Em 2019, andei no centro de Liverpool com o Richarlison, então o jogador mais querido da torcida do Everton. Passei o dia inteiro gravando com ele.
Se hoje você visitar o Cavern Club, o famoso clube de Liverpool onde os Beatles tocaram 292 vezes no início da carreira, vai encontrar uma camisa do Richarlison, dos tempos de Everton, autografada. Pendurada no teto, em destaque. Isso também fez parte da gravação. E todos os funcionários do Cavern Club pareciam crianças, cheios de alegria, recebendo o atacante brasileiro.
Depois, fomos para a casa do Pombo, onde até jogamos videogame (e ele ganhou de mim sem nenhuma dificuldade).
Entrevistei o Richarlison no Watford, no Everton, no Tottenham e na seleção brasileira. Quando me perguntam quais são os jogadores mais legais com quem já tive contato, ele está sempre no topo da lista.
Faço essa introdução para deixar claro o carinho e admiração que sinto por esse cara humilde, gente boa, de coração enorme. E de como a passagem de quatro temporadas dele pelo Everton foi extremamente bem sucedida.
Mas, aos 26 anos, parece que chegou aquela hora decisiva na carreira do atacante brasileiro, de mostrar se é bom o suficiente para ser titular de um time do Big Six do futebol inglês. E se realmente tem a qualidade necessária para ser o camisa 9 da seleção brasileira.
A temporada de Richarlison no Tottenham
No Tottenham, Richarlison colecionou 1467 minutos em campo na última temporada. Foram 35 jogos. Marcou apenas 3 gols – um gol a cada 489 minutos.
Na Premier League, teve a incrível estatística de mais cartões amarelos por exagerar na comemoração do que gols propriamente ditos. O brasileiro foi punido três vezes por tirar a camisa ao tocar a bola para as redes. Mas em duas oportunidades, o gol foi anulado na sequência. Ele terminou o Campeonato Inglês com somente um gol em 1006 minutos em campo. Foram 27 partidas disputadas, apenas 11 como titular.
Na Inglaterra, ganhou todas as eleições de pior contratação da temporada – prêmio que também venceu na PL Brasil Awards 2023. Não ajuda nada o fato de ter custado caro: 60 milhões de libras.
Claro que as lesões atrapalharam. E muito. Claro que a temporada péssima do Tottenham atrapalhou. E muito. Claro que o sistema tático utilizado por Antonio Conte, e depois pelo seu assistente/interino Cristian Stellini também atrapalhou. E muito. Mas está aí o Harry Kane para provar que jogador acima da média consegue jogar bem e fazer um gol atrás do outro mesmo em um cenário caótico.
Em março, já na reta final da temporada, o Pombo reclamou do então treinador Antonio Conte. Não gostou de ficar no banco em duas partidas seguidas. Disse que não é bobo e reclamou da falta de tempo em campo.
Na semana passada, disse em alto e bom som em entrevista coletiva: “A camisa 9 da seleção já é minha. Todos aqui sabem que eu sou o homem gol”.
Depois disso, perdeu oportunidades claríssimas contra Guiné e Senegal. Não marcou gol em nenhum dos amistosos.
Dá para dizer, sem dúvida nenhuma, que o único bom momento de Richarlison na temporada foi a Copa. O golaço contra a Sérvia (escolhido o mais bonito do mundial), as atuações cheias de vontade, raça. Os 3 gols em 4 partidas, média realmente absurda para qualquer atacante.
Mas não dá para viver só disso. O futebol de hoje exige consistência. Gols e boas atuações, semana sim, semana também. É o que fazem Harry Kane, Erling Haaland, Robert Lewandowski. Esses sim podem encher o peito para dizer que a camisa 9 é deles, não importa onde estejam jogando.
Em tempo: acho que acontece com Richarlison um fenômeno muito parecido com o de Gabriel Jesus. Na minha opinião, os dois são melhores jogando aberto, cortando para o meio, aparecendo na área para finalizar. Mas, em ambos os casos, as circunstâncias, a concorrência dentro dos clubes e da seleção, ou até mesmo a falta de opção de centroavante nos elencos em que atuaram, foram levando os dois para a “camisa 9”. Agora parece tarde demais para voltar. Só resta mostrarem que são donos da posição. Jogando, não falando.