Além da negociação: Como funciona o trabalho de scouts particulares com jogadores da Premier League

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O uso de empresas de scout para auxiliar na negociação de novos contratos com clubes de futebol parece estar se tornando uma tendência. Depois de ser usada por Kevin De Bruyne quando o belga renovou seu contrato com o Manchester City em 2021, a estratégia tem sido utilizada por outros atletas — incluindo jogadores brasileiros.

Mas essa é apenas uma pequena parte do trabalho dessas agências, que estão sendo contratadas cada vez mais para ajudar no desempenho de atletas atuando no exterior. Você sabe como é o dia a dia dos profissionais que prestam assessoria tática a jogadores?

Para entender, na prática, como funciona o trabalho das empresas de scout, a PL Brasil  conversou com João Marcos Vojnovic, criador da Pro Scout Agency, e Diego Vieira, sócio fundador da OutlierFC.

Regra de ouro: Scout não passa por cima de clube, nem de treinador

Algumas pessoas ficam com o pé atrás em relação às agências de scout que trabalham individualmente com jogadores por acreditar que as orientações “passam por cima” do que é definido pelos treinadores. Mas não é assim que funciona na prática. Diego explica que a ideia inicial é entender todas as preferências do técnico e que isso tem que ser seguido à risca pelo cliente.

— Dentro desse processo, haverá maneiras de que ele (jogador) pode executar tal função que também favorece o desenvolvimento individual dele. Mas o produto final ali precisa ser de acordo com o que o treinador quer porque é ele que está no comando — diz Diego.

O sócio fundador da Outlier comenta que não adianta falar em desenvolver os clientes pensando em titularidade, minutos em campo, renovação de contrato e convocação para a seleção brasileira se ele não fizer o básico, que é cumprir uma função determinada pelo treinador.

Ele usa uma analogia bastante didática para explicar como funciona essa dinâmica: a contratação de aulas particulares para ajudar no entendimento de uma matéria na qual se tem dificuldade na escola.

— Vamos dar o exemplo da aula de Matemática, que certos professores deixavam fazer a equação toda no papel e outros diziam que poderia responder o resultado direto. O professor particular vai te ensinar todo o raciocínio por trás, mas a forma de se colocar no papel vai da preferência do professor principal. Porque, afinal de contas, ele é que corrige a prova — relata Diego.

Vojnovic usa o trabalho da agência com Royal, no Tottenham, para explicar essa assistência que as empresas oferecem aos jogadores. Ele conta que, por ser um clube de fora do país, não há um contato direto com a comissão técnica dos Spurs. Quem faz a ponte entre o que é pedido por Ange Postecoglou e sua equipe é o próprio lateral.

— Isso é o fator principal do nosso trabalho, a gente nunca vai levar o atleta a andar por um caminho que o clube não permita. Um exemplo: às vezes, a gente fala [para o Royal], ‘uma equipe específica fecha mais por fora e deixa [espaço] por dentro, então se você fizer esse caminho, pode ser mais interessante para você receber e dar mais dinâmica ao jogo’. Mas se a comissão técnica pedir para ele ficar aberto e jogar na linha lateral, a gente sempre fala ‘então vamos nos planejar para jogar ali, o que a gente pode fazer dentro do que eles pedem que pode ser melhor’ — exemplifica Vojnovic,

Andrey Santos e Emerson Royal: retratos da preparação com scout

emerson royal tottenham
Foto: Icon Sport

O trabalho de uma agência de scout também passar por preparar os atletas para mudanças rotineiras na vida de um jogador: a troca de clube ou adaptação a um novo treinador. Foi o que aconteceu com Royal, que, sob o comando de Ange no Tottenham, fez uma função diferente das exercidas com os treinadores anteriores ao australiano.

Vojnovic relatou que assim que a contratação do novo treinador foi oficializada, a Pro Scout já foi atrás de montar um relatório para que o lateral se adaptasse às características dele.

— Toda nossa preparação parte como base conhecer o método do treinador. Quando a gente soube que o Postecoglou chega com um estilo de jogo totalmente diferente do que o Tottenham vinha praticando nos anos anteriores, até mesmo desde que o Royal chegou, essa nossa adaptação começou muito cedo. Quando o Ange acaba de assinar com o Tottenham, antes mesmo dos amistosos preparatórios, nos reunimos, fizemos um estudo sobre como ele pensa futebol, o que ele trazia para o Celtic antes de chegar no Tottenham. Então, tudo isso era pensado. 

Além da qualidade de Royal, Vojnovic acredita que esse trabalho ajudou a tornar o jogador mais versátil. O resultado disso foi o fato de o brasileiro ter sido escalado como zagueiro em vários jogos quando o Tottenham passou a sofrer com lesões no setor defensivo. Seu desempenho foi elogiado não apenas pelo treinador em coletivas, mas pelos torcedores nas redes sociais.

O fundador da Pro Scout aponta que o trabalho como zagueiro já havia começado no final da temporada passada, mas a atuação pela lateral esquerda “foi uma super novidade”.

— Isso é uma coisa que, também pelo estilo de jogo do Ange, a gente estudou lá atrás antes dele fazer até o primeiro amistoso. A gente já sabia que poderia acontecer porque, ali, o lateral não é aquele que fica preso na linha de fundo, de precisar 100% da perna esquerda. Então, como ele tem a liberdade para jogar um pouco mais por dentro, acabou até que facilitando para o Royal. Ele acabou, como a gente chama hoje, jogando de lateral invertido, que é o lateral que joga por dentro. E ali, com toda a capacidade dele de construção, de jogo curto, (essa mudança) acabou até nos ajudando.

(Foto: Icon Sport)

A situação de Andrey Santos também é um retrato disso. A jovem promessa brasileira viveu um impasse na primeira metade desta temporada, na qual foi emprestado ao Nottingham Forest. Como não estava tendo minutos em campo com o treinador Steve Cooper, o jogador voltou ao Chelsea e, em seguida, emprestado dessa vez ao Strasbourg, da França.

O brasileiro deixou o Forest dias depois que Nuno Espírito Santo chegou para assumir o comando da equipe e acabou não tendo tempo para trabalhar com o novo treinador.

No entanto, Diego revelou que, mesmo assim, a empresa preparou um material sobre o português e apresentou a Andrey para que ele pudesse se adaptar o quanto antes e, quem sabe, ganhar mais espaço na equipe caso tivesse permanecido.

— A gente teve que criar todo o material, fazer um levantamento do Nuno Espírito Santo, dos últimos trabalhos, dos últimos cinco, seis anos, para mostrar ao Andrey quais são as preferências do treinador naquela posição para que ele tire e tente entender o mais rápido possível, se adaptar e conseguir jogar — revelou Diego.

Toda vez que um cliente nosso troca de time ou o clube troca de treinador, a gente precisa fazer um estudo aprofundado do que é esse treinador, como ele joga, as preferências de posição propriamente, e juntar com o que já estava sendo feito individualmente antes da mudança. É muito trabalho, não é planejado, mas é uma realidade — completou o sócio da Outlier.

Uso do scout veio para ficar, mas vai além dos ‘apps de estatísticas’

Ambos os especialistas ouvidos pela PL Brasil acreditam que a assessoria tática, tanto para ajudar no desempenho como nas negociações, é uma tendência que veio para ficar no futebol.

Diego enxerga esse movimento “com bons olhos” e acredita que isso diz muito sobre o “desenvolvimento do futebol como um todo”. Mas ele faz uma ressalva quanto ao uso de aplicativos e plataformas de estatísticas.

— A gente sabe que hoje, com inteligência artificial, com celular, como você consome muita informação, você não tem tanto controle do que é bom ou não. Hoje, existem jogadores que, quando acaba o jogo, vão para o vestiário, abrem o celular no intervalo, no ‘Sofascore’, ‘365 Scores’, e veem a nota dele nesses aplicativos. Isso é perigoso porque os dados são limitados para o que o jogo de futebol representa. E já que são limitados a gente não deve se apegar ao que você está lendo para fazer uma avaliação do que é um bom jogo ou do que não é um bom jogo — analisa Diego.

— Precisamos ter cuidado com os dados. O dado é um só para todo mundo, mas ele é coletado de maneiras diferentes, ele pode ser apresentado de maneiras diferentes. Então requer um cuidado e uma análise além dos números para que uma decisão possa ser muito bem tomada pelo clube, pelo atleta, pelo agente — completa o sócio da Outlier.

Vojnovic segue a mesma linha de pensamento. O analista gosta de dizer que “os dados não mentem, mas também não contam toda a verdade”.

— Então, às vezes a gente abre ali, vê as estatísticas e pensa ‘nossa, o jogador não dá assistência há não sei quantos jogos’. Mas o que está sendo pedido para ele? Então muitas vezes acho que a galera cria uma narrativa através do que a gente só ouve falar e não entende algumas movimentações — avalia o dono da Pro Scout.

O fundador da Pro Scout também vê a tendência do uso da assessoria tática de forma positiva e entende que, além de ser um retrato da geração atual de jogadores, é o que deve ditar o futuro do futebol.

— Acho que no futebol de hoje isso está crescendo cada vez mais. Eu me arriscaria a dizer que quem não está fazendo isso está ficando um pouco para trás. Mas isso diz muito sobre a geração de atletas que vem vindo, principalmente os brasileiros. É claro que no mundo todo tem, mas se a gente for ver número reais, os atletas brasileiros são os que mais procuram consultoria tática — finaliza Vojnovic.

Maria Tereza Santos
Maria Tereza Santos

Jornalista pela PUC-SP. Na PL Brasil, escrevo sobre futebol inglês masculino E feminino, filmes, saúde e outras aleatoriedades. Também gravo vídeos pras redes e escolhi o lado azul de Merseyside. Antes, fui editora na ESPN e repórter na Veja Saúde, Folha de S.Paulo e Superesportes.