Quais as funções de um camisa 10 moderno? Meias de Arsenal e Tottenham indicam o caminho na Premier League

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Zico, Maradona e Zidane são camisas 10 clássicos que marcaram época no futebol em décadas anteriores mas que, hoje em dia, levantam dúvidas se teriam o mesmo desempenho. Será que um meia pouco comprometido com a fase defensiva e sem muitas valências físicas sobreviveria no alto nível do futebol europeu de 2023?

A posição de meia armador, de fato, tem bem menos exemplos famosos nos maiores times do mundo. Os esquemas evoluíram de tal forma que o principal criador de jogadas precisou se desdobrar para além da sua função principal.

Jude Bellingham, por exemplo, o craque do meio-campo do Real Madrid, é reconhecido por ser um meio-campista versátil, não apenas um armador. Já Bernardo Silva, do Manchester City, é um meia criativo que atua predominantemente pelas pontas, não na faixa central.

Duas exceções estão nos dois líderes da Premier League. Tottenham e Arsenal chegaram ao topo da maior liga do mundo com dois titulares incontestáveis que ao menos lembram os camisas 10 clássicos que encantaram o futebol. São os casos de James Maddison nos Spurs e Martin Odegaard nos Gunners.

A PL Brasil levou em conta o desempenho da dupla do norte de Londres no início da temporada 2023/24 para tentar responder à pergunta: o que um camisa 10 moderno precisa fazer para ter sucesso na Premier League?

Recomposição sem a bola

A análise parte do princípio que o meia precisa se comprometer com funções defensivas de uma forma que não era comum em décadas anteriores. Especialmente na Premier League, um campeonato conhecido pela sua intensidade.

Isso naturalmente cobra uma dedicação de Odegaard e Maddison em momentos que seus times não estão com a bola. Mas não a ponto de precisar acompanhar o lateral adversário, voltar a todo momento ao campo defensivo ou qualquer outra tarefa que prejudique suas características principais.

No caso do Tottenham, Maddison normalmente atua centralizado quando o time tem a posse, atrás do centroavante — Richarlison, Son ou Brennan Johnson. Mas, quando perde o domínio, ele recompõe ao lado do principal atacante. Isso permite que ele desempenhe a função defensiva sem ser ‘sacrificado’ fisicamente, uma vez que atrás dele ainda fica posicionada uma linha de quatro jogadores formada por volantes e pontas.

O mapa de calor de Maddison no Tottenham de 2023/24. Atua centralizado e recompõe pela esquerda, ao lado do atacante (Foto: Reprodução Wyscout)

É um movimento semelhante ao de Odegaard. A diferença é que o gooner atua mais à direita, num meio-campo que avança com Declan Rice de volante e outro meia mais à esquerda, como Kai Havertz ou Fábio Vieira. Mas, na recomposição, o camisa 8 também volta junto com o centroavante (Gabriel Jesus ou Nketiah, normalmente), formando o mesmo 4-4-2 sem a bola dos Spurs. E com os mesmos benefícios do movimento de Maddison.

Mapa de calor de Odegaard no Arsenal. Mesma lógica de Maddison, mas mais à direita (Foto: Reprodução Wyscout)

Interceptações e duelos defensivos

Num contexto em que tanto Arsenal quanto Tottenham são times acostumados a pressionar alto e com frequência, os papéis dos meias sem a bola ganham ainda mais importância. São eles, ao lado dos atacantes centralizados, os responsáveis por dar o primeiro bote, normalmente mais agressivo e fundamental para que o resto da pressão seja exercida adequadamente.

Isso faz com que Odegaard e Maddison sejam meias-atacantes que se envolvem em um número considerável de duelos defensivos. O norueguês participa de uma média de 4,7 disputas sem a bola por 90 minutos, com 56,1% de sucesso. Já o inglês tem uma média de 4,1 duelos defensivos por jogo, com 58,9% de eficácia.

Odegaard na defesa em 2023/24

  • 4,5 ações defensivas certas por 90 minutos – 6º entre os meias/atacantes do time
  • 4,7 duelos defensivos por 90 minutos – 5º entre os meias/atacantes do time
  • 56,1% dos duelos defensivos ganhos – 5º entre os meias/atacantes do time
  • 1,3 interceptações no campo de ataque por 90 minutos – 2º do time
  • Dados: Wyscout e Fotmob
O marcador Odegaard correndo atrás de Kovacic num Arsenal x City (Foto: Icon Sport)
O marcador Odegaard correndo atrás de Kovacic num Arsenal x City (Foto: Icon Sport)

Levando em conta apenas os meias e atacantes, os dois ‘camisas 10’ só são superados na maioria dos quesitos pelos jogadores que atuam centralizados — como Jesus no Arsenal e Richarlison ou Son nos Spurs –, justamente os que também são responsáveis pelo primeiro bote, ou por atletas cuja característica física ajuda nesse tipo de disputa, como os pontas Bukayo Saka e Dejan Kulusevski.

Em comparação com toda a liga, Maddison e Odegaard se envolvem em mais duelos defensivos por jogo que zagueiros como Van Dijk (Liverpool), Ben White (Arsenal), Ruben Dias (Manchester City) e Thiago Silva (Chelsea), além dos meio-campistas como Kovacic (City) e Hojbjerg (Tottenham).

Tudo bem que a comparação não é a mais precisa, uma vez que zagueiros de times que ficam muito com a posse tendem a se envolver em menos duelos e passar pouco tempo defendendo. Mas dá uma noção do nível de comprometimento que os atletas do setor ofensivo precisam ter na fase defensiva.

Maddison na defesa em 2023/24

  • 3,6 ações defensivas certas por 90 minutos – 6º entre os meias/atacantes do time
  • 4,1 duelos defensivos por 90 minutos – 4º entre os meias/atacantes do time
  • 58,8% dos duelos defensivos ganhos – 2º entre os meias/atacantes do time
  • 0,8 interceptações no campo de ataque por 90 minutos – 7º do time
  • Dados: Wyscout e Fotmob
Maddison tenta desarmar Cullen em Tottenham x Burnley (Foto: Icon Sport)
Maddison tenta desarmar Cullen em Tottenham x Burnley (Foto: Icon Sport)

Além disso, a dupla do norte de Londres soma uma média de ações defensivas bem-sucedidas maior que defensores como Pau Torres (Aston Villa) e Ben Chilwell (Chelsea), e um nível bem semelhante aos zagueiros Harry Maguire (Manchester United) e Diego Carlos (Villa), ao volante Tom Cairney (Fulham) ou ao lateral Kyle Walker (City).

Tamanha aplicação também torna a dupla de meias especialista em interceptações no campo de ataque. Segundo a plataforma de estatísticas Fotmob, Maddison só perde no critério entre os atacantes do Tottenham para Kulusevski, enquanto Odegaard é o segundo jogador de todo o elenco do Arsenal que mais intercepta bolas na metade ofensiva — atrás apenas de Gabriel Jesus.

E, é claro, a criatividade

Fora todas as exigências sem a bola, não pode faltar a principal função de um meia: criar chances de gol. E nesse critério, Odegaard e Maddison também são especialistas.

Maddison no ataque em 2023/24

  • 2 gols
  • 5 assistências – 1º da liga
  • 25 chances criadas – 2º da liga

O camisa 10 dos Spurs participou diretamente de sete gols em nove jogos na Premier League, com dois gols e cinco assistências. Ele é o líder em passes para gol da liga e o segundo em chances criadas, atrás de Kieran Trippier, segundo o Fotmob.

Odegaard no ataque em 2023/24

  • 3 gols
  • 1 assistência
  • 13 chances criadas – 2º do time

Odegaard, por sua vez, tem três gols e uma assistência na Premier League 2023/24. Ele é o segundo jogador que mais criou chances na temporada em todo o elenco dos Gunners, ficando atrás só de Saka.

Tottenham e Arsenal disputam a liderança da tabela

Com exatamente a mesma pontuação, Tottenham e Arsenal entram em campo na rodada após a Data Fifa brigando para ver quem fica na ponta da tabela. Os Spurs tem a vantagem no critério dos gols marcados e só entram em campo na segunda-feira, diante do Fulham, às 16h (de Brasília). Já os Gunners visitam o Chelsea neste sábado, às 13h30.

Diogo Magri
Diogo Magri

Jornalista nascido em Campinas, morador de São Paulo e formado pela ECA-USP. Subcoordenador da PL Brasil desde 2023. Cobri Copa América, Copa do Mundo e Olimpíadas no EL PAÍS, eleições nacionais na Revista Veja e fui editor de conteúdo nas redes sociais do Futebol Globo CBN.

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