Tim Vickery: em Wolverhampton x City, apenas um clube influenciou a criação da Champions League no século passado

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Este fim de semana parece futebol inglês dos velhos tempos, com quase todos os jogos no sábado às 3 da tarde, 11 horas de Brasília. Por que? Por causa da Champions League. Na próxima semana os grandes times vão estar em ação na taça continental, daí a necessidade de jogar no sábado, dando tempo para descansar.

O Manchester City, claro, está na Liga dos Campeões. Seu adversário no sábado, o Wolverhampton Wanderers, com previsibilidade igual, não está. Mas se o City hoje tem o direito de se chamar campeões do continente, não tem dúvida que Wolves faz parte da história.

Wolverhampton brilhou bem antes do Manchester City

A cidade de Wolverhampton fica colocada a Birmingham, bem no centro do país, os chamados Midlands. Muito importante no desenvolvimento do jogo, a região deve ter mais destaque no cenário doméstico e global. Pode ser que tem times demais – entre Aston Villa (campeões da Europa em 1982, Birmingham City, West Bromwich Albion e Wolves tem um excesso de clubes disputando supremacia.

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Mas os Wolves tiveram sua época dourada. Conquistou a FA Cup em 1949 e 60, e ganhou a liga em 1954, 58 e 59. Na década de 50, então, foi o clube mais bem sucedido do país – com ambições de ser ainda mais.

Stan Cullis, o técnico, foi um ex-zagueiro do clube. Jogava nos anos 30, quando o sistema WM tomou conta. Armou o seu time dentro dessa formação, com muita ligação direta, cruzamentos e brigas por bolas no ar. Os seus Wolves eram quase uma caricatura do futebol inglês dos antigos. E Cullis queria mostrar que ainda era o melhor futebol no mundo.

O seu clube convidava grandes adversários internacionais para vir até Molineux, o estádio dos Wolves, para jogar amistosos de alto prestígio. Vieram Racing da Argentina, Borussia Dortmund da Alemanha, Valencia e Real Madrid da Espanha, Spartak Moscou da União Soviéticae Wolves ganhou de todos.

Hoje em dia a palavra ‘amistoso’ dá uma impressão de uma coisa meia bomba. Mas não naquela época. Foram eventos grandes e importantes, com ampla cobertura na mídia e com a atração extra e irresistível de acontecer a noite, com a novidade emocionante da iluminação artificial. E a noite mais glamourosa de todas foi em dezembro de 1954 quando Wolves convidou o lendário Honved.,a base da seleção da Hungria.

Os húngaros ganharam o status de super homens no ano anterior quando a seleção foi para Wembley e venceu a Inglaterra 6 a 3. Um cronista escreveu que o capitão inglês (e de Wolves também) Billy Wright ficou tão confuso com a habilidade e coordenação dos húngaros que pareceu “um caminhão do corpo de bombeiros indo para o incêndio errado.”

Um dia de sorte para a Hungria? Nada disso. Alguns meses mais tarde, a Inglaterra foi para Budapeste e perdeu pelo placar impiedoso de 7 x1.

Para Stan Cullis, então, vencer o Honved virou uma questão de honra pessoal, e do futebol inglês. E numa noite de inverno, conseguiu seu objetivo – usando métodos tirados do livro de Dick Vigarista.

stan cullis
Stan Cullis tem uma estátua no Molineaux Stadium e dá nome a um dos setores do estádio (Foto: IconSport)

Cullis mandou molhar tanto o campo que logo virou um mar de lama. Isso, obviamente, atrapalhou demais o jogo do Honved, com as suas trocas de passes constantes. Os húngaros logo estavam ganhando 2 a 0, mas em condições feitas sob medida para o estilo nada refinado dos donos da casa, acabou perdendo por 3 a 2.

Para Cullis isso era a glória. Anunciou que o seu time era o campeão do mundo – e comprou uma briga com os franceses.

O nascimento da Champions League

No outro lado do Canal da Mancha, o ex-jogador Gabriel Hanot trabalhava com o chefe da redação do jornal esportivo L’Equipe. Ficou revoltado com a arrogância inglesa. A declaração do Cullis foi um absurdo gritante.“Vamos ver que é o melhor mesmo em condições iguais, e não somente na lama artificial do Wolverhampton!”.

Já estava na hora de lançar uma copa verdadeiramente continental, com os campeões de todos os países da Europa. “L’Equipe” iniciou uma campanha, e logo logo o sonho de Hanot virou realidade.

Wolves jogou duas vezes nessa nova taça, que hoje em dia se chama Liga dos Campeões. Em 1958 foi eliminado pelo Schalke de Alemanha, e no ano seguinte caiu massacrado por Barcelona. O futebol estava andando para frente, deixando Cullis parado na lama. E no sábado, num gramado em excelentes condições, Manchester City é o favorito quando vai para Molineux para enfrentar os lobos de Wolverhampton.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.