A trajetória de Arthur Wharton no mundo dos esportes é, no mínimo, curiosa. Se engana quem pensa que pelo fato de ter sido o primeiro profissional negro no futebol inglês, ele nasceu e cresceu com a bola nos pés.
Antes de se tornar jogador, o filho de um metodista escocês e de uma princesa de Gana estudou para ser missionário. Isso mesmo, missionário. Atuou também em outras modalidades esportivas até se destacar no futebol.
No currículo, Wharton carrega uma marcante semifinal de Copa da Inglaterra, quatro temporadas na segunda divisão e uma na elite do futebol inglês.
Nasceu em 28 de outubro de 1865, em Accra, que era integrante do império britânico e atualmente faz parte do território de Gana. Iniciou a carreira em 1882, quando mudou-se da cidade natal para a Inglaterra.
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A mãe de Wharton, Annie Florence Egyriba, queria que ele seguisse os passos do pai, Henry Wharton, e estudasse em colégio missionário. Mas isso só aconteceu na teoria. Sua verdadeira vocação era para o esporte. Além de gostar de futebol, ia muito bem no ciclismo, no críquete e ainda era velocista em corridas.
Na época estudantil se tornou, inclusive, recordista mundial de atletismo na modalidade de 100 jardas (quase 100 metros). Feito muito expressivo para um garoto. Durante uma dessas competições, chamou a atenção de um olheiro do Darlington FC. A versatilidade, o ótimo desempenho e o porte físico foram cruciais para que rapidamente surgisse um convite.
Passou a atuar na equipe como goleiro, de forma amadora, mas ao disputar uma partida contra o Preston North End, recebeu proposta do adversário para defendê-lo. E assim o fez.
Com o Preston, Arthur Wharton chegou a uma surpreendente semifinal de FA Cup na temporada 1886/1887. Porém, em 1888 resolveu dar uma pausa no futebol para se dedicar exclusivamente ao atletismo. Justamente nesse período, o time conquistou a primeira edição do Campeonato Inglês.
Born #OnThisDay, @OfficialRUFC & @pnefc 'keeper Arthur Wharton, the first black professional. @EFL #NFMHallOfFame #BlackHistoryMonth pic.twitter.com/V2gAAqR88d
— Nat. Football Museum (@FootballMuseum) October 28, 2017
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A profissionalização
Um ano depois Arthur Wharton retornou aos gramados, mas dessa vez com contrato assinado pelo extinto Rotherham Town. Wharton fazia história e o mundo conhecia o primeiro jogador profissional negro.
Em 1894, transferiu-se para o Sheffield United. Atuou em três partidas, uma delas pela primeira divisão, contra o Sunderland.
Wharton era goleiro, mas se aventurava também no ataque como ponta, quando o time precisava. A versatilidade fez dele um jogador diferenciado. Uniu a potência do atletismo, a facilidade de jogar com os pés e o porte físico avantajado para se tornar um nome cobiçado do futebol inglês no século XIX.
Ao longo da carreira que durou pouco mais de uma década, defendeu Darlington, Preston, Rotherham Town, Sheffield, Stalybridge Rovers, Ashton North End e Stockport County, seu último clube antes da aposentadoria.
Aposentadoria
Pendurou as chuteiras em 1902, aos 36 anos, e passou a trabalhar em minas de carvão. Dois anos antes, havia se casado com Emma Lister, com quem teve duas filhas: Minnie e Nora. Sete anos depois, o casal abriu uma tabacaria.
Em 1926, participou de uma das maiores greves do minério na história. Posteriormente, teve problemas com alcoolismo, se internou e faleceu em dezembro de 1930, aos 65 anos de idade. Duas causas de morte foram registradas em sua certidão de óbito: epitelioma e sífilis.
Laurence Griffiths/Getty Images[/caption]O legado de Arthur Wharton
O exemplo deixado pelo herdeiro do metodista e da princesa africana permitiu que as fronteiras do preconceito se rompessem e o futebol na terra da rainha se pluralizasse.
Hoje, boa parte das estrelas que disputam a Premier League são afrodescendentes. Arthur Wharton abriu esse caminho. A campanha Black Lives Matter reforça a importância dos negros e sua participação no futebol inglês.
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Mesmo sem ter defendido em campo a seleção inglesa, teve uma estátua em sua homenagem instalada na sede do centro de treinamento St. George’s Park. Outra estátua também foi colocada na sede da Fifa, em Zurique, na Suíça.
Em 2003, um século depois de pendurar as chuteiras, o ex-goleiro teve seu nome incluído no hall da fama do futebol inglês.