MATÉRIA ORIGINALMENTE PRODUZIDA POR MATT SLATER, DA BBC SPORT. CLIQUE AQUI PARA LER A VERSÃO EM INGLÊS.
No dia 23 de junho, os olhos do mundo inteiro estarão voltados para Reino Unido. É em uma quinta-feira que as populações da Inglaterra, da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte irão decidir se permanecem ou saem da União Europeia (UE). Além dos desdobramentos políticos e econômicos, o “Brexit”, termo dado a possível saída dos britânicos da UE (Britain + exit), também terá grande influência no futebol. Dados apontam que mais de 400 jogadores que participam dos campeonatos britânicos poderão perder o direito de permanecer no Reino Unido.
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Enquanto algumas pessoas temem que esses jogadores estrangeiros tenham que se retirar do futebol britânico, outras defendem que essa saída pode oferecer mais chances aos jogadores locais.
“Deixar a União Europeia afetará o futebol mais que as pessoas imaginam”, afirmou a empresária Rachel Anderson. “Nós estamos falando de metade da Premier League precisar de permissão de trabalho. O impacto em curto prazo seria enorme, mas pode-se argumentar que, em longo prazo, isso forçará os clubes a procurarem talentos locais”, explicou Anderson.
Algumas pessoas que fazem campanha para a saída dos britânicos do bloco, como Brian Monteith, argumentam que, depois do Brexit, o Reino Unido poderia diminuir as restrições de livre circulação para o resto do mundo. “Isso resultaria em uma maior abrangência de novos talentos aumentasse e não o contrário”, explicou Monteith.
QUEM PODE SER AFETADO?
Atualmente, jogadores que detém passaporte europeu têm autorização para jogarem no Reino Unido; aqueles que não possuem devem ser aprovados nos critérios do Home Office (departamento britânico responsável pela autorização e emissão da permissão de trabalho).
Análises dos elencos de times das duas primeiras divisões da Inglaterra e da Escócia apontaram que 332 jogadores não cumpririam os requisitos para solicitação da permissão de trabalho.
Caso o Reino Unido deixe a UE, mais de 100 atletas da Premier League seriam afetados. Aston Villa, Newcastle United e Watford poderiam perder 11 jogadores de seus elencos, enquanto o Charlton Athletic, da Championship, teria que encontrar 13 novos atletas para seu plantel.
Na verdade, apenas 23 dos 180 jogadores europeus não-britânicos que jogam a Championship conseguiriam a permissão de trabalho – e a maioria deles são da Irlanda ou da Commonwealth (associação de 53 estados soberanos, sendo em sua maioria ex-colônias britânicas, com exceção de Moçambique e Ruanda) e possuem passaportes do Reino Unido.
Espantosamente, nenhum dos 53 atletas europeus não britânicos que jogam na Scottish Premiership conseguiriam a permissão levando em conta suas carreiras internacionais. Esta é a mesma situação encontrada pelos 63 jogadores europeus não-britânicos da League One e 46 da League Two.
A lista de jogadores que tem grande chances de perder o direito de jogar no Reino Unido incluem duas grandes estrelas dessa temporada da Premier League: N’Golo Kante, jogador do Leicester City, e Dimitri Payet, do West Ham. Ambos marcaram gols pela seleção francesa essa semana.
A vice-presidente do Conselho de Administração do West Ham e membro da campanha “Britain Stronger in Europe”, Karren Brady, já escreveu aos clubes do Reino Unido alertando-os sobre as consequências devastadores que a saída do bloco resultaria.
Richard Scudamore, presidente da Premier League, deixou claro em um discurso feito no Instituto de Diretores no último ano que, pessoalmente, acreditava que o Reino Unido deveria permanecer na UE. Todavia, a posição oficial da Premier League é que a continuação ou não dos britânicos no bloco é uma questão para os eleitores e que eles sempre trabalham com “o governo do dia”.
O QUE PODERIA ACONTECER?
A Liga acredita que é quase impossível saber como ficaria a situação dos jogadores estrangeiros caso o Reino Unido decida sair. Esta dúvida é a mesma compartilhada pela Football Association.
O governo, por exemplo, poderia criar um sistema de cotas similar a que o ex-presidente da Fifa, Joseph Blatter, sugeriu em 2008. Segundo a ideia de Blatter, os times deveriam seguir a regra de “6+5”, ou seja, ter seis jogadores no time titular que sejam do mesmo país do clube e somente cinco estrangeiros. O ex-presidente afirmava que isso faria com que os clubes locais criassem laços mais fortes com as seleções nacionais.
Outra opção levantada é a da realização de acordos bilaterais como o que existe entre Argentina e Brasil, que facilitariam que jogadores de outras nações jogassem no Reino Unido.
Até a atual temporada, os atletas que não possuem um passaporte europeu deveriam ter jogado 75% dos jogos por sua seleção nacional ao longo dos últimos dois anos, sendo essa regra válida somente para as 70 melhores nações do ranking da FIFA. Apelações judiciais eram permitidas no caso de bons jogadores cujos países figuravam abaixo da 70ª colocação no ranking e atletas que não foram convocados por estarem lesionados.
As novas regras listadas abaixo foram criadas após pressão da FA e tem como objetivo balancear o desejo dos clubes em contratar os melhores jogadores disponíveis e a necessidade de abertura a jovens atletas britânicos.
QUAIS SÃO AS REGRAS?
Caso o “sim” vença e o Reino Unido venha a concretizar sua saída da União Europeia, os jogadores dos outros 27 países que formam o bloco deverão atender aos seguintes critérios para solicitar a permissão de trabalho:
- O jogador de um país que está entre os 10 primeiros colocados no ranking da Fifa precisará ter jogado 30% dos jogos em sua seleção nacional nos últimos dois anos (a contar do dia em que solicitou a permissão de trabalho)
- O jogador de uma nação que esteja entre a 11ª e a 20ª posição no ranking deverá ter jogado 45% dos jogos internacionais
- A porcentagem sobe para 60% quando o jogador for de países que estão entre a 21ª e a 30ª colocação e para 75% entre o 31º e 50º colocado
Segundo o Gregory Ioannidis, Professor Doutor da Universidade Sheffield Hallam, as regras para obtenção da permissão poderão se tornar mais flexíveis se o Reino Unido deixar a UE. Caso isso realmente aconteça, ele diz não prever quaisquer problemas para os clubes britânicos.
Mas Ioannidis acredita que pode ser difícil tal acordo dar certo na prática, uma vez que jogadores são considerados trabalhadores perante a lei e não podem ser tratados como uma categoria especial.
Muitos especialistas supõe que as regras para emissão da permissão de trabalho serão enfraquecidas, como acontece, por exemplo, com a Noruega e a Suíça, países que não fazem parte da EU.
“Eu ficaria surpreso se as regras para permissão de trabalho não fossem repensadas”, declarou o Professor Raymond Boyle, da Universidade de Glasgow. “Países como a Suíça simplesmente fazem suas próprias regras. Minha opinião é que a elite do comércio esportivo sempre terá o poder de influenciar as regras para poder se beneficiar”, adicionou o especialista em indústria esportiva.
Entretanto, todos concordam em um ponto: o futebol britânico entraria em um período de fluxo quando as novas regras forem decididas e os clubes tiverem que rebalancear suas equipes.
“Isso pode ser uma mudança positiva para os talentos locais em longo prazo”, afirmou o o empresário Simon Bayliff. “Mas, por outro lado, o valor da Premier League pode decair, já que sua coleção de grandes jogadores é parte de sua atração. Eu, particularmente, não acredito que isso impactará muito as grandes estrelas do futebol, mas pode sim prejudicar as negociações de jogadores desconhecidos internacionalmente, o que afetaria a qualidade da liga e o interesse de investidores estrangeiros”, explica Bayliff. “Mas isso tudo depende de como acontecerá o Brexit e isso é impossível prever”, concluiu.