Tim Vickery: Arsenal x Manchester City é o encontro entre aprendiz e feiticeiro

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É um caso do feiticeiro e seu aprendiz neste domingo quando o Arsenal recebe o Manchester City — porque a maior influência na carreira do Mikel Arteta, o técnico do anfitrião, é justamente o seu adversário, Pep Guardiola.

E isso se aplica tanto como jogador quanto como técnico.

Arteta e Guardiola, dois dos mais votados na eleição da Premier League - Foto: Icon Sports
Arteta e Guardiola – Foto: Icon Sports

O jovem Arteta passou pela base do Barcelona na época em que Guardiola era referência como volante. Por ter uma qualidade técnica refinada junto com uma capacidade de ler o jogo, Arteta foi visto como o Guardiola do futuro. Acabou não vingando no Barça, mas a vida levou ele para uma carreira bem respeitável na França, Espanha, Escócia e principalmente Inglaterra, onde passou mais de uma década dividida entre Everton e Arsenal.

Nunca perdeu contato com o seu mentor, e depois de pendurar as chuteiras recebeu um convite para fazer parte da comissão técnica do Guardiola no City. Ficou mais de três anos antes de voltar para o Arsenal com a missão de comandar o time londrino.

O jogo do domingo, então, trata-se de uma disputa com um Guardiolista por um lado, e um outro Guardiolista (o próprio Guardiola!) no outro no jogo mais importante da rodada — e talvez da temporada inteira — da Premier League.

Isso é um triunfo para uma filosofia do jogo — e aqui tenho a difícil tarefa de te convencer — que ajudou a lançar a Premier League.

O primeiro encontro entre Inglaterra e o futebol de Cruyff e Guardiola

Vamos voltar para 1992. No momento em que a Premier League iniciou, o futebol inglês não estava passando por uma boa fase. Por causa do problema da violência, os clubes durante anos foram impedidos de participar nas taças continentais, e as consequências desse isolamento foram nítidas. O jogo inglês mergulhava num poço de mediocridade, sem criatividade, sem ideias novas, com todo mundo atuando num 4-4-2 em linhas, sem ângulos para passar a bola.

Mas de repente, no dia 20 de maio, o público inglês pôde desfrutar de um espetáculo bem melhor.

O estádio do Wembley sediou a final da Liga dos Campeões, Barcelona contra Sampdoria. Para deixar os times se sentirem em casa, o sol londrino brilhou com uma inesperada intensidade mediterrânea, fornecendo o palco perfeito para um grande jogo de futebol.

Posso afirmar que esse jogo é uma das maiores alegrias que o esporte já me deu. 

Estar no estádio naquela noite — engraçado como foi fácil comprar ingressos — foi um privilégio enorme.

Claro, o resultado foi muito importante. Foi a primeira vez que o Barcelona conquistou o título, realizando um sonho que pulsava dentro do clube desde que o Real Madrid dominou a competição no início, nos anos 50.

Mas para muitos na Inglaterra o resultado foi secundário. O que estava valendo não foi o que aconteceu — mas como aconteceu. Porque foi um jogo de alta qualidade, entre dois grandes times. 

Ronald Koeman ganhou o jogo perto do fim com uma de suas famosas cobranças de falta. A Sampdoria poderia ter vencido. O seu maior talento criativo, o veterano brasileiro Toninho Cerezo, não apareceu muito — Barcelona colocou o Bakero, seu melhor meio campista, para fazer marcação individual. Mas com a velocidade de Lombardo e a habilidade de Vialli e Mancini os italianos sempre levaram uma ameaça.

Foi o Barcelona, porém, quem mais impressionou. A maneira que circulava a bola — o passe sempre em diagonal — foi uma aula de como abrir espaço no campo. E o cérebro do time foi um menino franzino chamado Pep Guardiola. Operou na frente de Koeman — um zagueiro que mostrava pouco interesse em defender. 

Guardiola, então, estava cheio de responsabilidades. Tinha muito espaço para cobrir e também tinha que organizar a saída, fazendo a primeiro passe para frente — em diagonal, claro.

O lendário técnico Johann Cruyff enxergava no jovem Guardiola uma inteligência futebolística fundamental para a construção do seu time — e fundamental para a construção da vitória sobre a Sampdoria.

Fundamental, também, para o público inglês ver e entender que era possível jogar de uma outra, melhor maneira. Ali, no velho estádio londrino, se estabeleceu um novo patamar. Em 1992 o futebol de Guardiola pareceu estranho e exótico, mas desejável. Agora, mais de 30 anos depois, esse tipo de jogo tem lugar toda semana na Premier League — ou nos dois lados do campo quando o aprendiz Arteta enfrenta o feiticeiro no duelo entre Arsenal x City.

Guardiola Manchester City United
Guardiola, técnico do Manchester City – Foto: Icon Sport
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Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.