele trabalhava em obras para se sustentar, enquanto jogava em divisões inferiores na Inglaterra.

A contratação de Regis foi financiada pelo treinador do West Brom na época, Ronnie Allen. Dentro de campo, ele era um jogador forte e uma referência no time, chamando a atenção pela habilidade, velocidade e finalização fatal.

No ano seguinte, em fevereiro de 1978, Batson, o último do trio, chegou ao clube. Natural de Granada, no Caribe, o lateral-direito passou por Arsenal, Cambridge United e divisões inferiores da Inglaterra.

A luta do ‘Three Degrees’ contra o racismo

Com o trio em campo, o West Bromwich se destacou dentro de campo, principalmente ao alcançar o terceiro lugar do Campeonato Inglês de 1978/79. Ao mesmo tempo, os Three Degrees lutaram contra o racismo das arquibancadas.

Mostrando a habilidade em campo com a bola, o trio não se igualou ao baixo nível dos preconceituosos. Eles conseguiram forças para encarar inúmeras situações de intolerância.

Em um jogo contra o Tottenham, torcedores levaram bananas aos estádios e faziam imitações de macaco. Nas arquibancadas também era possível ouvir ataques para Regis. “O grande Cyrille está em uma árvore”, entoavam a torcida. Para uma partida contra o Everton, a torcida pressionou o técnico Ron Atkinson para não escalar os jogadores.

Batson relatou ao livro “The Three Degress”, escrito por Paul Rees, o racismo enfrentado durante os jogos na Inglaterra.

— Nós saíamos do treino em partidas fora e a Frente Nacional estava bem na nossa cara. Naquela época, não tínhamos segurança . Chegávamos à entrada dos jogadores e cuspiam na minha jaqueta ou na camisa de Cyrille. Foi um sinal dos tempos. Eu não me lembro de fazer um escarcéu e chorar sobre isso. Nós lidamos. Não foi um fenômeno novo para nós — destacou Brandon Batson.

Na seleção não era diferente. Em setembro de 1978, Regis fez a estreia no time sub-21 da Inglaterra contra a Dinamarca. O destaque do jogo foi Garth Crooks, outro jogador negro, ao marcar três gols pela seleção inglesa. O autor do hat-trick saiu de campo ao som de ofensas racistas dos ingleses.

Das ameaças para as homenagens

O racismo não era escancarado somente dentro das quatro linhas. Constantemente Cunningham era alvo de mensagens de ódio por conta de seu relacionamento com Nicky Brown, uma mulher branca. Ameaças de morte foram feitas na porta de casa do casal em Birmingham, com bomba de gasolina sendo jogada no local.

Os jogadores brancos do West Brom recebiam cartas de torcedores sendo questionados como “ingleses legítimos” poderiam tolerar atletas negros na equipe.

Enquanto os torcedores demonstravam o preconceito pelas ruas e estádios, a imprensa inglesa e a Associação de Futebol (FA) ignorava os episódios.

Os “Three Degrees” enfrentaram a intolerância de cabeça erguida e encantaram com o talento dentro do campo. O trio foi fundamental para abrir as portas para outros atletas negros atuarem na Inglaterra.

Em maio de 2019, Laurie Cunningham, Cryille Regis e Brandon Batson viraram uma estátua no centro da cidade de West Bromwich, financiada por torcedores. É a materialização de seus enfrentamentos, que ficarão marcados para sempre na história, e servirão de exemplo para as gerações futuras.

Gabriel Lemes
Gabriel Lemes

Me formei em Jornalismo pela Univap em 2019 e sou redator da PL Brasil. Já escrevi para o Quinto Quarto, Minha Torcida, Futebol na Veia e Portal Famosos.