A concepção brasileira de “clube grande” e “clube pequeno” não funciona num contexto inglês. E os motivos para isso são profundos — alguns positivos, outros nem tanto.
Entre o futebol brasileiro e britânico tem uma diferença fundamental do timing. Deste lado do Atlântico, no Brasil, o rádio fez muito para divulgar o esporte, para levar jogos da então capital para os cantos desse país enorme. Como consequência disso, até hoje existem milhões de flamenguistas no Nordeste.
Numa sociedade urbana definida pela revolução industrial, o clube de futebol rapidamente se transformou em um símbolo poderoso do local diante o resto do país — ou, na capital, com um símbolo de parte da cidade.
O West Ham, por exemplo, nasceu como clube de trabalhadores de uma grande fábrica siderúrgica, Thames Ironworks. Até hoje, se refere ao clube informalmente como os “Irons”.
Esse peso da história proporciona aos clubes ingleses um poder de representatividade impressionante e ajuda a explicar o fato maravilhoso dos motivos que levam a pirâmide do futebol no país ser tão profunda, com times da quarta divisão, ou até menor, ainda possuindo uma torcida respeitável.
A lei do “salário máximo” no futebol da Inglaterra
Isso ajuda a justificar uma parte, mas não tudo, é verdade. Pois existe um outro fator a ser levado em conta, muito menos louvável — as deploráveis condições de trabalho que sofreram durante décadas os jogadores ingleses.
Até o início dos anos 1960, houve um salário máximo no futebol inglês – bem baixo, por sinal. Jogar num gigante ou um time menor dava no mesmo em termos financeiros. E mesmo se um atleta estava disposto a ir para um gigante sem ganhar aumento, ele não tinha essa liberdade. O clube era dono de seu passe enquanto ele jogava.
O grande jogador que nunca deixou o Preston North End
Alguns avançam a ideia que o melhor jogador inglês de todos os tempos foi Tom Finney, um ponta dos anos 40 e 50. Jogou a carreira inteira no Preston North End, clube de uma pequena cidade industrial nos arredores de Manchester. Hoje em dia, iria rapidinho para United ou City. Naquela época não era possível.
E quando clubes italianos tentaram contratá-lo, oferecendo salários incrivelmente maiores do que ele estava ganhando, ele nem ficou sabendo. Preston não quis vender, porque não precisava vender e ponto.
Quase todos os clubes na Inglaterra tem a sua versão de Tom Finney — um grande jogador que ficou anos defendendo a causa e criando a história e tradição do time. Claro, essa distribuição de talentos proporcionava um certo equilíbrio competitivo — o oposto do que acontece hoje em dia. Mas foi construído em cima de uma negação de direitos básicos de quem fornecia o espetáculo.
O West Ham é um exemplo. O seu jogador mais famoso é Bobby Moore, que logo antes da Copa de 66 quase realizou o seu desejo de ir para o Tottenham. Mas depois que a Inglaterra levantou a taça, não houve como.
Como capitão da seleção campeã em 1966, West Ham não iria liberá-lo de jeito nenhum, e, meio obrigado, ele passou os melhores anos da sua carreira vestindo claret and blue (vinho e azul), virando o ídolo e a inspiração para muitos da multidão que semana passada comemorou a primeira taça continental desde Moore levantou o troféu da Recopa em 1965.
A importância da Conference League para o grande West Ham
Dá sim para falar que era “somente” a Conference League – de longe a terceira copa de clubes europeus. Mesmo assim, vencê-la foi um triunfo importante para o West Ham. Pena que se deu diante de tão poucos torcedores. Cabiam somente 18 mil no estádio em Praga, onde o West Ham disputava a final com a Fiorentina. O clube londrino recebeu 5 mil ingressos. Uma quantidade quatro vezes maior, viajou.
Nenhuma surpresa.
Antes disso, a última final continental de West Ham aconteceu em 1976, quando perdeu para o Anderlecht em Bruxelas. Mais uma vez, não houve ingressos suficientes. Mas houve um parque de diversões ao lado do estádio. Vários torcedores passaram a noite inteira numa roda gigante, que por poucos segundos em cada giro ofereceu uma visão do campo.
Uma história maravilhosa, que mostra bem a grandeza do West Ham. Semana passada, um dia depois da vitória sobre o Fiorentina, uma multidão enorme se congregou nas ruas do leste de Londres para receber os heróis. Com um estádio grande suficiente, o clube é bem capaz de levar 40 mil para uma final continental.
Mas como, se era “apenas” o West Ham? O último título – a copa doméstica – foi no longínquo ano de 1980.
E mesmo depois da abstinência de mais de quatro décadas sem títulos, como pode ser que tantas pessoas ainda se identifiquem com o clube, suas cores e sua música maravilhosa (que fala sobre como a sorte está sempre se escondendo) “I’m Forever Blowing Bubbles”? Volte à primeira linha do texto: a concepção brasileira de “clube grande” e “clube pequeno” não funciona num contexto inglês.