Esta coluna ainda não foi tomada pela emoção. Estou em Jeddah, na Arábia Saudita, vivendo dias intensos às vésperas do jogo mais importante da história do meu time. Mas nem por isso abdico do lado racional para analisar as chances do Fluminense contra o Manchester City na final do Mundial de Clubes. O mais importante, neste momento, é o torcedor saber que elas existem.
Primeiro, claro, porque se trata de futebol e já vimos mais do que o suficiente por aí. O City é o favorito, sem dúvidas, mas listei 5 motivos que tornariam mais factível uma eventual vitória tricolor na sexta-feira. Vamos a eles:
1. O Manchester City já viveu dias melhores
Fosse o jogo entre fevereiro e junho, no momento da arrancada para a Tríplice Coroa, as possibilidades de o Fluminense vencer seriam bastante reduzidas. Acontece que este Manchester City não tem desempenhado em nível suficiente para sustentar os resultados e passar a mesma sensação de segurança.
Os próprios números indicam que está mais fácil fazer gol no City, com a pior média sofrida desde a primeira temporada de Pep Guardiola (2016/17), em levantamento feito pelo jornalista Fred Caldeira.
E não é que o City esteja sendo bombardeado, mas sim que, aparentemente, as chances dos adversários são melhores.
A vitória sobre o Urawa Red Diamonds (3 a 0) na semifinal do Mundial interrompeu uma sequência de oito jogos seguidos levando gol, algo raríssimo na trajetória de Pep. E mais: foram 16 gols neste recorte, média de dois por jogo – turbinada pelos empates com Chelsea (4 a 4) e Tottenham (3 a 3).
O City não tem conseguido controlar os seus jogos como antes (o tropeço no Crystal Palace é um bom exemplo) e isso não deixa de ser uma boa notícia para o Fluminense.
Individualmente, algumas peças tampouco parecem extremamente confiáveis, como Gvardiol, Stones, Matheus Nunes, Kovacic e a forma atual de Ederson.
2. Os desfalques de peso
Guardiola ainda tem baixas muito consideráveis para o Mundial. Ele até tentou esperar o máximo possível, mas precisou cortar Haaland, Doku e De Bruyne da relação que disputaria o torneio.
Haaland é, disparadamente, o jogador que mais faz gols pelo City. Desde o início da temporada passada, o time marcou 214 vezes, e 71 gols foram do norueguês, o que representa basicamente um terço.
Embora não estivesse numa forma absurda, talvez desperdiçando mais chances do que o normal, Haaland ainda é o artilheiro da Premier League (sozinho, com 17 gols) e Champions League (5, dividindo o posto com Griezmann, Morata e Hojlund). Fora as ameaças que costuma render aos defensores e oportunidades geradas graças ao seu atleticismo.
Marcelo e Felipe Melo podem se sentir aliviados nesse aspecto, embora Julián Álvarez tenha qualidade o suficiente para ser uma grande ameaça. Só não é a mesma coisa.
Doku, contratado nesta temporada, oferece algo que outros nomes do elenco não têm. Ele é um ponta agudo, de velocidade e drible, sem medo de partir para cima dos adversários.
Apenas pelo perfil já seria bastante preocupante, mas o belga vinha de algumas boas atuações na temporada. Ele tem 4 gols e 6 assistências em 19 jogos e, se não fosse titular, certamente entraria no decorrer da partida.
O caso de De Bruyne é menos impactante pelo fato de sua ausência já ser esperada. O craque belga está perto de retornar ao time, inclusive voltou a treinar na Arábia Saudita, mas não atua desde o segundo jogo do City na temporada, em agosto.
Claro que a retomada do City, que virá cedo ou tarde, passará provavelmente pelos seus pés, mas o time sobreviveu sem ele, inclusive quando atingia bons resultados até a queda recente.
O ponto é que não há ninguém como KDB no elenco – aquele cara capaz de decidir com um passe magistral ou uma finalização de fora da área na frequência que nos acostumamos. Quando bem, De Bruyne é um dos poucos que podemos chamar de gênios do futebol atual.
Por outro lado, o Fluminense, com sua alta média de idade (fato ironizado pelo jornal Telegraph), chega para a final com o elenco inteiro à disposição. Toda e qualquer decisão de Fernando Diniz até o início do jogo será de ordem técnica ou tática.
3. A maratona de jogos
Sim, é verdade que o Fluminense está no fim da temporada, indo para o seu 72º jogo desde janeiro, enquanto o City vai para o 28º desde agosto. Mas um ponto que não pode ser ignorado é o curto prazo.
Desde a Data Fifa de novembro, o Manchester City foi obrigado a fazer 8 jogos. O Fluminense, 6. O Brasileirão terminou no último dia 7, enquanto os ingleses tiveram compromissos pela Premier League e Champions depois dessa data até viajar à Arábia Saudita. O Flu apenas treinou até enfrentar o Al Ahly.
Além disso, o Fluminense disputou a sua semifinal na segunda-feira. O City, na terça (pois já havia jogado no sábado).
A sequência tem sido ingrata, não à toa Guardiola rodou o elenco quando possível e, na entrevista coletiva, disse que o plano era o time “dormir, dormir e dormir” para se recuperar o mais rápido possível diante da desvantagem de um dia a menos de descanso.
Não tenho como garantir que esse seja um fator preponderante, mas soma-se aos outros na metáfora da bola de neve.
4. John Kennedy
O Fluminense tem bons jogadores, alguns deles com passado ou futuro na Europa, mas um em especial reúne boa parte da fé entre os tricolores. John Kennedy transformou-se num dos principais atacantes do futebol brasileiro, o 12º jogador da temporada (como no prêmio de sexto homem da NBA) e, acima de tudo, possui uma enorme estrela.
Emprestado à Ferroviária para disputar o Paulistão no início do ano, JK superou os problemas extracampo e, aos poucos, tornou-se nome fundamental na conquista da Libertadores. Fez gol em todas as fases do mata-mata, inclusive o do título na decisão contra o Boca Juniors.
Depois, somou mais algumas atuações primorosas no Brasileirão, mesmo quando começou no banco. Está vivendo aquele momento de enorme confiança (a setinha verde para cima do videogame) com uma capacidade técnica incrível. É forte, rápido e tem mostrado ótimo poder de finalização. Seria uma pena realmente se ele tivesse poucos minutos.
Com a cabeça no lugar é jogador para a seleção brasileira.
5. Este Fluminense tem coragem
O mantra repetido à exaustão na temporada se materializou na arrancada até Jeddah. O Fluminense foi campeão carioca depois de perder o jogo de ida por 2 a 0 com uma das maiores exibições recentes da história do Fla-Flu.
Proporcionou ao River Plate a sua pior derrota da história na Libertadores (5 a 1) e, no mata-mata, experimentou as adversidades para seguir contando novas histórias.
Nas oitavas, teve a classificação ameaçada na Argentina, quando jogou com um a menos, e no Rio, quando o Argentinos Juniors parecia levar a decisão para os pênaltis. Samuel Xavier foi o herói nas duas oportunidades.
Nas quartas, contra o Olimpia, a coragem esteve ilustrada nas escalações com John Kennedy como titular. Deu certo no Rio (2 a 0) e em Assunção (3 a 1).
Na semifinal, uma epopeia, com reviravoltas e suspense até o fim. Na ida, Samuel Xavier foi expulso ainda no primeiro tempo, e Cano tirou sabe se de lá onde um gol espírita, de costas para a baliza, para deixar o Fluminense vivo.
Na volta, no Beira-Rio, o jogo parecia ser todo do Inter, quando John Kennedy e Cano selaram a virada em cinco minutos. Ninguém saberá explicar o que aconteceu ali, nem mesmo Enner Valencia.
Na final única, dotado do favoritismo e jogando no Maracanã, o Fluminense precisou da prorrogação, e de mais uma vez de Cano e John Kennedy, para superar o gigante Boca Juniors.
A história não acabou porque tinha o Mundial. Na semifinal contra o Al Ahly, muitos sustos, uma atuação segura de Fábio e novamente a sensação de sobrevivência que seria castigada. Arias e, vejam só, JK selaram o passaporte para a decisão.
Pode ser que tudo isso não faça diferença alguma na sexta-feira? É claro. Mas não há como o torcedor não rebobinar a fita na sua cabeça e não se encher de esperança.
Como dizem por aí, “ninguém quer como a gente”. Talvez essa frase faça sentido logo mais.