Em 2017, a banda Queen Of Stone Age lançou seu sétimo álbum de estúdio intitulado “Villains” e em sua última faixa trazia o som de “Villains Of Circumstance”. “Sinto sua falta agora, o que aconteceu comigo? / Somos reféns da geografia / A espera é longa, e pesada também”. O início da música de encerramento do álbum pode ser muito bem traduzido para a realidade de um dos maiores fatos históricos do futebol inglês. A temporada era a de 1980/81, período esse que precede a criação do formato da Premier League. O ator principal dessa história: o campeão Aston Villa.
Vencedor da liga pela última vez em 1910, o clube de Birmingham vivia à época a sua maior seca de títulos por essa competição. Foi campeão da Copa da Liga em 1974/75 e 1976/77, porém não trazia consigo a estigma de um clube favorito ao título da temporada que estava prestes a começar e os torcedores sentiam falta do gosto do maior triunfo do país.
Ao fim da temporada, a espera acabou, mas não sem as emoções de um ano repleto de surpresas. O caminho para a vitória não foi fácil e exigiu que o enxuto elenco dos Villans desse tudo o que possuíam naquela que seria uma das conquistas mais emblemáticas do time. Além disso, abriu a porta para o maior voo do Aston Villa em sua história centenária.
O caminho livre para a liga
Para entender um pouco sobre como o Aston Villa conseguiu um título inesperado, tanto por conta da surpresa de estar na disputa pela taça quanto por utilizar apenas 14 jogadores em toda a campanha, primeiro é preciso compreender que o clube obteve uma enorme vantagem em relação aos seus adversários: possuía o caminho livre para a liga.
Assim como o Chelsea campeão inglês com folga na temporada 2016/17, que não contava com participações em ligas europeias, o clube de Birmingham também estava isento de participações continentais.
Muitos atribuíram aos Blues esse fator como sendo um dos principais para ter o fôlego e a tranquilidade para se chegar ao título.
Com o Aston Villa a história não foi muito diferente. Esse motivo ainda é acrescido quando se coloca na mesa o fato de que a equipe foi eliminada das duas copas nacionais cedo demais.
Os Villans foram despachados em 23 de setembro de 1980 pelo Cambridge United na Copa da Liga e da Copa da Inglaterra em 3 de janeiro de 1981 pelo Ipswich Town.
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Dessas duas derrotas é interessante mostrar que após a eliminação de setembro o clube conseguiu sua maior sequência invicta dentro da Primeira Divisão daquela temporada e ao perder para o Tractor Boys também obteve outra boa série de resultados.
Isso sem contar o fato de que o Ipswich foi, até a última rodada, o favorito ao título inglês e permanecendo na Copa da Inglaterra teve de dividir forças na reta final.
Essa vantagem, porém, não diminui o fato de que a conquista foi realizado com muito esforço. Utilizar apenas 14 jogadores é quase impensável quando se analisa que a Primeira Divisão da época contava com 42 rodadas, pois haviam 22 times disputando-a.
Dos 11 titulares, sete deles estiveram em todas as partidas sendo que quatro deles eram meios-campistas (Des Bremner, Gordon Cowans, Tony Morley e Dennis Mortimer).
Um fato curioso que mostra o pesadelo que era o calendário inglês está na sequência de fim de ano realizada em 1980. Se Pep Guardiola é um defensor voraz de uma melhora nas datas em 2019, o que o técnico diria de jogar dois dias seguidos?
O Aston Villa esteve em campo no dia 26 de dezembro contra o Stoke no Villa Park e no dia seguinte jogava contra o Forest no estádio do adversário.
As sequências vitoriosas do Aston Villa
A cidade de Birmingham pode não estar tão ao norte quanto às de Manchester ou Newcastle, mas o Aston Villa pareceu entender bem que é preciso estar preparado para o frio do inverno inglês.
Ainda durante o outono, os comandados de Ron Saunders venceram o Wolverhampton e iniciaram ótima sequência invicta.
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Foram dois meses adquirindo pontos e mais pontos, engordando para a chegada dos dias frios. Nesse período golearam o Sunderland por 4 a 0, derrotaram com propriedade o Tottenham no Villa Park por 3 a 0 e empataram em 3 a 3 com o Manchester United. Ao todo foram 12 partidas, nas quais o time se saiu vitorioso em nove delas. Esses resultados colocaram o Aston Villa no topo da liga até dezembro.
A sequência acabou somente quando foi necessário confrontar um dos aspirantes ao título, o Liverpool no Anfield. Na ocasião o Aston Villa não conseguiu se impôr na casa do adversário e foi derrotado pelo placar de 2 a 1. Da derrota que aconteceu em 22 de novembro de 1980 até o dia 20 do mesmo mês, foram 10 pontos disputados e apenas 3 adquiridos.
O Aston Villa só voltou a engrenar uma boa série quando derrotou o Stoke City por 1 a 0 em 26 de dezembro e manteve-se invicto por nove partidas, só tornando a ser derrotado em 21 de março de 1981 pelo Tottenham no White Hart Lane.
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O grupo inteiro teve grande empenho para manter os bons resultados, mas até mesmo os jogadores do Villa admitem que parte do sucesso se deve à uma peça que chegou na temporada e encaixou muito bem no esquema de Saunders: Peter Withe.
O atacante vinha do Newcastle, mas era conhecido na Inglaterra por sua passagem no Nottingham Forest, onde fora campeão da liga pouco tempo atrás. Dono de um poderio físico louvável e ótimo na bola aérea, Withe cumpriu muito bem a função de pivô além de conseguir arrancadas formidáveis em contra-ataques fulminantes.
Em suas atuações pelos Villans é possível ver uma semelhança com Vardy, do Leicester.
Toda essa conjuntura de habilidades e a boa parceria que fez com o jovem Gary Shaw lhe renderam 20 gols na liga. Juntos, os atacantes marcaram 38 vezes para o Aston Villa e muitas vezes ambos estavam servindo um ao outro.
A briga com os concorrentes ao título
Ao início da temporada, três clubes traziam consigo a expectativa de fazer uma grande campanha na Primeira Divisão: Nottingham Forest, Liverpool e Ipswich Town.
O primeiro vinha de boas épocas e ainda conservava o excelente trabalho de Brian Clough, comandando o time campeão inglês de 1977/78 e bi da Liga dos Campeões de 1978/79 e 1979/80.
Sendo o grande adversário à ser batido na temporada, o Liverpool era o atual vencedor da mais almejada taça nacional.
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Haviam vencido na temporada passada o caneco e tinham em seu elenco jogadores como Kenny Dalglish e Ian Rush.
Os Tractor Boys, porém, foram o maior desafio do Aston Villa na temporada.
Bobby Robson foi seu comandante, preparando o grupo para dar combate em todas as frentes que disputariam naquele ano. Foi responsável por eliminar os Villans da FA Cup e naquela mesma temporada conseguiram o título da Copa Uefa.
Os resultados no que poderiam ser os confrontos diretos pela briga pelo título não foram dos melhores. Das seis partidas disputadas, apenas duas foram vencidas. Contra o Forest, o Aston Villa conseguiu seu melhor desempenho: 2 a 2 (Fora) e 2 a 0 (Casa).
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O placar construído no City Ground foi de grande importância, pois a partida fora realizada no dia 27 de dezembro, período de grande concentração de partidas.
Contra o Liverpool, uma vitória em casa e uma derrota em Anfield.
O duelo direto serviu para mostrar força ante aos rivais, mas mesmo estando na corrida na primeira metade da temporada o clube da cidade de Liverpool foi irregular durante o decorrer do ano e terminou apenas em 5º lugar na Primeira Divisão.
Apesar disso, terminaram comemorando, pois foram vencedores da Liga dos Campeões de 1980/81.
O Ipswich Town provou ser uma pedra no sapato dos Villans. Foram duas derrotas para o clube de nome homogêneo à cidade. Uma delas em momento crucial, restando apenas cinco rodadas para o fim da temporada e com a distância entre ambos sendo de poucos pontos. Esse confronto foi essencial para que a disputa pelo título durasse até o último segundo da rodada final.
Do pesadelo ao sonho
O Aston Villa visitava o Highbury para enfrentar o Arsenal pela 42ª e última rodada da Primeira Divisão. Precisava apenas empatar com os Gunners para que colocassem a mão na taça, do contrário teriam de torcer contra o Ipswich Town.
A situação era complexa, pois o Ipswich ainda possuía duas partidas para serem jogadas. Uma no mesmo dia da disputada pelo Villa e contra o Middlesbrough válida pela 42ª rodada, além de outra referente à rodada adiada contra o Southampton.
Com 56 pontos, o clube ainda poderia chegar aos 60 do Aston Villa caso ele perdesse para o Arsenal. Vale ressaltar que à época cada vitória valia dois pontos.
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O otimismo estava à favor dos Villans, mas então o pior cenário que poderia ser construído esteve em prática. O Arsenal vencia e não tinha motivos para tirarem o pé do acelerador, pois ainda estavam buscando a terceira colocação na liga. Enquanto isso, os Tractor Boys faziam seu papel ao derrotando por 1 a 0 o Boro.
É nesse momento que “Villains Of Circumstance” deve ser invocado mais uma vez, havendo palavras na música que poderiam muito bem interpretar a situação e os sentimentos de torcida e jogadores:
“Eu preciso de você agora, nada é real / Salve-me dos vilões das circunstâncias / Antes que eu perca meu lugar”
Não há dúvidas de que os adeptos estavam rezando para todos os deuses do futebol por um salvador que pudesse lhes dar o título esperado por 71 anos. Até mesmo os jogadores do Villa deveriam estar fazendo tal prece, afinal o goleiro Jimmy Rimmer usou no documentário “Champions Aston Villa – Season Review 1980/81” a palavra “pesadelo” como um dos adjetivos para definir a partida contra o Arsenal.
Ao apto final, os Villans não conseguiram superar seus adversários e foram derrotados por 2 a 0. Porém, independente de para quem o pedido tenha sido feito ele foi atendido.
O Middlesbrough não só empatou sua partida como também virou para cima do Ipswich. A festa começou no Highbury com invasão de campo e pode-se considerar que para muitos só veio a terminar na temporada seguinte.
O ano que estaria por vir reservaria um prêmio ainda maior para o Aston Villa, que tinha direito a disputar da Liga dos Campeões na qual acabou sendo emblemática para a história do clube.
Essa narrativa já foi contada aqui na PL Brasil, por isso terminemos na grande conquista de 14 jogadores que deram suor e sangue por um título que será para sempre deles.