Tim Vickery: George Best e missão maior: por que eu gostaria de ver Neymar no Manchester United

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Normalmente, nos Jogos Olímpicos, o torneio de futebol serve para descentralizar o evento, levar alguma coisa além da cidade-sede. Portanto, nos Jogos de Londres, 11 anos atrás, estive em Old Trafford, estádio de Manchester United, para acompanhar a seleção brasileira contra Belarus.

Estava sonhando acordado, imaginando ver o Neymar de novo lá, no futuro. Mas, em vez da camisa amarela, vestindo a vermelha do Manchester United.

Eu pensava assim em 2012 e ainda penso assim agora. Porque a essência do clube, estabelecida por Matt Busby depois da Segunda Guerra Mundial, e que a missão do United consiste em trazer alegria, imaginação e espetáculo para uma cinzenta cidade industrial.

Na história do clube, talvez ninguém fez isso tão bem quanto o George Best na década de 1960. E penso – aqui, aos olhos da torcida do United, certamente estou cometendo uma blasfêmia — que com o Best e Neymar teriam bastante a ver.

O torcedor brasileiro dificilmente vai saber muito do Best, já que ele jogava para a seleção da Irlanda do Norte e nunca disputou uma Copa do Mundo. Mas era um fenômeno. O seu equilíbrio era bem fora do comum, permitindo-lhe movimentos e zigue-zagues alucinantes. A sua técnica era tão refinada que pareceu que estava beijando a bola. 

E a sua mente funcionava com tanta rapidez que enxergava possibilidades como se o jogo tivesse passando em câmera lenta. Vai pensando em Neymar em seus melhores momentos, e você também está pensando em George Best.

Obviamente, tem diferenças. Best era mais combativo, lutava mais para ganhar a bola. Mas Neymar — e aí a torcida do United vai ficar bem zangada — é melhor profissional.

O declínio de Best começou assustadoramente cedo. O auge foi a conquista do título europeu em 1968, quando tinha acabado de fazer 22 anos. Um pouco mais de 5 anos depois ele saiu do United e nunca chegou a fazer nada nem perto de parecido.

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Luis Enrique e Neymar podem trabalhar juntos. Fotos: IconSport

Não lidou bem com o status de celebridade – que o atingiu com uma força inédita. Ele era o “quinto Beatle”, um símbolo livre e lindo de uma geração no centro das mudanças sísmicas dos anos 1960. E também, com o que parece ser um forte componente genético, houve um problema com álcool, que minava a sua condição física e acabou conduzindo até a sua morte com somente 59 anos de idade.

A vida de Neymar nunca saiu dos trilhos assim. Falei com ele somente uma vez, há mais de uma década. Fiquei com uma impressão de um jovem agradável, e uma percepção que desde sempre ele enxergava a sua habilidade no campo como um portal para um mundo de celebridades, que isso sempre tem sido parte do projeto — parte até — da motivação. 

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Neymar no PSG – Foto: Icon Sport

Mas não existem evidências de que excessos fora do campo vem minando ele como jogador. Ao contrário, parece bastante querido entre a maioria dos seus companheiros justamente porque dá para sacar que ele quer contribuir para a vitória do time.

Os seus problemas são outros. Pode ser que um fardo grande demais foi colocado em cima dos seus ombros, que se não for escolhido o melhor do mundo, a sua carreira seria uma decepção. Pode ser. Somando isso às lesões.

Posso estar sendo ingênuo, mas acho que houve uma dose de nobreza em sua decisão de trocar Barcelona por Paris Saint Germain. Estava saindo da casa do pai Messi para formar a sua própria família, para tentar fazer história carregando um clube para alturas inéditas. Porque não mirar glória assim?

Clube errado? Talvez. Campeonato errado? Com certeza.

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Neymar e Luis Enrique no Barcelona – Icon Sport

Recebi um aviso na época de um especialista no futebol francês. Tudo bem, PSG endinheirado é muito melhor que os outros. Mas o que falta em competitividade, sobra em força física. Basta ver os jogadores que a França está produzindo. Tem técnica, mas também muitas vezes são que nem armários ambulantes. É só perguntar para os tornozelos do Neymar.

E agora? Será que a chegada de Luis Enrique pode fazer a cabeça de Neymar ficar com o PSG? Se não, quais são as opções? Alguém está disposto a pagar uma fortuna para um jogador de 31 anos com o seu histórico de lesões?

Se fala sobre os Estados Unidos, e, obviamente, não se pode descartar uma transferência para Arabia Saudita. Mas sei muito bem onde eu gostaria de ver Neymar jogando seu futebol.

Na verdade, a Premier League ia oferecer problemas em potencial. Inevitavelmente iriam surgir polêmicas sobre a sua tendência de “cai cai”. Trata-se de um campeonato com muito contato físico. Os riscos são claros. Mas os gigantes do futebol inglês têm a grana para contratá-lo. O Manchester United tem.

O técnico Erik Ten Hag conseguiu desenvolver o futebol de Antony, um outro brasileiro de habilidades espalhafatosas. E tem a tradição da genialidade imprevisível do George Best. Por enquanto, então, vou forçar a barra e ficar sonhando com Neymar voltando para Old Trafford e vestir a camisa vermelha.

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Neymar comemora gol marcado em Old Trafford pela Champions League em 2020. Atrás, a frase: “Não podemos esperar ter dar boas-vindas em Old Trafford” (em tradução livre). (Foto: IconSport)
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Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.