Canedo: Paquetá, Douglas Luiz, João Pedro e o perigo das ‘verdades absolutas’

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A última Data Fifa nos brindou com mais uma daquelas teses de especialistas da bola com a solução dos problemas da seleção brasileira. Aparentemente há jogadores demais da Premier League convocados – e isso talvez explique porque estamos perdendo mais do que deveríamos…

O argumento é que alguns deles não estão acostumados com um grande nível de desafios por atuarem por “clubes médios”. Outro é que a liga supervaloriza o talento dos atletas, que sofrem uma espécie de “lavagem cerebral” da mídia ao convencê-los que são os melhores.

O fato de Fernando Diniz ter entrado outro dia e estar com dificuldades para acertar o time ou os muitos desfalques nos últimos jogos parecem pesar menos na avaliação. Até porque a tese, por mais absurda que seja, caminha para virar uma verdade absoluta.

Bem, vamos às obviedades para deixar claro: jogar a Premier League não deveria ser premissa para ninguém ser convocado. Tampouco devemos achar que toda lista será perfeita. Podemos criticar nomes que não estejam merecendo, como por exemplo Richarlison, em má fase no Tottenham antes da lesão e sem entregar nas eliminatórias com a amarelinha, ou Emerson Royal.

No meu mundo ideal estariam na seleção quem tivesse capacidade para fazer parte do ciclo e/ou um teto grande o suficiente para chegar lá em algum momento. E isso independe de onde alguém joga.

Feita a ressalva, qual seria o problema de termos representantes dos tais clubes médios? Eles fazem parte já há algum tempo da nova ordem do futebol mundial, aquela que quem tem mais dinheiro manda – e isso é mérito total do que a liga construiu nas últimas décadas.

Todo ano a consultoria Deloitte faz um estudo chamado “Football Money League”, em que analisa o faturamento recorrente de todos os clubes da Europa. O mais recente deles, referente à temporada 2021/22, colocou 16 clubes da Premier League entre os 30 mais ricos. Ou seja, 80% da competição fazem parte das primeiras prateleiras do continente. São eles:

Maiores faturamentos dos clubes europeus, segundo estudo da Deloitte
1. Manchester City
3. Liverpool
4. Manchester United
8. Chelsea
9. Tottenham
10. Arsenal
15. West Ham
17. Leicester
18. Leeds United
19. Everton
20. Newcastle
21. Aston Villa
23. Brighton
25. Wolverhampton
26. Crystal Palace
30. Southampton

É absolutamente normal para os padrões atuais o West Ham ter Lucas Paquetá (que quase foi para o Manchester City, diga-se), o Aston Villa segurar Douglas Luiz diante do assédio do Arsenal, o Brighton investir alto no João Pedro (que estava no Watford), o Newcastle manter Bruno Guimarães e Joelinton, o Fulham ter bala para contratar o André do Fluminense, o Wolverhampton com João Gomes e Matheus Cunha, o Nottingham Forest com Danilo e Murillo

E praticamente todos esses tiveram os seus momentos. Paquetá faz um grande começo de temporada, mas está afastado da seleção por conta da investigação do escândalo de apostas. Douglas Luiz é o meio-campista com mais participações em gol na Premier League em 2023 (atrás apenas de Maddison e Bruno Fernandes, bem mais ofensivos) e vem de enorme atuação diante do Tottenham.

João Pedro decidiu para o Brighton com dois gols contra o Forest, time de Murillo, e voltou a marcar pela Europa League nesta quinta-feira, sobre AEK da Grécia. Bruno e Joelinton aparecem com alguma frequência entre os destaques do Newcastle… Nenhuma dessas convocações soaria como exagerada ou fruto de uma supervalorização da liga – quase todos citados também atuam em competições europeias.

Além disso, basta uma breve pesquisa para constatar que, em 1994, na campanha do tetra, Taffarel jogava no Reggiana (Itália), Dunga no Stuttgart (Alemanha), Márcio Santos no Bordeaux (França), Mauro Silva e Bebeto no Deportivo La Coruña (que fazia grandes campanhas, mas não era grande na Espanha)…

Ou que, em 1998, ano de um segundo lugar, César Sampaio era titular do meio-campo atuando no Yokohama Flugels (Japão), Dunga no Jubilo Iwata (Japão), Emerson defendia o Bayer Leverkusen (Alemanha), Edmundo a Fiorentina (Itália)…

Ou, ainda, que em 2002, no penta, Edmílson estava no Lyon, Lúcio no Bayer Leverkusen, Júnior no Parma, Denílson no Betis e Ronaldinho num PSG muito distante do status atual. Exemplos não faltam para desmistificar a tese.

E o Brasil ainda conta com titulares de Manchester City, Liverpool, Arsenal, Real Madrid, Juventus, Manchester United (não que esse seja um grande elogio hoje, mas)… Não há mais gênios no plural como nos mal acostumamos outrora, mas a seleção segue muito bem abastecida e está no bolo com França, Inglaterra, Portugal e Argentina em termos de talento.

Os problemas, neste momento, são outros.

Victor Canedo
Victor Canedo

Victor Canedo trabalhou por 12 anos como repórter de futebol internacional no Grupo Globo. E até hoje mantém o hábito de passar as manhãs e tardes dos fins de semana ouvindo a voz de Paulo Andrade. Para equilibrar a balança dos colunistas deste site, é torcedor do Arsenal desde Titi Henry.