Em sua primeira entrevista coletiva como técnico do Liverpool, Jürgen Klopp pediu para que fosse avaliado pelas pessoas ao sair, e não naquele momento de chegada. “Por favor, nos dê tempo”, disse. Ele sabia do tamanho do desafio que seria reerguer o clube após alguns anos de ostracismo.
Também tinha a certeza que conseguiria e, por isso, deixará o clube nove anos depois em absoluta paz. Mas não foi a paz que o trouxe até aqui, é claro.
Klopp, na verdade, está cansado.
Ele confessou ter subestimado a própria energia na sua última renovação de contrato, até junho de 2026, e por isso precisou antecipar em duas temporadas o fim de uma relação mágica, talvez a mais simbiótica entre clube e treinador nos últimos tempos. Só que também exaustiva.
Fazer sucesso dá um tremendo trabalho, né? Foi o que ele basicamente fez desde que foi contratado, em outubro de 2015, até hoje. Podemos reconhecer que teve o azar de ter sido contemporâneo do Manchester City de Pep Guardiola, mas nem por isso será menos lembrado.
Depois de arrumar a casa nas três primeiras temporadas, Klopp conquistou todos os títulos possíveis como treinador do Liverpool a partir de 2019. Inclusive a Premier League, tão cobiçada, que fez o clube quebrar um jejum de 30 anos no Campeonato Inglês. Nesta temporada, poderá ainda ganhar a Liga Europa (foi vice em 2016 para o Sevilla).
E poderia ter conquistado mais. O seu Liverpool registrou duas pontuações recordes de um vice-campeão (97 em 2018/19 e 92 em 2021/22), justamente porque este City estava no caminho.
Na pontuação acumulada na Premier League desde a chegada de Klopp, o Liverpool ficou mais perto do City do que do terceiro, o Tottenham (716 x 671 x 583). Ao lado de Guardiola, ele é dono da maior sequência de vitórias na PL (18, registradas entre outubro de 2019 e fevereiro de 2020).
Na Liga dos Campeões, chegou a três finais, uma vencida contra o Tottenham, mas duas perdidas para o Real Madrid. E foram daquelas de deixar marcas, com Salah sofrendo um ippon por Sergio Ramos em Kiev e Courtois fazendo a maior partida de um goleiro na história do torneio em Paris.
Olhando para trás, eu não sei quantos clubes teriam desistido ao fim da primeira temporada, com dois vices e o 8º lugar da Premier League.
No Brasil, talvez todos. Mas o Liverpool pagou para ver e foi recompensado.
Klopp foi montando a espinha dorsal ideal do Liverpool aos poucos. Quando chegou já estavam Firmino, Henderson e Coutinho. Depois vieram Mané e Wijnaldum. Na sequência, Salah e Robertson. Coutinho foi vendido por um valor que permitiu ao clube trazer Van Dijk. Ainda chegaram, na temporada do título da Champions, Alisson, Keita e Fabinho.
O Liverpool 2.0
Os períodos de baixa também estavam ali. Vieram as lesões, alguns jogadores passaram a render menos, e os ajustes foram feitos. Diogo Jota, Konaté, Luis Díaz e Darwin Núñez iniciaram a transação para o Liverpool 2.0. Nesta temporada, Szoboszlai, Mac Allister e Endo chegaram para renovar o meio-campo.
E assim o Liverpool segue competindo no topo.
Esses são os feitos mais fáceis de se notar, estão em bandeirões em Anfield e também nas paredes do centro de treinamento. Mas também precisamos falar de como o alemão Klopp conquistou toda a comunidade.
Isso aconteceu bem antes dos títulos. Talvez desde a primeira entrevista coletiva citada na abertura da coluna. Klopp é enérgico e carismático ao extremo, além de ser um baita cara. Por isso é fácil gostar dele.
Tem dias de mau-humor? Sim. Raros. Na maior parte das vezes suas reações geram entretenimento. E suas ações devolveram fé a um clube então descrente.
Klopp sabia que faria sucesso, a gente só não esperava isso tudo.