A esquecida campanha da Inglaterra na Eurocopa de 1968, sua melhor no torneio

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A participação da Inglaterra na Eurocopa de 1968, na melhor colocação na história do torneio, costuma ser pouco lembrada, quando comparada a da Euro 1996.

Naquele tempo, a Eurocopa era um torneio com regulamento que trazia suas semelhanças com o da atual Liga das Nações. A começar pelo fato de o país-sede ser escolhido apenas depois de definidos os finalistas – quatro, mesmo número do novo torneio.

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As Eliminatórias da Eurocopa eram divididas em duas etapas. Primeiro as seleções (apenas 31 na época) eram distribuídas em oito grupos (sete com quatro seleções e um com três). O primeiro colocado de cada uma das oito chaves avançava para a fase seguinte.

As quartas de final, jogadas em ida e volta e já no mesmo ano da fase decisiva, ainda faziam parte das Eliminatórias. Os quatro classificados avançavam então para a etapa final do torneio, disputada em sede fixa, com semifinais, decisão de terceiro lugar e final.

Atual campeã do mundo, a Inglaterra de Alf Ramsey ficou num grupo eliminatório que valia também por duas edições do Campeonato Britânico, histórico torneio anual disputado desde o fim do século XIX pelas quatro seleções do Reino Unido.

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Mesmo com o título mundial conquistado com uma base sólida, era nítido que alguns jogadores daquela equipe inglesa já viviam seus últimos momentos na seleção. Eles não resistiriam a mais um ciclo de quatro anos, de olho na Copa do Mundo do México.

Pelos próximos 24 meses, nomes como os laterais George Cohen e Ray Wilson, o zagueiro Jack Charlton, o volante Nobby Stiles e o centroavante Jimmy Greaves ganharam sérios concorrentes ou mesmo fizeram suas últimas partidas pela Inglaterra.

Com essa ideia de renovação, Alf Ramsey fez estrear novatos como o goleiro Alex Stepney (do Manchester United), o lateral Cyril Knowles (do Tottenham), além do meia Colin Bell e do atacante Mike Summerbee, destaques do Manchester City.

Jogador versátil, Knowles era o candidato ao posto que em breve George Cohen deixaria vago, enquanto Bell e Summerbee eram parte integrante do timaço que o Manchester City montaria naquele fim da década de 1960.

Ramsey também trouxe de volta alguns nomes que ficaram de fora da Copa, mas que já haviam sido testados na seleção: o zagueiro Brian Labone (Everton), o lateral Keith Newton (Blackburn), o volante Alan Mullery (Tottenham) e o ponta Peter Thompson (Liverpool).

Também chegaram a participar desses jogos preparatórios alguns atletas que não seriam incluídos na lista final de convocados para a Eurocopa, como o meia John Hollins, do Chelsea, e o zagueiro David Sadler, do Manchester United.

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Porém, nos dois primeiros jogos, contra a Irlanda do Norte em Belfast e o País de Gales em Wembley, o técnico escalou exatamente a mesma equipe que havia batido a Alemanha Ocidental na prorrogação em julho de 1966 e levantado a Jules Rimet.

No Windsor Park, em 22 de outubro de 1966, contra uma Irlanda do Norte que escalava caras conhecidas da liga inglesa, como Pat Jennings, Derek Dougan e George Best, os ingleses venceram por 2 a 0 com Roger Hunt e Martin Peters balançando as redes.

Em novembro, após um empate a zero com a Tchecoslováquia em amistoso, foi a vez de pegar os galeses, que acabaram goleados. Ainda no primeiro tempo, Geoff Hurst marcou duas vezes, Wyn Davies descontou, mas Bobby Charlton fez o terceiro dos ingleses.

Na etapa final, após os galeses acertarem a trave com Ron Davies, os ingleses aumentaram com um incrível gol contra de Terry Hennessey e, nos minutos finais, fecharam a contagem em 5 a 1 com uma cabeçada de Jack Charlton. Um passeio.

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O primeiro jogo do ano de 1967, no dia 15 de abril, foi a partida fundamental contra a Escócia em Wembley. Valia o título daquela edição do Campeonato Britânico e também a permanência na liderança do grupo das Eliminatórias da Eurocopa.

Mesmo ostentando o prestígio de campeões do mundo e precisando de um empate para ficar com a taça do torneio das ilhas, os ingleses foram surpreendidos por um time escocês baseado no Celtic, que dali a algumas semanas se sagraria campeão europeu.

Os escoceses foram para o intervalo vencendo com gol de Denis Law e, na etapa final, ampliaram com Bobby Lennox. Nos seis minutos finais, houve tempo para Bobby Charlton descontar, Jim McCalliog anotar o terceiro do Tartan Army e Jack Charlton diminuir de novo.

Desalojada da liderança do grupo, a Inglaterra procurou recuperar a moral vencendo Espanha e Áustria em amistosos, antes de enfrentar o País de Gales no alçapão do Ninian Park de Cardiff pela rodada seguinte, em 21 de outubro de 1967.

Com o cão de guarda Nobby Stiles substituído por um volante mais técnico, Alan Mullery, e Keith Newton jogando no lugar de Ray Wilson na lateral esquerda, os ingleses venceram com facilidade por 3 a 0, gols de Martin Peters, Bobby Charlton e Alan Ball, de pênalti.

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Melhores ainda foram as notícias de Belfast, onde, graças a um George Best em estado de graça, a Irlanda do Norte havia batido a Escócia por 1 a 0, gol do lateral Dave Clements, num resultado que devolvia aos ingleses a posição de comando no grupo.

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Um mês depois, os ingleses batiam os norte-irlandeses por 2 a 0 em Wembley, com gols de Geoff Hurst e Bobby Charlton, enquanto os escoceses suavam para vencer os galeses por 3 a 2 de virada no Hampden Park de Glasgow, local que receberia a decisão do grupo.

O jogo da volta entre Escócia e Inglaterra, em 24 de fevereiro de 1968, valia a vaga nas quartas de final da Eurocopa. Os ingleses precisavam do empate, mas teriam de encarar o maior público da história do torneio: 134 mil torcedores lotaram o Hampden Park.

Mas o time de Alf Ramsey suportou a pressão e levou a melhor. Ainda no primeiro tempo, os escoceses tiveram um gol de Lennox bem anulado por falta em Banks, os ingleses abriram a contagem com Martin Peters e sofreram o empate em cabeçada de John Hughes.

Na etapa final, a Inglaterra teve as melhores chances, incluindo uma bola salva em cima da linha pela zaga escocesa seguida por uma defesa espetacular do goleiro Ronnie Simpson. Mas o 1 a 1 bastou para frustrar os velhos rivais e avançar no torneio europeu.

O adversário nas quartas de final seria a Espanha, então detentora do título continental, mas que começava a viver um período de baixa que significaria um jejum de 12 anos sem participar da fase final de um grande torneio de seleções.

Mesmo assim, os espanhóis ainda contavam com grandes jogadores, como o zagueiro Pirri, o meia Amancio e o veterano ponta-esquerda Gento, todos do Real Madrid, e fez jogo duro contra os ingleses em Wembley, na partida de ida, disputada no dia 3 de abril.

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A Inglaterra precisou de uma cobrança ensaiada de falta executada por Bobby Charlton para marcar o único gol da partida, aos 39 minutos do segundo tempo, e levar uma vantagem mínima para o duelo de volta, no Santiago Bernabéu, em Madri.

Depois de um primeiro tempo sem gols, os espanhóis saíram na frente logo no início da etapa final com Amancio concluindo uma troca de passes. Mas aos dez minutos, a Inglaterra empatou com um gol de cabeça de Martin Peters após escanteio.

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Precisando vencer para forçar um terceiro jogo, a Espanha foi para cima, mas sofreu a virada nos minutos finais, depois de Roger Hunt descer pela direita e cruzar para a finalização do zagueiro Norman Hunter, que havia sido escalado como um volante adicional.

Duas semanas antes do jogo de Madri, Alf Ramsey havia divulgado uma lista de 22 convocados que seria praticamente igual à relação final da Eurocopa. Só havia uma exceção: o goleiro Peter Bonetti, do Chelsea, reserva imediato de Banks, ficou fora.

Bonetti havia sido titular naquele jogo de volta contra a Espanha em Madri, mas sofrera uma lesão nos ligamentos do joelho durante a partida. Diante disso, seria substituído na lista final por Gordon West, arqueiro do Everton.

Depois de dois amistosos de preparação contra Suécia e Alemanha Ocidental, a lista final foi divulgada.

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Os três goleiros eram Gordon Banks (Stoke) e os novatos Alex Stepney (Manchester United) e Gordon West (Everton). Para as laterais, foram chamados a dupla do Everton, Tommy Wright e Ray Wilson, mais Cyril Knowles (Tottenham) e Keith Newton (Blackburn).

Os quatro zagueiros convocados foram o capitão Bobby Moore (West Ham), o novo titular Brian Labone (Everton) e os dois do Leeds, Jack Charlton e Norman Hunter. Já como volantes foram levados Alan Mullery (Tottenham) e Nobby Stiles (Manchester United).

Alan Ball (Everton) e Martin Peters (West Ham), os falsos pontas que ajudaram a celebrizar o esquema 4-4-2 de Ramsey, também foram mantidos, mas havia a opção dos ponteiros autênticos Mike Summerbee (Manchester City) e Peter Thompson (Liverpool).

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Campeão europeu com o Manchester United, Bobby Charlton continuava como referência na ligação com o ataque. E ainda entre os meias, o treinador podia contar com o armador Colin Bell, nome fundamental no recém-conquistado título inglês do Manchester City.

Os atacantes de centro convocados foram três, todos campeões do mundo: Jimmy Greaves (Tottenham), titular na primeira fase da Copa até se lesionar; Geoff Hurst (West Ham), o herói da final de 1966 e seu substituto; e Roger Hunt (Liverpool).

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Na divisão por clubes, quem mais cedeu jogadores entre os 22 da lista foi o Everton, com cinco. Em seguida, vinham Manchester United, Tottenham e West Ham com três; Leeds, Liverpool e Manchester City com dois; e Blackburn e Stoke com apenas um cada.

Além da Inglaterra, as outras seleções finalistas eram a Itália, a União Soviética e a Iugoslávia, que seria a adversária do time de Alf Ramsey.

Em Florença, a partida foi muito truncada e cheia de jogadas ríspidas. Mas os ingleses levariam a pior. A quatro minutos do fim, Dragan Dzajic receberia cruzamento e marcaria o gol da vitória dos iugoslavos. E para piorar, Alan Mullery seria expulso logo depois.

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Ao ser atingido com um pontapé por trás dado pelo meia Dobrivoje Trivic, o volante perdeu a paciência e revidou. Foi expulso, tornando-se o primeiro jogador da seleção inglesa a ser posto para fora de campo pela arbitragem na história.

Na outra semifinal, em Nápoles, Itália e União Soviética ficaram no 0 a 0, e a definição da vaga foi para um esdrúxulo sorteio. Na moedinha, os anfitriões passaram à final, relegando os soviéticos a disputarem o terceiro lugar com os ingleses.

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A partida que valeu o “bronze” foi disputada em Roma, e foi bem mais atrativa. Com o estreante Tommy Wright, Nobby Stiles e Geoff Hurst entrando no time nos lugares de Keith Newton, do suspenso Alan Mullery e de Alan Ball, os ingleses venceram por 2 a 0.

Aos 39 minutos do primeiro tempo, Bobby Charlton aproveitou a sobra de uma bola disputada pelo alto por Geoff Hurst para bater forte. Na etapa final, foi a vez do próprio Hurst fechar o placar.

Aproveitando uma bola recuperada na intermediária soviética e que rebateu na zaga adversária, o centroavante invadiu a área, ganhou a disputa com o goleiro e tocou para as redes, selando a vitória inglesa que valeu o terceiro lugar no torneio.

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Na final da Eurocopa de 1968, Itália e Iugoslávia fizeram um jogo quente e polêmico, que acabou empatado em 1 a 1. Dois dias depois, as seleções voltaram a campo para um replay. Os donos da casa venceram por 2 a 0, faturando seu único caneco na história da Eurocopa.

Para a Inglaterra, a hora agora era de seguir o trabalho projetando a próxima Copa do Mundo, dali a dois anos no México, para a qual seguia como favorita.

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Emmanuel do Valle
Emmanuel do Valle

Jornalista de Niterói, formado pela Universidade Federal Fluminense e com passagens por Agência EFE, Jornal dos Sports, Lance! e TV Globo. Atualmente, também colaboro com o site Trivela, além de outros projetos. Pesquisador voraz da história do futebol nacional e internacional.