Há 32 anos, a primeira final entre Chelsea e Manchester City em Wembley

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A primeira final entre Chelsea e Manchester City aconteceu há mais de 30 anos, num momento técnico e econômico bem diferente do atual para ambos os clubes, e por uma competição já extinta.

Em 23 de março de 1986, em uma final insana, o Chelsea derrotou o Manchester City por 5 a 4 e levantou a Full Members’ Cup. Contamos agora as histórias do jogo e da competição, hoje praticamente esquecida.

O torneio

A origem da Full Members’ Cup, lançada pela Football Association em 1985, está no contexto do banimento de clubes ingleses das copas europeias pela Uefa. Para compensar a falta de torneios continentais, a entidade criou duas novas taças (além das já existentes FA Cup e Copa da Liga).

Uma era a English Super Cup, que reunia os seis clubes que teriam disputado copas europeias não fosse o banimento. Foi disputada apenas uma vez (na temporada 1985-86) e vencida pelo Liverpool. A outra era a Full Members’ Cup, cujo nome requer uma explicação mais elaborada.

Na época, os clubes das duas principais divisões da Football League (ou seja, as equivalentes das atuais Premier League e Championship) eram chamados de “full members” (algo como “membros integrais”) da liga por terem direito de voto pleno nas decisões da entidade

Os clubes da terceira e quarta divisões (atuais League One e Two), por sua vez, eram “associate members” (ou “membros associados”) e teriam taça própria, a Associate Members’ Cup, que mais tarde receberia a atual nomenclatura de Football League Trophy.

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Naturalmente, as novas copas não foram recebidas com muito entusiasmo por clubes, torcedores e imprensa. Afinal, num período em que as equipes inglesas haviam se acostumado a levantar taças europeias, trocá-las pela disputa de mais um torneio nacional era bem desinteressante.

Somente entre 1980 e 1985, além do Liverpool, Nottingham Forest, Aston Villa, Tottenham, Everton e Ipswich também haviam triunfado em copas continentais. Assim, não foi surpresa que muitos dos clubes da elite tenham aberto mão da Full Members’ Cup.

Na edição inaugural do novo torneio, apenas cinco dos 16 clubes da primeira divisão elegíveis para participar toparam a empreitada – os próprios Chelsea e Manchester City, mais Coventry, Oxford e West Bromwich Albion. E mesmo entre os da segundona houve seis desistências.

O momento dos dois clubes

O Chelsea vinha de uma boa temporada 1984-85, quando, recém-promovido, terminou em sexto lugar na liga, dois pontos atrás do Southampton (que teria jogado a Copa da Uefa, não fosse a punição aos clubes ingleses), além de ter chegado às semifinais da Copa da Liga.

O principal nome dos Blues era o atacante Kerry Dixon, artilheiro da liga na temporada 1984-85 ao lado de Gary Lineker. Outros nomes, como os escoceses Pat Nevin e David Speedie e o volante Nigel Spackman, também marcaram o período.

O Manchester City, por sua vez, voltaria a disputar a elite em 1985-86, após ter conquistado o acesso como terceiro colocado da segundona na temporada anterior. Era dirigido pelo escocês Billy McNeill, capitão do time do Celtic que conquistou a Copa dos Campeões em 1967.

O elenco dos Citizens era mais modesto, embora mesclasse jogadores há tempos no clube (como o lateral Paul Power) com jovens que se projetariam dentro ou fora de Maine Road (caso do “curinga” David Phillips). Um dos destaques era o zagueiro (e hoje técnico) Mick McCarthy.

As campanhas de Chelsea e Manchester City

Na primeira fase, os 21 clubes participantes são divididos em duas “seções”, Norte e Sul, compostas por quatro chaves cada, quase sempre em jogos só de ida. O Chelsea avança após bater o Portsmouth por 3 a 0 em Stamford Bridge e o Charlton por 3 a 1 fora de casa.

Em seguida, pela semifinal da Seção Sul, os Blues empatam em 2 a 2 com o West Bromwich nos Hawthorns e vencem nos pênaltis. Na decisão, em ida e volta, o adversário é o Oxford, vencido por 4 a 1 no Manor Ground, antes de uma derrota pelo placar mínimo em Stamford Bridge.

Do lado Norte, o Manchester City tem pela frente na fase inicial o Leeds e o Sheffield United e leva a vaga sem sustos.

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Na semifinal da seção, o Sunderland é derrotado nos pênaltis após um 0 a 0 em Maine Road. E na decisão, o Manchester City se recupera de uma derrota por 2 a 1 na visita ao Hull no jogo de ida para vencer por 2 a 0 na volta e avançar à grande final do torneio.

Com todas as etapas até ali disputadas antes da virada do ano, a decisão aconteceria somente em 23 de março de 1986. Curiosamente, ambos haviam entrado em campo apenas um dia antes pela liga. O Chelsea visitou o Southampton e venceu por 1 a 0.

Já o City teve nada menos que o derby da cidade contra o United, que terminou num empate em 2 a 2 em Old Trafford, com os Citizens indo buscar uma desvantagem de dois gols. Foi o primeiro ponto somado pelo time após quatro derrotas seguidas sem sequer balançar as redes.

Embora o Chelsea contasse com ligeiro favoritismo, por viver momento melhor na temporada, a equipe precisava derrubar um tabu: nunca havia vencido em Wembley, com um empate e duas derrotas, enquanto o City havia conquistado três FA Cups e duas Copas da Liga no estádio.

A grande decisão

O grandioso estádio londrino recebeu um bom público de mais de 67 mil pessoas para aquela final, um tanto surpreendente em vista da fraca média das fases anteriores. Os torcedores do Chelsea eram maioria, mas viram o City abrir o placar logo aos dez minutos de jogo.

Após escanteio, a zaga do Chelsea bateu cabeça. A bola sobrou para Mick McCarthy, que chutou cruzado e viu Steve Kinsey escorar para as redes. Mas os Citizens sofreriam a virada ainda na etapa inicial. Primeiro, Nevin cruzou da esquerda e Speedie cabeceou forte para empatar.

E aos 36, após bate e rebate na área do City, a bola parou nos pés do atacante Colin Lee, que teve tempo de dominar, girar e chutar para colocar os Blues na frente. Se o jogo então já parecia bem movimentado até ali, o segundo tempo seria frenético.

David Speedie completaria seu hat-trick finalizando uma jogada de roubada de bola aos sete minutos e escorando um cruzamento alto na segunda trave aos 15. E os londrinos disparavam uma goleada, ampliada por um chutaço de Colin Lee de fora da área aos 35. Chelsea 5 a 1.

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A fatura parecia liquidada. Parecia. Faltavam seis minutos para o fim do jogo quando Mark Lillis, artilheiro do City naquela temporada, testou um cruzamento da esquerda para marcar o que se imaginava ser um gol de honra para os mancunianos.

Mas aos 43, após outra jogada pela esquerda seguida de outro cruzamento, o zagueirão escocês Doug Rougvie, do Chelsea, jogou contra as próprias redes. E no minuto seguinte, Andy May recebeu na direita, tabelou com Neil McNab, entrou na área e foi derrubado. Pênalti.

Mark Lillis se apresentou e converteu, chutando no canto oposto do goleiro Steve Francis. A reação do City, que buscava o empate milagroso, acabou por aí, no entanto. O apito final veio quase em seguida, e o zagueiro Colin Pates, capitão do Chelsea, levantou a taça.

O desfecho da temporada

Após a conquista, porém, a ressaca tomou conta dos Blues. No sábado seguinte, o time levou de 4 a 0 do West Ham em Stamford Bridge. E dois dias depois, seria outra vez goleado, agora pelo Queens Park Rangers por 6 a 0 no gramado sintético de Loftus Road.

Nas 11 partidas finais da liga, o Chelsea venceu apenas duas e perdeu cinco. A sequência ruim na reta final custou uma melhor colocação: do quarto lugar, a quatro pontos dos líderes antes da final, a equipe caiu para o sexto, 17 pontos atrás ao fim da temporada.

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O City teria desempenho ainda pior, somando apenas três pontos nos oito jogos que teria após a decisão, sem vencer nenhum. Seu último triunfo naquela temporada havia vindo em 8 de fevereiro (2 a 0 no Queens Park Rangers em casa).

Ao contrário da expectativa na época (e do destino da contemporânea English Super Cup), a Full Members’ Cup foi além da primeira edição, sendo descontinuada só em 1992, após a readmissão dos clubes ingleses nas taças europeias – e no contexto da criação da Premier League.

Além do Chelsea, que voltaria a vencer o torneio em 1990 batendo o Middlesbrough na final, o Nottingham Forest (por duas vezes), o Blackburn, o Reading e o Crystal Palace também levantaram o caneco.

Emmanuel do Valle
Emmanuel do Valle

Jornalista de Niterói, formado pela Universidade Federal Fluminense e com passagens por Agência EFE, Jornal dos Sports, Lance! e TV Globo. Atualmente, também colaboro com o site Trivela, além de outros projetos. Pesquisador voraz da história do futebol nacional e internacional.