Charlton Athletic: por que o tradicional clube de Londres sumiu da Premier League

7 minutos de leitura

Quarto colocado da Premier League sonhando com uma vaga para a Champions League. Uma sequência de quatro vitórias em cinco jogos diante de adversários como Chelsea, Tottenham e um empate com “Os Invencíveis” do Arsenal.

Esse era o Charlton Athletic FC durante a temporada 03/04, quando terminou na sétima colocação, a melhor em toda a história do clube na competição.

Darren Bent em duelo com John Terry pela Premier League em 2006 (Foto: Icon Sport)

Duas décadas se passaram e os Addicks, como são conhecidos, vivem um cenário totalmente distinto. Depois de sete temporadas disputando a Premier League, o Charlton foi rebaixado em 06/07 e de lá para cá vive uma gangorra entre Championship (2ª divisão) e League One (3ª divisão)

São anos melancólicos para o time que leva o nome do bairro localizado no sul de Londres e possui forte conexão com sua comunidade.

Fundado em 1905 por torcedores que ajudaram a erguer o estádio The Valley, o clube vive anos dramáticos de administrações desastrosas e distante da elite do futebol inglês.

A Era Duchatelet

Em 2014, o político e empresário belga Roland Duchatelet comprou o Charlton por 14 milhões de libras, incluindo o estádio The Valley e o centro de treinamento do clube.

O Charlton então se juntava a outros clubes do portfólio do empresário como o Standard Liege (Bélgica), Alcorcón (Espanha), Carl Zeiss Jena (Alemanha) e outros. No entanto, ao contrário do que pensavam alguns torcedores otimistas, a gestão começou a dar errado.

Os novos donos usavam os clubes parceiros para reforçarem o Standard Liege na Bélgica, economizando dinheiro em transferências. Ou seja, os principais jogadores do clube saíam e peças de reposição no mesmo nível, não chegavam.

Roland Duchatelet assistindo jogo do Standard de Liege, em 2014
Roland Duchatelet assistindo jogo do Standard de Liege, em 2014 (Foto: Icon Sport)

O então treinador e ídolo do Charlton, Chris Powell, era muito querido pela torcida e acabou sendo demitido logo no início da gestão de Roland Duchatelet. Powell havia conquistado a Championship em 2013 com 101 pontos, um recorde na história da competição.

Durante os seis anos da administração do belga, oito treinadores passaram pela equipe. O rebaixamento para a League One em 2016 ainda resultou na saída de jovens jogadores talentosos como o goleiro Nick Pope (hoje no Newcastle), Joe Gomez (Liverpool) e Andrea Lookman, autor de um hat-trick na última final da última edição da Europa League, vencida pela Atalanta.

No documentário (em inglês) do site “Copa 90”, que está disponível no Youtube, alguns torcedores listam os principais motivos de insatisfação com os proprietários:

  • A CEO do clube, Katrein Meire, não era qualificada para o cargo e não ligava para a história do clube;
  • Os melhores jogadores do clube eram vendidos para o Standard Liege e, em troca, o Charlton recebia jovens belgas sem experiência;
  • Roland Duchatelet enviava e-mail para os treinadores indicando com qual formação deveriam jogar;
  • O dono acusava os torcedores de quererem ver o clube fracassar;
  • O clube ouvia a opinião de um olheiro de 22 anos que usava Football Manager e vídeos no Youtube para tomar decisões;
  • Nunca iam aos jogos do clube;
  • Se referiam aos torcedores como clientes;
  • Processaram torcedores por causa de protestos nas redes sociais.

Protestos contra o proprietário não faltaram, como o movimento CARD (Coalition Against Roland Dutchatert), que atirava bolas de parque e porquinhos de plástico atirados no gramado do The Valley.

Teve também funeral falso no estádio, um táxi para Roland sair e até protestos de torcedores que foram à Bélgica, terra do mandatário.

Depois de quase seis anos e muita pressão da torcida, o clube foi finalmente vendido em 2020 para a ESI (East Street Investiments).

No entanto, o consórcio não conseguiu reunir os fundos necessários, quebrando e entrando e uma batalha pelo controle do Charlton.

O assunto que chegou tomar as páginas policiais por conta da papelada envolvida fez com quem ninguém soubesse mais quem estava no comando do clube, meses antes do novo dono tomar posse.

Porquinhos de plástico, representando cofres, atirados no gramado em protesto da torcida do Charlton (Foto: Icon Sport)

Era Thomas Sandgaard

O empresário dinamarquês-americano Thomas Sandgaard se tronou o proprietário majoritário do Charton. E quando mais uma vez parecia que tudo ia se tornar um alívio, a vida do clube continuou beirando o surreal.

Diferente do dono anterior, que não ia ao estádio, esse comparecia, mas de maneira pouco comum para um dirigente. O novo mandatário fez uma apresentação com a música “Addicks to Victory” no estilo heavy metal em pleno The Valley, tocando guitarra para a torcida.

Peculiaridades à parte, o americano conseguiu se aproximar do torcedor e ter mais diálogo. Apesar disso, a torcida o enxergava como alguém que queria dar um passo maior que as próprias pernas.

Ao invés de trabalhar com a realidade da terceira divisão, o americano pensava que em cinco anos o Charlton já poderia voltar à Premier League.

Durante sua gestão, quatro dirigentes chegaram e saíram e o clube continuou na League One. Para mudar um pouco o perfil dos diretores, resolveu apostar na própria família para cargos de liderança no clube.

O filho de Sandgaard, Martin, passou a ser o diretor de análise do Charlton, mesmo sem ter experiência no futebol. 

Seu trabalho anterior era de gerente de produção na Zynex, empresa da família e fabricante de dispositivos médicos.

Martin chegou até mesmo a estagiar no CT do Crystal Palace para adquirir experiência, graças à boa relação entre diretores dos dois clubes. 

Raelynn Maloney, parceira de Sandgaard, trabalhou no departamento comercial do clube. E mesmo sem ter um cargo formal, dava ordens diretas a funcionários que nem eram de seu setor.

Diante disso, a torcida começou a ver o mandatário como teimoso e incapaz de assumir os próprios erros. A troca constante de treinadores também incomodava. E embora não tenha acontecido protestos como na gestão dos belgas, criou-se uma rixa entre Sandgaard e quem o apoiava.

Um dos poucos projetos que renderam elogios ao americano foi incorporar o Charlton Women ao clube. Depois disso, ainda tentou mudar o nome do time para Charlton Ladies, enfrentando resistência no próprio clube e tendo o pedido recusado pela Federação Inglesa de futebol (FA).

Era SE7

Mesmo afundado na terceira divisão do futebol inglês, o Charlton ainda era visto como um ótimo clube para se investir. A localização no sul de Londres, o tamanho da torcida e um estádio padrão Premier League tornavam o time atraente para investidores. 

E depois de uma novela e semanas turbulentas de especulações, a SE7 Partners concluiu a aquisição do Charlton em Julho de 2023, liderada pelo ex-diretor do Sunderland Charlie Methven, que chegou a atuar como consultor financeiro na gestão anterior.

O acordo foi fechado em 8,5 milhões de libras, com Thomas Sandgaard mantendo 10% em participações.

— A ambição é construir um clube reconhecido por seu profissionalismo, integridade e foco no sucesso.

Trecho de comunicado dos novos donos

No primeiro ano da nova gestão, o Charlton terminou na 16ª posição da League One. Sob o comando do técnico Nathan Jones, a equipe já faz amistosos preparatórios para a temporada 24/25, sonhando com dias de glória e um retorno para a Premier League.

Rodolfo Morsoletto
Rodolfo Morsoletto

Jornalista formado pela Unimep com passagens por Terra e OneFootball. Foi repórter de rádio, setorista do XV de Piracicaba e cobria jogos do Campeonato Paulista da Série A3. Está em Londres desde 2018 onde atualmente é correspondente da PL Brasil. Já tietou José Mourinho andando aleatoriamente pelas ruas da capital britânica.

Instagram: @morsoletto
X: @r_morsoletto