Você pode chamar de “crise de rico” ou até mesmo utilizar o eufemismo irônico “white people problems”. Mas a verdade é que o Manchester City invade dezembro vivendo um importante período de turbulência.
Caso você não esteja vendo os jogos, os números podem te dar uma ajudinha a entender o contexto. O City está na sua oitava temporada sob o comando de Pep Guardiola – e desde a primeira não ficava quatro jogos consecutivos da Premier League sem vencer.
Claro que o calendário foi ingrato, mas os empates com Chelsea, Liverpool, Tottenham e a derrota para o Aston Villa representam a pior sequência no Campeonato Inglês desde março de 2017, quando o time ainda tinha Caballero, Sagna, Otamendi, Clichy, Navas, Delph, entre outros.
A sequência sem vitórias na Premier League:
Temporada 2023/24
- Chelsea 4 x 4 Manchester City – 12ª rodada
- Manchester City 1 x 1 Liverpool – 13ª rodada
- Manchester City 3 x 3 Tottenham – 14ªrodada
- Aston Villa 1 x 0 Manchester City – 15ªrodada
Temporada 2016/17
- Manchester City 0 x 0 Stoke – 28ª rodada
- Manchester City 1 x 1 Liverpool – 29ªrodada
- Arsenal 2 x 2 Manchester City – 30ªrodada
- Chelsea 2 x 1 Manchester City – 31ª rodada
Devemos lembrar que Kevin De Bruyne está lesionado desde o dia 11 de agosto, mas a fase não pode ser explicada apenas por sua ausência. A verdade é que o City tem dado motivos para os rivais se animarem – e o comportamento do Aston Villa é um sinal disso.
O City registrou quatro marcas negativas bastante expressivas na última quarta-feira:
- As duas finalizações em toda a partida são o menor número de chutes de um time do Guardiola nas top-5 ligas da Europa em 535 jogos
- As 22 finalizações do Aston Villa são o maior número já sofrido neste mesmo intervalo
- O Aston Villa roubou a bola do City 13 vezes no terço final de campo, também o maior número conquistado contra Guardiola num jogo de Premier League
- O City chegou aos 17 gols sofridos em 15 rodadas da Premier League pela primeira vez desde 2009/10, quando terminou em 5º lugar
O mais espantoso é que o placar tenha sido apenas 1 a 0, e ainda com um gol de Leon Bailey num chute desviado.

Essas são estatísticas geralmente associadas ao Manchester United, mas se olharmos a tabela vem outro espanto: a diferença entre os dois times é de apenas três pontos antes do início da 16ª rodada. Sinal de que algo não está certo.
Um ponto não pode passar batido: Rodri não esteve em campo nas três derrotas do City nesta Premier League (Wolverhampton, Arsenal e Aston Villa). Mais do que De Bruyne, ele é insubstituível, um dos poucos capazes de acalmar o ritmo quando necessário, e absolutamente influente distribuindo o jogo de trás. Além, claro, de ser um leão na marcação – líder de desarmes do time.
Com Rodri, o City está invicto há 43 jogos (desde o 1 x 0 para o Tottenham em fevereiro). Mas precisa encontrar uma maneira de vencer sem ele, uma vez que Kovacic, Matheus Nunes ou, pior ainda, Kalvin Phillips não estão à altura para o cargo no momento.
O problema com meio-campistas, seja por lesões, suspensões ou falta de confiança, tornou o City mais propenso ao caos, e cada vez menos controlador, como nos acostumamos a ver nesses últimos anos.
A lista de problemas aumenta quando falamos em Gündogan e Mahrez, que também deixaram o time no verão. O alemão era um dos melhores em ditar o andamento do jogo, enquanto Mahrez, apesar de ponta, tinha uma capacidade extra de ser mais paciente e menos direto quando necessário.
Lá na frente, Haaland, Doku, Foden, Grealish, Julián Álvarez têm sido muito capazes de resolver os problemas, mas certamente esse não é o futebol que Guardiola imaginava. Até porque ele também se notabilizou por ter as melhores defesas em seus títulos, e essa foi a chave para que conquistasse a Tríplice Coroa na temporada passada – com Stones indo para o meio-campo, e Akanji e Aké ganhando mais minutos até como laterais para ganharem mais duelos.
Na temporada atual, a defesa tem falhado com alguma frequência, até mesmo individualmente – o croata Gvardiol ainda não se provou nesse sentido. Até agora, o City tem a pior média de gols sofridos com Guardiola desde a sua chegada:
- 2023/24 – 23j/25g (1,08)
- 2022/23 – 61j/46g (0,75)
- 2021/22 – 58j/50g (0,86)
- 2020/21 – 61j/42g (0,69)
- 2019/20 – 59j/53g (0,90)
- 2018/19 – 61j/39g (0,64)
- 2017/18 – 57j/46g (0,80)
- 2016/17 – 56j/60g (1,07)
Está mais fácil chegar ao gol de Ederson, e a qualidade das chances dos adversários também parece melhor (os gols do Leipzig em contra-ataque podem ilustrar bem). Aliás, Young Boys e Estrela Vermelha também marcaram de maneira semelhante. Não deixa de ser preocupante.
Manchester City “relaxou”?
Seria, também, uma questão de relaxamento? Guardiola descartou essa hipótese em entrevista coletiva durante a semana. Ao contrário da temporada passada, em que chegou a dar uma bronca no elenco publicamente, ele elogiou o comportamento dos jogadores, as corridas sem bola e até mesmo os semblantes quando o time sofre gols.
— O que posso falar do meu time? Não sei o que vai acontecer no futuro, mas agora não tem nada disso. Estou apaixonado pelo time — chegou a dizer recentemente.
Em tese, as coisas devem melhorar porque esse é o roteiro de Guardiola. Em algum momento da temporada ele vai encontrar alguma solução extravagante para os problemas do time e, claro, precisará de um pouco de sorte para ter os melhores à disposição.
Isso não significa que o City não entre no Mundial de Clubes como grande favorito, é claro. Não seria inteligente da nossa parte também descartá-los na Premier League caso o líder abra uma vantagem considerável. A gente sabe que as coisas se decidem mesmo em março e abril.
O que não exclui o fato de, neste momento, o time estar mais vulnerável do que se esperava.