Por que tem uma flâmula do Corinthians no museu do Arsenal?

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O Emirates Stadium, casa do Arsenal na região norte de Londres, é parada obrigatória para qualquer fã de futebol que visita a capital da Inglaterra. Embora não seja simples comprar um ingresso para um jogo, é tranquilo adquirir uma entrada para o tour no local que te dá acesso às arquibancadas, ao vestiário e à sala de troféus dos Gunners em dias sem partidas.

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A parada final do tour é um pequeno museu onde os visitantes podem conhecer “The Arsenal Story”, uma espécie de túnel do tempo que conta como o clube foi de sua fundação à fama mundial. A PL Brasil esteve lá e viu tudo de perto. O lugar tem fotos de títulos antigos, murais dedicados ao time feminino, aos “Invincibles” de 2003/04 e até o pedaço de grama onde ficava a marca central do gramado do antigo Highbury, estádio demolido em 2006.

Mas, logo na entrada do museu, algo chama ainda mais a atenção do fã brasileiro. O lugar tem uma flâmula do Corinthians pendurada na sua escada de acesso, ao lado de outros clubes como Real Madrid, Borussia Monchengladbach e Inter de Milão. Não o homônimo inglês que inspirou o nome do clube popular brasileiro, mas sim o próprio Sport Club Corinthians Paulista.

Seria uma homenagem ao diretor Edu Gaspar, criado no Timão? Um agradecimento pelo Corinthians ter vencido o rival Chelsea na final do Mundial de 2012?

A PL Brasil foi atrás para descobrir o que está por trás da curiosa representatividade corintiana na história dos Gunners.

Flâmula remete a amistoso de 1949

Já garantimos que a história nem é tão difícil de desvendar. Em contato com o setor de história do Corinthians, a reportagem da PL Brasil descobriu que a flâmula é oriunda de um amistoso realizado entre Arsenal e Corinthians, no Pacaembu, em 22 de maio de 1949.

Certamente é desse jogo. O Arsenal enfrentou o Corinthians no Pacaembu com 50 mil pessoas durante uma excursão na qual queriam jogar com os melhores times do país. O Corinthians, apesar de viver um jejum de títulos, tinha um esquadrão — afirmou Fernando Wanner, historiador do Corinthians.

O Timão estava há oito anos sem ganhar nada — seu último título havia sido o Paulistão de 1941 –, mas de fato tinha no amistoso um dos times mais marcantes de sua história. No ataque, estavam Cláudio e Baltazar, os dois maiores artilheiros da história do clube paulista. O primeiro fez 305 gols entre 1945 e 1957, enquanto o segundo marcou 269 vezes no mesmo período. Era a formação da equipe que viria a ganhar o Torneio Rio-São Paulo do ano seguinte, que na época equivalia a um título brasileiro.

Montagem com fotos da partida de 1949 - Foto: Acervo "O Estado de S. Paulo"
Montagem com fotos da partida de 1949 – Foto: Acervo “O Estado de S. Paulo”

O Arsenal, por sua vez, tinha sido campeão inglês uma temporada antes (1947-48) e ainda renovaria o título em 1952-53 antes de encarar 17 anos de jejum. Os Gunners também estavam prestes a vencer a Copa da Inglaterra de 1949-50.

Wanner ainda ressalta que o amistoso provavelmente também aconteceu graças à influência do presidente corintiano, Alfredo Ignácio Trindade, “uma pessoa muito bem relacionada”. Trindade foi presidente do Corinthians por oito mandatos — dois entre 1943 e 1947 e seis entre 1949 e 1959.

Como foi o jogo

Corinthians e Arsenal foram jogar no Pacaembu numa tarde de um domingo de outono. O Corinthians alinhou o time com Bino, Belacosa e Rubens; Helio (Belfare), Touguinha (Hélio) e Belfare (Milton); Cláudio, Edélcio, Baltazar, Nenê (Rui) e Noronha. Joreca treinava os brasileiros.

Já o Arsenal jogou com Swindin, Smith e Barnes; Mac Cauley, Daniels e Forbes; Roppert (Mac Pherson), Logie (Roppert), Lewis (Rook), Lishman (Walace) e Vallance (Jones).

Matéria no Estadão sobre a partida - Foto: Acervo histórico do Corinthians
Matéria no Estadão sobre a partida – Foto: Acervo histórico do Corinthians

Os relatos da imprensa brasileira da época contam que o Corinthians foi superior no primeiro tempo, mas incapaz de tirar o zero do placar. Assim, na etapa final, os ingleses, mais preparados fisicamente, fizeram os dois gols que decidiram a partida, marcados por Lishman e Vallance.

Graças a uma pesquisa feita pelos historiadores do Corinthians, Fernando Wanner e Anderson Adriano, a PL Brasil teve acesso às edições impressas de “Folha de S. Paulo” e do “O Estado de S. Paulo” dos dias posteriores ao jogo. O Estadão, em matéria publicada em 24 de maio de 1949, resume bem o sentimento acerca do encontro.

— Em todo o transcorrer do primeiro tempo, os alvinegros foram senhores absolutos do campo, obrigando os adversários a um jogo exclusivamente defensivo. É certo que os avantes falharam pelo excesso de fintas mas, se não fosse por isso, teriam marcado no mínimo três pontos (…) Os corinthianos desenvolveram um futebol superior e mais vistoso. Os componentes do Arsenal não puderam demonstrar nada de notável: pelo contrário, exibiram um futebol medíocre.

O jornal seguiu explicando os motivos para a queda de desempenho dos brasileiros no segundo tempo.

— No segundo tempo, viu-se uma queda inexplicável do Corinthians, atribuída ao cansaço. Não há dúvidas que os britânicos são verdadeiros atletas e não somente futebolistas, tanto assim que deixaram o campo sem nenhum indício de esgotamento. (…) Pode-se dizer, sem receio de engano, que o resultado não reflete de modo algum o transcorrer da partida. (…) Com futebolistas fisicamente mais preparados, o Corinthians teria obtido a vitória com facilidade. De qualquer modo, o Arsenal não provou a superioridade do futebol inglês em que muita gente acredita sobre o sul-americano — continua o texto.

Vale lembrar que, a época do jogo, o Brasil não tinha disputado sequer uma final de Copa do Mundo. A Seleção, que viria a ser pentacampeã, só jogaria sua primeira decisão no ano seguinte, uma traumática derrota para o Uruguai no Maracanã. E o primeiro título mundial do futebol brasileiro só viria dali nove anos, em 1958.

Matéria na Folha de S. Paulo sobre a partida - Foto: Acervo histórico do Corinthians

Matéria na Folha de S. Paulo sobre a partida – Foto: Acervo histórico do Corinthians

O texto do Estadão ainda afirmou que faltavam aos jogadores brasileiros “resistência moral e preparação física”, enquanto os ingleses sobravam nesses critérios pelo seu estilo de vida “são e metódico”. O jornal ainda ressaltou que o Arsenal veio jogar contra times brasileiros em “fase de preparo”, citando como exemplo o Palmeiras, que havia enfrentado os Gunners quatro dias antes num momento em que “experimenta vários elementos novos”. “Não obstante, os paulistas tiveram a satisfação de não se entristecer com o nosso futebol, a despeito do êxito dos visitantes“, diz o texto.

A reportagem da Folha de 23 de maio de 1949 vai na mesma linha, a começar pelo título: “Não soube o Corinthians explorar o seu domínio inicial“. A chamada do jornal destaca a reação do Arsenal no segundo tempo, diz que a partida agradou aos torcedores corinthianos e ainda elogia a arbitragem do inglês Cecil Barrick.

O episódio é legal para a nova geração saber que os times brasileiros já tiveram grandes jogos com clubes europeus, porque tinham muita visibilidade“, acrescenta Wanner.

A excursão do Arsenal

O amistoso diante do Corinthians, em São Paulo, foi o terceiro da série de sete jogos que o Arsenal fez no Brasil entre maio e junho de 1949. Os Gunners começaram a jornada goleando o Fluminense por 5 a 1, no dia 15 de maio, e fecharam com uma derrota para o São Paulo em 4 de junho. No meio, além da vitória sobre o Corinthians, os londrinos perderam para Vasco e Flamengo, e empataram com Botafogo e Palmeiras.

Os jogos dos Gunners no Brasil

  • Fluminense 1×5 Arsenal – 15/05/1949
  • Palmeiras 1×1 Arsenal – 18/05/1949
  • Corinthians 0x2 Arsenal – 22/05/1949
  • Vasco 1×0 Arsenal – 25/05/1949
  • Flamengo 3×1 Arsenal – 29/05/1949
  • Botafogo 2×2 Arsenal – 01/06/1949
  • São Paulo 1×0 Arsenal – 04/06/1949

O outro duelo entre Corinthians e Arsenal

Por incrível que pareça, essa não foi a única vez que Corinthians e Arsenal se enfrentaram. O segundo e último confronto entre ingleses e brasileiros aconteceu no dia 16 de novembro de 1965, em Londres. Na oportunidade, o time paulista representou a seleção brasileira a pedido da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) no amistoso em terras inglesas, que terminou com o mesmo resultado do jogo em São Paulo: 2 a 0 para os Gunners.

O jogo marcou a primeira vez que um clube brasileiro representou a Seleção em amistosos fora do país. Dois meses antes, o Palmeiras tinha feito o mesmo no amistoso contra o Uruguai, mas o jogo foi em Belo Horizonte.

Vestindo a camisa azul da CBD, o Corinthians foi a campo com Marcial, Galhardo (Jair Marinho), Eduardo, Clóvis e Édson “Cegonha”; Dino Sani e Rivellino; Marcos, Flávio, Nei e Geraldo. Oswaldo Brandão era o treinador. Novamente, o clube vivia um largo jejum (este de 11 anos), mas venceria o Torneio Rio-São Paulo exatamente no ano seguinte.

Já o Arsenal jogou com Burns (Fornell); Howe, Storey, Neil; Curt, McLintock; Skirton, Sammels, Baker, Eastham e Armstrong. Sammels fez os dois gols da partida para os londrinos, que na época não venciam nada desde 1953.

O episódio motivou a criação de uma terceira camisa azul para o Corinthians, que foi usada durante a temporada de 2013.

A ligação do Corinthians com o futebol inglês

A relação dos corinthianos com o futebol da ilha britânica vai muito além dos amistosos contra o Arsenal ou do título mundial vencido em cima do Chelsea, em 2012. O nome do Corinthians foi escolhido por um grupo de operários do bairro de Bom Retiro, na zona central de São Paulo, inspirado no Corinthian Football Club, equipe inglesa de futebol fundada em 1882 que na época excursionava pelo Brasil.

O Corinthian, com sede em Londres, na época era tido como um dos principais clubes do mundo. Tanto que, entre agosto e setembro de 1910, goleou o Fluminense por 10 a 1; fez 8 a 1 contra um combinado carioca; 5 a 2 contra um combinado brasileiro; 2 a 0 na Associação Atlética das Palmeiras; 5 a 0 no Paulistano; e 8 a 0 no São Paulo Athletic Club, time do Charles Miller.

O time londrino perdeu força com o avanço do profissionalismo no futebol inglês e, em 1939, se fundiu com o Casuals, outro clube amador da capital, para formar o Corinthian Casuals, clube que existe até hoje e disputa a sétima divisão da Inglaterra. Foi essa equipe que jogou um amistoso contra o Corinthians em 2015, como forma de homenagem, em Itaquera.

Coincidência no duelo contra o Liverpool… do Uruguai

Outra coincidência é que o Corinthians estreia na Libertadores nesta quinta-feira (6) contra o Liverpool do Uruguai, outro time sul-americano cujo nome foi inspirado numa equipe da Inglaterra.

A fundação do Liverpool uruguaio remonta a fevereiro de 1915. Na época, estudantes de um colégio católico de Nuevo Paris, um bairro de Montevidéu, resolveram montar um clube de futebol, mas não sabiam qual nome escolher. Reza a lenda então que um de seus fundadores, Julio Freire, teve a ideia enquanto estudava o mapa da Inglaterra.

Ao olhar a cidade de Liverpool no mapa, Freire se lembrou das aulas de geografia onde a cidade inglesa era destacada como sede do porto mais importante da ilha. De lá zarpavam quase todos os navios que operavam em Montevideo. Por isso, resolveram homenagear a cidade no nome do clube.

Diogo Magri
Diogo Magri

Jornalista nascido em Campinas, morador de São Paulo e formado pela ECA-USP. Subcoordenador da PL Brasil desde 2023. Cobri Copa América, Copa do Mundo e Olimpíadas no EL PAÍS, eleições nacionais na Revista Veja e fui editor de conteúdo nas redes sociais do Futebol Globo CBN.

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